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Copa 2018

Sombra neonazista e xenofóbica paira sobre seleção da Croácia na Copa

Homem veste camisa com foto do croata Josip Simunic, que perdeu Copa por repetir saudação neonazista - Lisi Niesner/Reuters
Homem veste camisa com foto do croata Josip Simunic, que perdeu Copa por repetir saudação neonazista Imagem: Lisi Niesner/Reuters

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

11/07/2018 04h00

A surpreendente campanha da seleção da Croácia garantiu um lugar nas semifinais da Copa, mas também expôs o vínculo, ao menos simbólico, de alguns de seus jogadores e membros da comissão técnica com os movimentos ultranacionalistas, xenofóbicos e até mesmo neonazistas que permanecem mostrando força no leste da Europa.

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A equipe enfrenta a Inglaterra nesta quarta-feira, às 15h (de Brasília), por uma vaga na final do Mundial.

Logo depois das quartas de final, o zagueiro Demogoj Vida e o assistente técnico Ognjen Vulkojevic apareceram em vídeos dizendo “Slava Ukraini”, expressão que pode ser traduzida como “Glória à Ucrânia”.

A frase parece ser uma simples saudação ao país onde Vida e Vulkojevic passaram parte de suas carreiras, já que ambos atuaram por anos no Dínamo de Kiev. A fórmula vem sendo repetida pelo presidente ucraniano Petro Poroshenko em encontros internacionais, em entrevistas na TV e em comunicados à nação. Também virou o mote de soldados ucranianos que lutam pela retomada da Crimeia, em disputa com a Rússia.

Domagoj Vida, da Croácia, tira a camisa durante comemoração do segundo gol de sua equipe em jogo contra a Rússia - Lars Baron - FIFA/FIFA via Getty Images - Lars Baron - FIFA/FIFA via Getty Images
Imagem: Lars Baron - FIFA/FIFA via Getty Images

Em resposta a reportagens da imprensa inglesa, a embaixada ucraniana no Reino Unido disse que “Gloria à Ucrânia” seria uma simples expressão patriótica, comparável a outras como “Viva a França” ou “vida longa à Rainha”. Mas para um observador atento das relações de poder no leste europeu, a expressão ucraniana é mais que isso.

Os historiadores localizam as primeiras aparições de “Glória à Ucrânia” e sua resposta “Glória aos heróis” ainda nas primeiras décadas do século 20. A saudação ganhou nova força entre 2013 e 2014 quando foi o grande aglutinador dos protestos que tiraram do poder um presidente alinhado ao governo russo em prol de uma gestão mais nacionalista e pró Europa.

Antes disso “Glória à Ucrânia” foi a saudação preferencial do Exército Insurgente Ucraniano (UPA) e da Organização Ucraniana Nacionalista (OUN), cujos membros lutaram pela independência da Ucrânia antes e depois da Segunda Guerra Mundial, mas que também cometeram atrocidades contra inimigos como poloneses e judeus.

UPA e OUN representavam a resistência contra o governo da União Soviética e estavam alinhados aos nazistas da Alemanha. Nessa época “Glória à Ucrânia” era a versão local do “Heil Hitler”, a tradicional saudação nazista.

Ao repetirem a frase após uma vitória dramática sobre a Rússia, Vida e Vulkojevic deram um recado aos amigos ucranianos, mas sofreram sanções quase imediatas. O assistente técnico foi descredenciado pela federação croata e recebeu uma multa de R$ 58 mil da Fifa, que não costuma tolerar manifestações políticas em seus eventos. O zagueiro recebeu uma advertência. Os croatas também precisaram vir a público pedir desculpas.

Na terça-feira (10), outro vídeo veio à tona. Em mais um momento de celebração, Vida ergue uma garrafa de cerveja e volta a dizer “Glória à Ucrânia”.

“Quando eles dizem essas palavras, eles não estão fazendo uma manifestação ingênua”, avaliou Jorge Christian Fernandez, professor de história contemporânea da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. “É uma demonstração clara de afinidades políticas dos croatas com a Ucrânia e com esse mundo ‘mais ocidental’, em oposição à Sérvia e à Rússia.”

“A Croácia tem uma afinidade histórica com o Ocidente e, tanto lá como na Ucrânia, permanecem latentes esses movimentos ultranacionalistas, xenofóbicos, que sonham com uma Europa de pureza racial e cujas manifestações se tornam cada vez mais populares”, disse o professor.

Neste segundo vídeo, Vida pronuncia outra expressão de aparência controversa, citando o nome da capita da Sérvia: “Belgrado queima”, diz ele. Seria uma referência à guerra que opôs as nacionalidades após a dissolução da Iugoslávia? Procurada pela reportagem, a embaixada da Sérvia em Brasília levou na esportiva e não viu sentido ofensivo na provocação do jogador. A Fifa anunciou que está investigando o caso.

Croatas cantam música de banda ultranacionalista

Referências ao passado bélico dos Balcãs apareceram em outro vídeo comemorativo.

Ao menos dois croatas celebraram a vitória sobre a Argentina, na primeira fase da Copa, cantando versos da música “Bojna Cavloglave”, composta por Marko Percovic, da banda Thompson. A letra é conhecida como um hino nacionalista e nasceu durante os anos da guerra de independência contra a Sérvia. Os versos cantados no vídeo pelo zagueiro Dejan Lovren, do Liverpool, podem ser traduzidos como “Por nossas casas, por nossos irmãos, por nossa liberdade, nós estamos lutando.”

Mas a música inicia com a saudação “Para nossa casa, estamos prontos”, um símbolo do Ustasha, a organização paramilitar croata que colaborou com os nazistas durante a Segunda Guerra e permaneceu com influência sobre país mesmo depois do fim dela.

A história da Ustasha começa com a invasão nazista à Iugoslávia, conta o professor Sergio Aguilar, da Unesp de Marília (SP), observador da ONU durante a guerra civil nos Balcãs e autor do livro "A Guerra na Iugoslávia: uma década de crises nos Bálcãs".

“Os nazistas proclamaram o Estado Croata Independente e instalaram um governo fantoche extremista e nacionalista denominado Ustasha”, escreveu ele. “Esse governo croata estabeleceu leis antissemitas e foi responsável pelo extermínio de sérvios, judeus e ciganos. O regime Ustasha tinha como insígnia a shahovnica - um escudo xadrez vermelho de origem medieval, que foi retomado propositalmente pelo movimento nacionalista que resultou na independência da Croácia na década de 1990.”

Jogo na Euro teve suástica no gramado

A ideologia do Ustasha associava elementos do cristianismo com a xenofobia, o ideal de raça pura e o uso da violência. E suas consequências para a Croácia atual permanecem vivas. Marko Percovic, o compositor da música cantada no vestiário da seleção croata, é um conhecido defensor do Ustasha e, por causa disso, já teve shows cancelados em outros países europeus.

Em 2004, acusado de neonazismo, Percovic foi proibido de tocar em Amsterdã. Em 2009, o veto veio da Suíça. Os fãs da banda Thompson, batizada com o nome da metralhadora que Percovic usava durante a guerra contra a Sérvia, costumam ir aos shows vestidos com uniformes em referência ao Ustasha.

Suástica - Darko Bandic/AP - Darko Bandic/AP
Estádio em Spilt, na Croácia, apareceu com sinais de uma suástica no gramado; federação foi multada
Imagem: Darko Bandic/AP

Em 2013, a saudação tradicional do Ustasha já tinha sido feita pelo então zagueiro Josip Simunic depois que a Croácia se classificou ao Mundial de 2014 ao vencer a Islândia em Zagreb. Por repetir as palavras “Para nossa casa, estamos prontos”, Simunic recebeu um gancho de dez jogos e não pôde vir ao Brasil. A cena de Simunic se dirigindo à torcida foi parar em camisetas e virou símbolo de movimentos neonazistas no país. Apareceu em maio em uma manifestação em memória dos mortos do Ustasha.

Em 2015, durante um jogo contra a Itália pelas eliminatórias da Euro, uma enorme suástica apareceu no gramado do estádio de Split. A federação croata foi multada em 100 mil euros, a seleção perdeu um ponto na classificação e teve que fazer dois jogos de portões fechados. Na ocasião, a entidade também veio a público pedir desculpas.

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