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Croata corintiano manda mensagem a brasileiros: "Não somos nazistas"

Zeljko Pavletic (à esquerda) em seu bar dedicado ao Corinthians em Zagreb, capital croata - Reprodução/Facebook
Zeljko Pavletic (à esquerda) em seu bar dedicado ao Corinthians em Zagreb, capital croata Imagem: Reprodução/Facebook

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/07/2018 18h11

Muita gente decidiu escavar entranhas geopolíticas para decidir o time favorito na final. Isso incomodou um notório torcedor croata, que escreveu um texto defendendo seu país da pecha de "simpático ao nazismo".

Zeljko Pavletic virou fã do Brasil, e do Corinthians, depois de conhecer o país na Copa de 2014. Abriu um café e bar totalmente dedicado ao time paulistano em Zagreb, a capital croata, em 2015, e de tempos em tempos volta para cá e reencontra seus amigos do “bando de loucos”.

Pois Pavletic decidiu divulgar uma mensagem aos “irmãos brasileiros”: não associe a Croácia ao nazismo, pois história é algo complexo e um povo todo não pode pagar o preço pela postura de alguns. A versão em português do texto foi traduzida por um corintiano, amigo de Pavletic, e publicado no "Coletivo Democracia Corinthians". Veja a íntegra a seguir:

Vemos por aí, mundo afora, fotos que mostram torcedores croatas fazendo gestos nazistas. Infelizmente, é algo que podemos encontrar em muitos países. Essas pessoas podem ser do meu país, mas também alemães, russos, poloneses, ingleses, italianos e sérvios.

Vejo um rapaz com a camisa croata fazendo um gesto nazista e asseguro: ele NÃO É um torcedor de verdade.

Por quê? Porque o povo croata, simplesmente, não é assim. Eu posso garantir. Nós, torcedores croatas, não somos nazis. Nunca seremos! Lamentavelmente, idiotas que seguem a cultura nazista se aproveitam do futebol para agir assim em muitos países. Nossa Croácia foi ocupada pelo hitleristas alemães na II Guerra Mundial. E, infelizmente, alguns poucos garotos estúpidos seguem essas ideias.

Nosso povo odeia quando alguém nos mostra como nazis. 99,99% reagem mal com essa associação. Acredito que essa polêmica tem muito a ver com jornalistas ingleses e sérvios que publicaram essas imagens. Acredito que a razão seja a inveja. Afinal, eles também têm o problema de manifestações nazistas em seus países.

E, falando sério, não considero correto escolherem e divulgarem essas fotos justamente neste momento de celebração para nós. Ora, é o momento da glória do futebol e temos que responder sobre nazistas?! Eles se foram há 73 anos, e não estão mais entre nós. Graças a Deus! Importante, neste momento, seria o mundo saber que nossa terra é muito linda.

Nosso povo é 95% católico, e os católicos odeiam o nazismo. Pelo país, temos 6 mil esculturas e obras de arte que repudiam o nazismo. Portanto, não merecemos essas críticas. Não merecemos esses comentários por causa de poucos idiotas que se comportam de modo inadequado na torcida. Aqui, todas as pessoas que têm um pouco de cérebro repudiam essas atitudes.

No meu caso, fico especialmente triste, porque sou “favela”, sou um pouco Brasil, identificado com o corinthianismo. Tenho 36 anos e tenho um bar na Zona Leste de Zagreb, na Croácia, um bar temático que homenageia o Sport Club Corinthians Paulista. As pessoas do nosso convívio aqui ficaram muito tristes quando viram essa associação com os fascistas. Não é justo conosco.

Temos uma história muito complexa. Aqui, há quem tenha tido um avô do lado dos nazi e uma avó partisan (da resistência). Era a II Guerra Mundial e você simplesmente não podia escolher um lado. Botavam um uniforme em você e exigiam que cumprisse ordens. Era a realidade. Mas isso foi na década de 1940. Isso passou.

E tivemos outra guerra muito traumática depois, entre 1991 e 1995. Nossas mentes ainda estão muito ligadas nesses acontecimentos recentes. No fundo, a maior parte do nosso povo não se liga nessas divisões. Nazis e comunistas: quando ouço uma dessas palavras, já fico assustado. Os conceitos ligados a essas palavras normalmente provocam confusão.

De fato, o que queremos é superar o passado das guerras, trabalhar e viver em uma cultura de paz e harmonia. E queremos que seja assim também nas torcidas do nosso bom futebol.

Espero que essa mensagem seja divulgada para os irmãos brasileiros. É muito importante para mim e para todo o povo croata.

Um abraço. E obrigado!

Croata 02 - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Željko Pavletić com seu "bando de loucos" na Praça Vermelha, em Moscou
Imagem: Reprodução/Facebook
Com um governo então simpático ao nazismo, a Croácia foi ocupada pelos alemães durante a 2ª Guerra Mundial e virou uma espécie de “estado fantoche” de Hitler. Mais recentemente, passou por uma sangrenta Guerra Civil (1991-1995) ao se separar da ex-Iugoslávia.

O sentimento nacionalista é forte entre parte da população croata desde então, e incidentes envolvendo torcedores e jogadores do país têm ajudado a reforçar a imagem de uma nação ainda vinculada ao fascismo.

Um vídeo mostrando o zagueiro Vida, e o assistente técnico Vulkojevic, gritando “Glória à Ucrânia”, usado pela extrema-direita ucraniana, após seu time eliminar a Rússia nas quartas de final, rendeu uma advertência ao jogador e uma multa de R$ 58 mil a Vulkojevic. Ele também acabou descredenciado pela federação croata, que precisou pedir desculpas pelo incidente.

Torcedores do país também foram flagrados comemorando a vitória contra a Argentina, pela primeira fase, cantando trechos de “Bojna Cavloglave”, canção da banda ultranacionalista Thompson que faz menção à Ustasha, organização paramilitar croata que colaborou com os nazistas.

Em 2015, a Federação Croata de Futebol foi multada em 50 mil euros, e a seleção a jogar uma partida com portões fechados, depois que torcedores croatas pintaram uma suástica no gramado em jogo contra a Itália. O UOL Esporte conversou com Pavletic pelo telefone. O croata-corintiano estava em Moscou tentando comprar ingressos para a final e explicou sua preocupação em esclarecer as coisas para os brasileiros.

“Achei que precisava deixar claro que é uma parte muito pequena da população que tem algum tipo de simpatia pelo fascismo. E os nazistas estiveram na Croácia 70 anos atrás”, disse Pavletic. Sobre as manifestações de jogadores, ele acredita se tratar de uma questão “pessoal” e mais complicada de explicar. “Você teria que estar na Croácia para entender.”

O croata falou também sobre o episódio que o tornou conhecido na Copa passada. Ele beijou a repórter da Globo Sabina Simonato quando ela entrava ao vivo em uma transmissão. A atitude de Pavletic não foi criticada à época, mas será que ele se arrepende depois de toda a repercussão envolvendo casos de assédio nesta Copa? “Foi só uma brincadeira, nada demais. Algo espontâneo, não pensei antes de fazer.”

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