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Zagueiro do Corinthians mostra postura crítica e sugere que R. Teixeira deveria sair da CBF

Paulo André em ação pelo Corinthians; zagueiro posicionou-se a respeito da CBF - Rubens Cavallari/Folhapress
Paulo André em ação pelo Corinthians; zagueiro posicionou-se a respeito da CBF Imagem: Rubens Cavallari/Folhapress

Gustavo Franceschini

Em São Paulo

02/08/2011 07h00

Paulo André não está entre as principais estrelas do Corinthians e sequer é titular da equipe de Tite, mas mesmo assim chama atenção. Já reconhecido pelas posições assumidas fora de campo, o zagueiro falou em entrevista ao UOL Esporte sobre a aposentadoria de jogadores e de Ricardo Teixeira, presidente da CBF que vive sob fortes denúncias de corrupção.

“Acho que ele foi importante para o futebol, até porque ganhou duas Copas pelo país, mas em qualquer forma democrática de governo mudanças de pessoas e de ideias são benvindas, e temos inúmeros exemplos para comprovar isso”, disse Paulo André.

A postura crítica é uma exceção no meio do futebol. Apesar de ainda estar em atividade, portanto passível de alguma represália, Paulo André não deixa de cobrar os dirigentes do futebol brasileiro e brigar por melhores condições de trabalho para os atletas. 

Coincidentemente, ou não, o zagueiro de apenas 27 anos tem uma relação próxima com Sócrates, de quem é amigo. Com o “Doutor”, conhecido por assumir suas posições políticas de esquerda e pelas críticas à cartolagem, Paulo André se diz identificado.

“Ele começou a namorar a Kátia [atual mulher de Sócrates], que é minha amiga de infância, e eles me chamaram para jantar. Nosso lado contestador bateu. Depois desse jantar vieram outros e ele me ensinou uma coisa. Ele fala que se você acredita em uma ideia e tem argumentos para defendê-la, você tem de ir atrás”, disse o jogador.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

UOL Esporte: Paulo, você começou a chamar atenção por ter cobrado o sindicato de atletas por melhorias nas condições de trabalho dos jogadores. Conta como começou essa ideia.
Paulo André:
Nós procuramos o sindicato no ano passado. Eu pedi uma prestação de contas e falei que podia tentar ajudar, colocando o peso dos jogadores na decisão. Fomos muito bem recebidos [ele e William, ex-zagueiro do Corinthians]. Tentamos caminhar em temas como direito de arena, condições de gramado, clubes do interior que não pagam.

SOBRE RICARDO TEIXEIRA

Robson Ventura /Folhapress
Acho que ele foi importante para o futebol, até porque ganhou duas Copas pelo país, mas em qualquer forma democrática de governo, mudanças de pessoas e de ideias são bem-vindas, e temos inúmeros exemplos para comprovar isso

UOL Esporte: Como foi a relação com jogadores de outros clubes?
Paulo André:
Eu procurei os capitães. Falei com o Kleber [do Palmeiras], o Rogério Ceni [do São Paulo], o Marco Antônio [da Portuguesa]. Falei também com muita gente do interior, amigos. Expliquei o que a gente queria e eles nos responderam. Os jogadores de São Paulo, Palmeiras e Santos não mandaram a carta, mas manifestaram apoio.

UOL Esporte: E o que aconteceu depois disso?
Paulo André:
Logo saiu a nova Lei Pelé, e aí desgastou um pouco [a relação com o sindicato]. Aí teve o lançamento da Sportprev [plano de previdência para os jogadores]. Eles me procuraram para que eu falasse no evento, fosse o porta-voz. Eu expliquei que não dava porque eu não concordava com os termos propostos. Do jeito que estava não teria adesão. Eu falei: se não der não faz, mas assim ninguém vai querer. Eles falaram que era melhor lançar daquele jeito que depois tentavam melhorar. Eu achei que era melhor ir lá falar, porque de repente eu dizia alguma coisa que ajudava alguma coisa, e eles ficaram de me avisar sobre a data e o local do evento. Só que não me ligaram e passou a data. Eu liguei e perguntei se alguém foi avisado. Eles responderam que falaram com os jogadores que foram ao sindicato receber o direito de arena do Campeonato Paulista. Aí eu falei: ‘Pô, vocês têm de avisar formalmente, ir nos clubes. Vocês conhecem a classe com quem estão lidando, não pode ser assim’. E me disseram que nenhum jogador foi no lançamento.

UOL Esporte: Qual a sua impressão atual do assunto e o que é possível fazer para melhorar a situação?
Paulo André:
Acho que o sindicato é meio engessado. O que a gente pede não anda. Eu já pensei em criar uma associação, mas enquanto eu estou jogando não dá tempo.

UOL Esporte: O que o Corinthians pensa de tudo isso?
Paulo André:
O presidente nos apoia. Ele já disse isso em entrevistas. Se eu não me engano, falou que a gente devia até fazer greve. Acho que ele entende e até apoia, desde que não prejudique o clube dele. Mas a nossa ideia não é essa. A gente quer que as condições melhorem para que o espetáculo fique melhor.

UOL Esporte: Você acompanhou a polêmica do benefício aos campeões mundiais, quando Carlos Alberto Torres e Tostão discordaram? Qual é a sua opinião sobre o assunto?
Paulo André:
Eu vi sim. Concordo com o Tostão. Com isso o Governo vai remediar em vez de prevenir. Eu, particularmente, acho errado ter aposentadoria para atletas. Acho injusto com a sociedade que só para de trabalhar aos 55 anos que o jogador possa parar aos 35. O que devia ser criado é um auxílio-desemprego, de uns dois anos, para que o jogador possa se reinserir no mercado.

UOL Esporte: Mas o problema dos atletas não está apenas nesses dois anos após a aposentadoria, certo? Os jogadores estarão preparados para se reinserir no mercado só com esse auxílio?
Paulo André:
Não, é muito mais que isso. Precisa de um complemento educacional na formação dos atletas. É difícil se manter estudando. Tem de ensinar os direitos, outras línguas, questões financeiras, coisas que importam para um jogador mesmo. Na base, ele fica enclausurado.

ENTENDA A POLÊMICA ENTRE TOSTÃO E CARLOS ALBERTO

UOL Esporte: Você é contra os empresários?
Paulo André:
Eu acho que tem de ter alguém para negociar com o clube, senão desgasta a imagem do jogador. Ele não pode discutir com o presidente e depois ir defender esse mesmo presidente no campo. Tem de ter um negociador. Mas tem muita gente ruim. A fiscalização é ruim.

UOL Esporte: Você acha que as federações e a CBF poderiam ajudar mais?
Paulo André:
Eles não precisam olhar para os jogadores em si, mas para o espetáculo. Teriam de olhar para o bom rendimento dos atletas. Tem questões como o calendário, o horários dos jogos...

UOL Esporte: O que você acha das denúncias de corrupção contra Ricardo Teixeira?
Paulo André:
Acho que ele foi importante para o futebol, até porque ganhou duas Copas pelo país, mas em qualquer forma democrática de governo, mudanças de pessoas e de ideias são benvindas, e temos inúmeros exemplos para comprovar isso.

UOL Esporte: Você conhece o Sócrates? Como se aproximou dele e qual sua relação com ele?
Paulo André:
Ele começou a namorar a Kátia [atual mulher de Sócrates], que é minha amiga de infância, e eles me chamaram para jantar. Nosso lado contestador bateu. Depois desse jantar vieram outros e ele me ensinou uma coisa. Ele fala que se você acredita em uma ideia e tem argumentos para defendê-la, você tem de ir atrás.

UOL Esporte: Você também é muito amigo do Ronaldo. Ele se interessa por esses temas?
Paulo André:
Ele é um cara esclarecido, preocupado, que se posicionou e expôs o que ele gostaria de mudar. Agora que parou, ele poderia se posicionar mais. Eu cobrei isso dele: ‘A bola te deu tudo, o que você fala tem muito peso. Você deveria deixar um legado para os outros’. Ele é interessado, mas tem a agenda profissional muito lotada. Mas sempre que puder eu vou dar uma cobrada nele.

UOL Esporte: A gente sempre fala em melhorar as gerações futuras. Tem algo que possa ser feito com a geração atual de jogadores, para que eles participem mais?
Paulo André:
Tem sim, por isso que eu estou aqui falando. Se alguns se levantarem e se unirem aos outros, pode acontecer. Falta um pouco de coragem, mas também ainda não é possível atingir a todos.

UOL Esporte: Te incomoda ser questionado mais pelas suas posições extra-campo que pelo seu desempenho futebolístico?
Paulo André:
Não me incomoda não. Eu queria ser titular, é claro. Mas acho importante que se fale sobre esses assuntos fora de campo.

UOL Esporte: Você tem só 27 anos. O que você pensa para a sua carreira profissional?
Paulo André:
Acho que dá para ser titular, por isso eu permaneço no Corinthians. Eu gosto muito do clube, sou feliz ali dentro. Vou esperar a minha vez de novo. Eu recebi propostas de dois outros clubes nessa janela, mas resolvi ficar e estou fazendo uma aposta em mim mesmo.

UOL Esporte: E depois de parar, você já faz algum plano para a aposentadoria?
Paulo André:
Eu já tenho o Instituto Paulo André, que ajuda crianças carentes na região de Campinas, onde eu nasci. Não sei. Seria qualquer coisa relacionada a esporte, ou até em política do esporte.