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Usados de trampolim da 'incrível geração', clubes belgas passam vexame

Avião se prepara para receber jogadores da Bélgica - Divulgação
Avião se prepara para receber jogadores da Bélgica Imagem: Divulgação

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em São Paulo

05/07/2018 18h00

Pense em um dos mais famosos jogadores da seleção belga que vai enfrentar o Brasil nesta sexta-feira e tente recordar-se do você sabe sobre seu início de carreira. Eden Hazard brilhou no Lille antes de chegar ao Chelsea. Alderweireld foi destaque do Ajax antes de defender Atlético de Madrid e Tottenham. Kompany passou pelo Hamburgo antes de se firmar no Manchester City. Note: não há clubes belgas nessa história.

Cercada por Alemanha, França, Holanda e Inglaterra, e com um perfil multi-étnico, a Bélgica tornou-se nos últimos anos um celeiro de craques. Mas o poder econômico dos seus apenas 24 clubes profissionais, inferior aos dos times médios dos países vizinhos, fez com que seus clubes não conseguissem a mesma evolução de sua seleção. Pelo contrário.

Na última temporada, as cinco equipes belgas que disputaram as competições europeias (Liga dos Campeões e Liga Europa) conseguiram meras três vitórias, sem conseguir avançar de fase nenhuma vez. No ranking da Uefa, que leva em consideração o desempenho nesses torneios, a Bélgica foi apenas a 34ª colocada na temporada 2017-18. Enquanto a seleção dá passos largos para frente, os clubes (que ainda se mantêm em nono no ranking das últimas cinco temporadas) caminham para trás.

A falta de identificação dos jogadores da seleção com clubes locais é só um dos sintomas desse problema. Dos 23 jogadores à disposição do técnico Roberto Martínez, 12 nunca profissionalmente na Bélgica - logo, a maioria deles. Os demais saíram cedo, a ponto de apenas três terem mais de 100 partidas por clubes belgas em toda a carreira.

Witsel Bélgica - FILIPPO MONTEFORTE/AFP - FILIPPO MONTEFORTE/AFP
Imagem: FILIPPO MONTEFORTE/AFP

Trampolim

Com 34 títulos nacionais, o Anderlecht é clube belga mais tradicional e também um exemplo do cenário. “Nossa filosofia é ser um trampolim para a Europa. Queremos ter um, dois, três anos de recompensa esportiva antes de o jogador sair. Perdemos um jogador recentemente. Propusemos a ele um contrato de três anos aos 16 anos. Recebi uma mensagem de seu pai, agradecendo-nos pelo bom trabalho que fizemos com ele nas últimas quatro ou cinco temporadas, dizendo que ele está deixando o clube imediatamente para um clube estrangeiro. Agora sabemos que é o Tottenham", contou, ao The Guardian, em 2014, um dirigente do Anderlecht.

O jogador era Ismail  Azzaoui, um atacante que passou por Tottenham e Wolfsburg, mas não vingou. Outros tiveram melhor sorte. Januzaj também saiu o Anderlecht aos 16 anos, de graça, juntando-se ao Manchester United. Com a mesma idade, Boyata trocou um clube pequeno de Bruxelas pelo Manchester City, enquanto Carrasco saiu do Genk aos 17 anos, para o Monaco. Todos estão na Copa do Mundo e não têm nenhuma identificação com clubes belgas.

Perder talentos de forma precoce não causa apenas prejuízo esportivo aos clubes belgas, mas também financeiro. Nesta década, apenas duas transferências de jogadores belgas renderam mais de 10 milhões de euros aos clubes do país: Lukaku do Anderlecht para o Chelsea, em 2011, por 15 milhões, e Youri Tielemans, também do clube de Bruxelas, ao Monaco, por 25 milhões, há um ano. Como comparação, a mesma base de dados (o site especializado Transfermarket) mostra que os clubes do Brasileirão A fizeram 29 vendas de jogadores brasileiros por valores acima de 10 milhões de euros no mesmo período. 

Por menor que seja a identificação entre os clubes brasileiros e os jogadores da seleção, mesmo assim ela é muito superior ao cenário belga. Basta ver que apenas um dos 23 convocados joga na Bélgica (o reserva Dendoncker, cotado para trocar o Anderlecht pelo Manchester United) e um outro dois tiveram carreiras sólida no país - Thomas Meunier fez quase 150 partidas pelo Club Brugge antes de se transferir para o PSG, em 2016, enquanto Witsel fez três temporadas completas pelo mesmo clube antes de se transferir para o Benfica, em 2011. Os demais, nem isso.

Anderlecht comemora título - VIRGINIE LEFOUR/AFP - VIRGINIE LEFOUR/AFP
Imagem: VIRGINIE LEFOUR/AFP

O que sobra

Sem poder contar com os melhores jogadores belgas que formam, os clubes belgas recorrem a um modelo próximo ao dos vizinhos holandeses. Ou seja: aproveitar o perfil multi-étnico do país, regredir uma casa na cadeia alimentar do futebol, buscando jogadores ainda mais jovens em mercados ainda menos desenvolvidos. 

No Anderlecht, por exemplo, jogam atletas de 18 nacionalidades diferentes, de americanos a zimbabuano, passando por ucranianos e suecos. A defesa do Standard Liège tem um haitiano e um cipriota, num total de 19 nacionalidades no clube. Considerando também o Genk, o Gent e o Standard Liège, os cinco maiores clubes do país têm atletas de 51 países diferentes em seus elencos. 

A Torre de Babel não tem dado certo. Na temporada passada, o Anderlecht ficou em último no seu grupo da Liga dos Campeões, levando duas goleadas do PSG, enquanto o Zulte  Waregem foi superado por Nice e Lazio na Liga Europa. Outras quatro equipes caíram nas fases classificatórias. 

Pelo sistema da Uefa que define quantas vagas cada país terá em suas competições de clubes, a Bélgica conseguiu a façanha de somar menos pontos que Albânia, Moldávia e Macedônia, ficando no 34º lugar do ranking.  

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