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Qual origem do grito homofóbico da torcida do México que a Fifa quer punir

20/06/2018 10h26

A Fifa (Federação Internacional de Futebol) anunciou na segunda-feira que abriu um procedimento disciplinar contra a Federação Mexicana de Futebol (Femexfut) por causa do comportamento de torcedores de país, que entoaram um canto "homofóbico" na partida contra a Alemanha no domingo.

Como aconteceu no Brasil 2014 e durante as eliminatórias para a Rússia 2018, nas arquibancadas se ouviu o cântico "eeeeehhh, puto!" quando o goleiro rival dava um tiro de meta.

A expressão é considerada por muitos como homofóbica, é uma forma vulgar no México de se referir a gays.

Torcida mexicana - BBC - BBC
Imagem: BBC

No entanto, outros dizem que a expressão seria mais usada para descrever alguém como "covarde".

O fato é que o seu uso como grito de torcida gerou sanções econômicas e advertências à Femexfut antes - e pode até afetar a seleção mexicana.

A origem

Afinal, de onde veio essa expressão?

Investigações da imprensa esportiva no México sugerem que o grito descende de outro surgido nos anos 80 em partidas de futebol americano no país.

Fãs do esporte na cidade de Monterrey gostavam de acompanhar o lance inicial daquela modaliade com um grito de "eeeeeeeh, pum!", um costume que se estendeu a outras cidades.

O salto para o futebol ocorreu no início da década de 2000 com os torcedores do Rayados, de Monterrey, que usaram a mesma frase para provocar o goleiro rival

A mudança de "pum" para "puto" ocorreu em 2003, durante o torneio pré-olímpico realizado em Guadalajara, segundo a imprensa mexicana.

Mais tarde, estendeu-se ao campeonato nacional e aos jogos da seleção mexicana - e começou a causar problemas para a Femexfut desde as eliminatórias para a Copa do Brasil em 2014.

É homofóbico?

Parte da controvérsia sobre este grito vem sobre seu significado e como ele é usado.

A Real Academia Espanhola define um dos significados de "puto" como um adjetivo vulgar usado para denegrir.

No México, é usado vulgarmente como adjetivo e substantivo para se referir a homens gays, mas também tem o sentido de covarde.

Parar alguns, no contexto do futebol, a expressão não é homofóbica, porque o sentido em que ela é usada não seria dirigido contra a comunidade LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

"Acho que a Fifa se equivoca ao considerar que esse grito é um insulto aos homossexuais", disse Luis Fernando Lara, editor do Dicionário de Espanhol no México, ao jornal americano The New York Times. "É um insulto, sim, mas não contra a comunidade gay. Acho lamentável que se esteja fazendo esse escândalo por causa do politicamente correto."

No entanto, para outros, não é possível dissociar o sentido pejorativo e estigmatizante da palavra usada contra os gays.

"O sentido com o qual esse grito é entoado nos estádios não é inócuo. Ele reflete a homofobia, o machismo, a misoginia que ainda imperam em nossa sociedade", observou Ricardo Bucio quando dirigia a Comissão Nacional para Prevenir a Discriminação mexicana.

"É expressão de desprezo, de rejeição, não é descrição nem expressão neutra. É uma qualificação negativa, é estigma, é subvalorização."

Javier Ruiz Galindo, diretor da Casa do México na Rússia, que oferece ajuda a torcedores mexicanos no país, disse à BBC que é algo "muito complicado, porque há muitas maneiras de isso ser percebido".

"Eu concordo, não deveria ser permitido, recebemos advertências para não fazê-lo e acho que não devemos. Temos que ser respeitosos", disse ele na segunda-feira.

Sanções e advertências

Apesar das múltiplas advertências da Fifa antes e durante a Copa do Mundo de 2014, torcedores mexicanos continuaram a entoar o grito agora na Rússia.

A Femexfut recebeu seis multas de mais de US$ 20 mil, e a Fifa alertou que seriam necessárias medidas mais fortes se essa atitude continuasse.

A federação mexicana fez campanhas na mídia, nas redes sociais e nos estádios para que o grito não fosse mais entoado, mas não adiantou. Houve até a tentativa fracassada de substituir a palavra "puto" por México.

Um bem-humorado comercial de TV no México propôs que, durante a Copa do Mundo, os torcedores gritassem "Putin" - como o nome do presidente russo Vladimir Putin - em vez de "puto". O comercial causou protestos do embaixador da Rússia no México, Eduard Malayán:

"Não somos tão estúpidos para entender que é um jogo de palavras (...) Não é costume gritar nomes ou sobrenomes de personalidades políticas em nossos estádios", reclamou o diplomata em maio passado.

A Fifa não deu detalhes sobre o procedimento disciplinar aberto contra a Femexfut.

No entanto, antes da Copa do Mundo, a federação mexicana alertou os torcedores que as autoridades russas poderiam expulsar do estádio as pessoas que fossem flagradas entoando o cântico.

Durante as eliminatórias, a organização chegou a cogitar que esse tipo de comportamento poderia até tirar pontos da seleção mexicana.

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