Topo

Ídolo máximo por escolher história ao dinheiro, Marcos dá adeus e vê Palmeiras carente de novos fãs

Marcos diz que "sim" ao Arsenal o faria mais rico e menos ídolo - Rubens Cavallari/Folhapress
Marcos diz que "sim" ao Arsenal o faria mais rico e menos ídolo Imagem: Rubens Cavallari/Folhapress

Danilo Lavieri

Do UOL, em São Paulo

11/12/2012 06h01

Marcos está preocupado com a sua despedida desta terça-feira como estaria se fosse o seu casamento. O próprio goleiro admite que a sua última subida ao gramado com a camisa do Palmeiras o deixa com frio na barriga há vários dias, como se fosse jogar a final da Libertadores de 1999.

Após 20 anos de Palmeiras, o eterno camisa 12 faz um balanço de sua carreira e define tudo em uma frase: "Eu poderia estar muito mais rico, mas muito esquecido", explica o ídolo numa referência à proposta que teve do Arsenal, da Inglaterra, em 2003, mas que acabou recusando para ajudar o Palmeiras em sua primeira incursão pela Série B.

Os tropeços do Palmeiras nos últimos anos fazem Marcos admitir que está cada vez mais difícil fazer com que crianças escolham o clube para torcer. Diz que até seu próprio filho, Lucca, esteve na mira de uma "são-paulinização". "Beleza, torce para o São Paulo, mas chega no fim do ano e pede presente para o Rogério Ceni!", respondeu o ídolo palmeirense ao filho, que manteve seu coração verde. 

Por melhores dias, Marcos vê o fim do caos político do clube como um processo fundamental. E sonhar pelo fim das brigas entre os cardeais palestrinos não é tão improvável para o ídolo que deixa o futebol como um dos atletas mais queridos do país e, segundo ele mesmo, sem inimigos - um dos poucos ex-desafetos, o ex-meia Neto, já reatou a boa relação com Marcos.

Confira a entrevista exclusiva de Marcos ao UOL Esporte:

UOL Esporte: O que você considera um cenário ideal para a sua despedida?
Marcos:
Quero só uma festa bem organizada. Eu penso igual o casamento, para que tudo dê certo. As pessoas precisam sair de lá falando bem da festa. Eu espero ir bem. Sempre me cobrei nisso, de não errar, ter uma partida boa. E espero também que as pessoas não peçam para eu bater um pênalti, porque eu não vou. Se pedirem, vou decepcionar todo mundo. Não tô afim. Até aviso o Juan (gerente de marketing que cuida de sua carreira), que se armar alguma papagaiada para eu bater pênalti, vou mirar e chutar para fora, na lateral. Os goleiros estão fazendo favor de ir no meu jogo, então eles não estão lá para serem humilhados. O Evair está lá, deixa bater.

UOL Esporte: E vai dar frio na barriga como se fosse outro jogo? Ou já deu para acostumar após 20 anos de Palmeiras?
Marcos:
Já estou com frio na barriga. Eu vivo esses dias como ficava antes com jogos importantes. Sempre fiquei dois dias antes do jogo bem ligado, naquela adrenalina mais alta. Já estou sentindo isso desde sábado, não vejo a hora de chegar logo esse jogo. Estou mais ansioso para esse jogo do que os corintianos estão para a final do Mundial!

UOL Esporte: Você não quer jogar na inauguração da Nova Arena?
Marcos:
Se eu tiver condição, sim. Mas depende. Se for jogar contra um time profissional, não é muito bom me colocar lá, não. Mas se tiver preliminar com time de veteranos, aí posso jogar e me dar bem.

UOL Esporte: Um frase que chamou bastante atenção na sua última coletiva foi que seu prazer de jogar futebol acabou quando o [estádio] Palestra [Itália] acabou. Você acha que nunca vai ter um Palestra como o antigo após essa reforma?
Marcos:
Acho que vai, mas a grande mudança, tirando a parte da evolução da melhoria do campo, de ser um dos melhores do mundo, é um campo que vai ter de construir uma nova história. O Palestra já tinha uma história dos 98 anos do Palmeiras, então agora vamos ter que esperar 98, 100 anos para reescrever a história da arena nova. Todos os times estão com estádios novos e não podíamos ficar para trás com um campo ultrapassado pelo tempo. A Arena vai ser boa para jogos, eventos, shows, e é um caminho normal. Eu tinha muito costume de jogar no Palestra, por isso sinto falta, mas a tendência é melhorar.

SAUDADE DO PALESTRA

  • Danilo Lavieri/UOL Esporte

    Ainda com o estádio de pé, Marcos visitou as reformas com torcedores

UOL Esporte: Você como embaixador da marca pode sentir a dificuldade de fazer crianças virarem palmeirenses. Elas só falam no Neymar...
Marcos:
Já teve cobrança de torcedor, dentro da minha casa... Quando ele (Lucca, filho de Marcos) era menor, o São Paulo estava ganhando muita coisa, ele era zoado na escola, às vezes eu ligava para ele e ele falava que o pessoal do Palmeiras só perdia. Ele falava: "Pô, pai, você sempre perde". E eu disse: "Beleza, torce para o São Paulo, mas chega no fim do ano e pede presente para o Rogério Ceni! (risos). Eu sou o goleiro do Palmeiras!" Mas agora ele já tem 13 anos e está consolidado. A Juju gosta do Palmeiras também. Mas é difícil, realmente, você conquistar criança. Para isso, precisa de conquistas e de um ídolo. Mas torcedor você também pode conquistar na derrota. A maioria da torcida do Palmeiras, hoje, só pode ter pela paixão dos pais para filho e não pelas conquistas importantes.

UOL Esporte: Qual a grande diferença entre as séries A e B?
Marcos:
A Série B é mais pegada. Na minha época, sofremos bastante para subir, porque quando caímos, se classificavam oito, depois quatro e depois só dois. Hoje em dia, é bem mais prático. Mas eu sempre tratei o Flamengo no Maracanã e outro time menor como se fosse do mesmo tamanho.

LEMBRA DISSO?

  • Fernando Santos/Folhaimagem

    Marcos escolheu ficar no Palmeiras e esteve ao lado de Vagner Love na Série B, em 2003


UOL Esporte: Você viveu vários anos de Palmeiras e percebeu muitos problemas políticos. Esse é o grande problema do Palmeiras?
Marcos:
Não digo que é só esse. O problema existe. É público e notório. O problema de situação, oposição, dentro do Palmeiras é muito grande. Talvez na política seja assim em todo lugar, mas no Palmeiras aparece mais e nos outros times, não. E às vezes os jogadores têm cansaço psicológico por você ter que explicar certas coisas para a torcida que não deveria explicar. Isso atrapalha. Quando você pergunta para os jogadores, eles querem resumir e não respondem o certo. Mas pode ter certeza que a guerra política chega no time, sim.

UOL Esporte: Você lembra de algum episódio claro dessa influência?
Marcos
: O grande problema é a alternância de poder, né? Às vezes, no Palmeiras, o cara vai da situação para oposição em dois meses. A gente não sabe se é oposição, porque ele está no meio. A gente perde a confiança em dirigentes, não sabe se pode conversar com ele. E esse pessoal fica muito no vestiário, as pessoas circulam lá demais, em uma área que era para ser só dos jogadores. E aí acontece algo no vestiário e aparece em outro lugar e aí começa um a desconfiar do outro. Depois ficamos pensando se ele está ali par ajudar ou para atrapalhar. O normal é achar que todo mundo está no ambiente quer o bem para o ambiente, né? Eu fico pensando às vezes para quem foi bom o Palmeiras ter caído para a Série B, por exemplo? Uma oportunidade para quem entrar no poder dar a volta por cima? Não pode ser, porque aí essa pessoa já entra errado. O pensamento certo é pegar o time por cima e seguir por cima. Se você vê nas dificuldades uma oportunidade é melhor nem entrar. Ninguém quer um dirigente que pensa só nele.

UOL Esporte: Nessa eleição você votaria em quem?
Marcos:
Nunca me meti com política. Nem prestei atenção nas propostas. O voto precisa ser bem estudado, normal para qualquer votação. Se você votar no candidato, você precisa cobrar as propostas, como na vida pública normal. Os conselheiros que votam, lá, precisam analisar proposta por proposta e não grupo político. Tem de eleger para depois a gente cobrar.


UOL Esporte: Hoje, nove anos depois, você pode imaginar o que seria o Marcos se ele tivesse ido para o Arsenal, além de saber falar inglês?
Marcos:
Eu ia ter uma facilidade nesse sentido de falar, né? Eu, talvez, tivesse ficado rico, mas também esquecido por ter abandonado o Palmeiras num momento de dificuldade. Não me arrependo da minha decisão até hoje. Eu como sou goleiro e fiquei muito tempo, tive muitos erros, fiquei muito tempo lá. Eu errei muito pelo Palmeiras e, hoje, a maior consideração tenha sido por eu ter ficado aqui, já que é muito difícil jogar a Série B.

UOL Esporte: Você sempre falou muito. Mas tem algo que queria ter dito que acabou segurando? O quê?
Marcos:
Teve muita coisa que eu segurei. Eu segurei e também não vou te contar! (risos). Teve muita coisa que eu segurei, mas é democracia. Eu sempre quis falar o que eu quero dos outros, porque todo mundo fala o que quer de mim. Nunca achei que eu era mais do que ninguém, mas sempre achei que todo mundo tinha direito de falar. Se eu achasse que alguma coisa estava errada, eu pegava e falava. Aí as pessoas me falavam 'ah, você não pode expor os problemas do clube, do grupo'. E eu dizia, então faz o grupo não ter problema! Quando ninguém cobrava, eu me sentia na obrigação de cobrar. Muitas... Muitas, não. Todas as vezes não era a minha função, mas por ser palmeirense desde criança, sofrer com a minha mãe que também é palmeirense, sempre fui sangue quente neste sentido. Eu sempre esperava alguém de posição superior da minha, cobrar, mas aí ficava com conversa profissional, de pedir tempo, de dar paciência...Futebol não tem tempo. É o que o Muricy fala: tem de ganhar quarta e domingo!

UOL Esporte: E por causa desses problemas de falar muito você arranjou muita briga?
Marcos:
Ah, segurei muita coisa, sim. Vou dar um exemplo: o jogador acha traíra o cara que fala na imprensa. E quando ele deixa de fazer uma função dentro de campo e outro toma a culpa que era dele? Aquele cara tinha que tirar a bola,  mas ele não estava ali. O que estava perto não conseguiu tirar, mas a culpa não era dele. Então eu chegava e falava quem estava errado. Aí falavam que eu não podia falar. Mas eu respondia. Eu dizia que eu esperava o culpado falar, mas, já que ele não falava, falava eu mesmo. Eu sempre assumi a culpa e acho normal no futebol você errar, porque todo mundo tem erros. A gente não tem tanto vídeo do Pelé e do Ademir da Guia, mas duvido que eles não tenham errado uma vez. Teve uma vez que eu fui na área do Grêmio, que o Luxa não queria que eu fosse, e eu penso até hoje sobre isso. Eu não invadi o campo, não infringi a regra, não fiz nada de errado. Falam que eu joguei a torcida contra. Pelo contrário: depois que eu fui lá, a torcida parou de xingar e passou a gritar 'Palmeiras'. 

LEMBRA DISSO?

  • Folhapress

    A foto mostra uma brincadeira de Marcos e Muñoz, mas a porrada quase comeu solta em outra ocasião entre os dois


UOL Esporte: Publicamente, a gente viu você brigando poucas vezes. Tem as histórias com o Neto e com o Muñoz. Só eles foram seus inimigos no mundo do futebol?
Marcos:
Não tem inimigo! Nem o Neto. Eu já o encontrei no Vila Country, tomamos uma cervejinha e já fizemos as pazes. Não guardo rancor, nem ele guarda de mim. Mas é que a imagem fica para sempre na internet e as pessoas ficam vendo. Eu pedi desculpa mais pelo pai e pela mãe deles, porque você não fala só do cara, mas a família do cara estava assistindo. E a briga do Muñoz foi porque ele colocou a mão no meu nariz sem querer e sangrou. Se eu pego ele na hora, ia dar problema, mas eu não pego o Muñoz na corrida nunca. Aí eu fui pra casa revoltado e pensei que nunca devia ter feito aquilo. No dia seguinte, eu dei a mão para ele e deu tudo certo!

UOL Esporte: Para finalizar, tem algum jogador que nunca devia ter vestido a camisa do Palmeiras?
Marcos:
A gente não tem tanto tempo para falar sobre isso...