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Maior torneio amador do país promove liga entre índios e faz reality show com musas

Categoria para índios e disputa entre rainhas de times são atrações do Peladão - Coordenação do Peladão/Arquivo
Categoria para índios e disputa entre rainhas de times são atrações do Peladão Imagem: Coordenação do Peladão/Arquivo

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

10/01/2013 06h00

Há quem diga que o amazonense não é tão ligado em futebol quanto os vizinhos do Pará, a julgar pelas baixas médias de público dos times grandes locais. Mas o fenômeno de atenção do torneio amador conhecido como Peladão derruba essa interpretação. Com cerca de 30 mil atletas envolvidos, a disputa acaba de completar 40 anos como a maior do gênero no país e principal expressão boleira da única sede da Copa de 2014 no Norte brasileiro.

Entre as atrações do Peladão (Campeonato de Peladas do Amazonas) estão duas categorias que contemplam a comunidade indígena, além da novidade deste ano em relação à batalha das rainhas dos times. A popularidade desta disputa paralela é tão grande que fez as musas estrelarem um reality show local, na TV A Crítica.

No primeiro programa do gênero no Estado, o "Peladão a Bordo" confinou as 12 finalistas em uma embarcação no Rio Amazonas, vigiando-as com 15 câmeras por 24 horas por dia. Depois de eliminatórias diversas, a campeã foi Juliana Soares, representante do ASA Futebol Clube.

Segundo a organização, não se trata apenas de um concurso de beleza. As musas precisam mostrar conhecimento sobre temas da atualidade e devem estar presentes em datas marcantes, caso contrário sua equipe é eliminada [88 times foram desqualificados pela ausência da rainha na festa de abertura do Peladão 2012].

Por fim, a vitória na disputa entre as rainhas pode "resgatar" um time já eliminado do torneio para uma espécie de repescagem já perto das finais.

"Ela poder trazer o time ao torneio paralelo. E não vence só pela beleza, e sim mais pela inteligência. A gente sorteia temas, acontecimentos da atualidade, e elas precisam falar sobre esses assuntos", diz o radialista Arnaldo Santos Andrade, que está à frente da administração do Peladão há 15 anos. 

Criado em 1972 pelo jornalista Umberto Calderaro Filho, o Peladão evoluiu junto com a cidade de Manaus. De um torneio de bairro, com desafio entre times de rua, hoje atende uma população de 2 milhões de habitantes. Atualmente a disputa conta com sete categorias: principal, interior, Peladinho (12 a 14 anos), máster, feminino, indígena masculino e indígena feminino.

O radialista Arnaldo Santos Andrade diz que a disputa indígena tem como principal finalidade a inclusão social desta comunidade, em trabalho acompanhado por acadêmicos de antropologia de universidades locais. Os jogadores desta categoria só conseguem efetuar a inscrição mediante apresentação do Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Indígenas). Na edição 2012, o torneio masculino contou com seis times, enquanto que a disputa feminina teve quatro equipes.

"O trabalho é feito em cima daqueles índios que abandonaram as suas áreas de vida e vieram morar em Manaus. São cerca de 30 mil, segundo as estatísticas da Funai (Fundação Nacional do Índio). A gente que ver como eles estão vivendo, as dificuldades que eles têm. Queremos dar uma oportunidade. Mas eles têm deveres e obrigações com o regulamento", relata o administrador do Peladão. "Queremos construir cidadania", acrescenta.

FINAL DO PELADÃO EM 2009 COLOCOU 43 MIL PESSOAS NO ESTÁDIO

Em 2009 o Peladão deu uma impressionante demonstração de força popular ao levar mais de 43 mil pessoas à final no estádio Vivaldão. Mas, com o estádio em obras para a Copa de 2014, o torneio precisou se adaptar, sem a possibilidade do desfecho com as decisões de todas as categorias em um único dia.

Neste mês de janeiro a disputa principal vive seus momentos decisivos, com os confrontos das finais. A decisão acontecerá em 2 de fevereiro em um estádio de capacidade bem menor em relação ao Vivaldão. Por aconselhamento da polícia local, as demais categorias tiveram suas conclusões descentralizadas e já conheceram seus vencedores em desfechos antecipados.

Este ano a disputa contou com mais de mil equipes (1006, precisamente), sendo que 626 somente na categoria principal. Com quatro décadas de história, o Peladão está consagrado na identidade do futebol amazonense e contribuiu para a campanha de atrair uma sede de 2014.

"Disseram que Manaus não gostava de futebol. Mas a Fifa sabe o que é o Peladão, estava na campanha para sede da Copa. [O torneio] tem uma imagem muito grande. Estiveram aqui para gravar reportagens a BBC de Londres, a RAI da Itália, o Canal 5 da França, a National Geographic, a Discovery Channel. Todos trabalhos em cima do Peladão", relata o radialista Arnaldo Santos Andrade.

Por outro lado, atualmente o futebol profissional do Amazonas não conta com nenhum representante nas três primeiras divisões do Brasileiro. Domesticamente, clubes tradicionais como Fast, Rio Negro, Nacional e São Raimundo não conseguem mover as massas como as finais do Peladão. Os clássicos mais recentes não chegaram a atrair nem cinco mil pessoas.

A organização do Peladão coíbe a participação de jogadores profissionais na categoria principal, mas atletas que já militaram em grandes clubes, hoje aposentados, atuam no campeonato. O volante Lima, ex-São Paulo e Roma, foi um deles.

Alguns jogos do torneio são transmitidos por rádios locais, e a final já chegou a ser exibida pela televisão.

Além do impacto esportivo do duelo de rainhas no torneio, outra medida alternativa é a possibilidade de o jogador anular um cartão amarelo e evitar a suspensão cedendo 50 bolas à organização. O material é doado a crianças de Manaus e região.

"Os números são muitos grandes, 800 times só na cidade de Manaus. Não é a bola só, não é o jogo em si. É preciso mergulhar nesse universo para entender melhor o que é o Peladão", conclui o responsável pelo torneio sobre seu gigantismo e impacto na cultura futebolística local. 

TORNEIO MEXICANO É MAIOR AMADOR DO MUNDO

O Peladão fechou a edição 2011 com 29.977 atletas inscritos e 2.718 jogos disputados. Apesar de seu gigantismo, o torneio do Amazonas ainda fica atrás da Copa Telmex, disputa reconhecida pelo Guinness Book (Livro dos Recordes) como a maior do planeta entre amadores.

Em 2010, o torneio mexicano teve 11 meses de duração, com 201.287 jogadores inscritos e 11.777 times.

No Brasil, no último ano, a Copa Kaiser estabeleceu o recorde de maior torcida de futebol amador do país. Com 21.030 pessoas presentes no Pacaembu, a organização da competição recebeu um certificado da RankBrasil, empresa especializada em oficializar recordes nacionais. O público da final do torneio paulista, porém, foi bem menor do que o do Peladão de 2009, que reuniu mais de 43 mil fãs no Vivaldão, em Manaus [os amazonenses batalham pela comprovação do feito].