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Atacante abandona time mineiro após passar em concurso público

Erivelto posa com o filho após jogo no ano passado antes de anunciar a aposentadoria - Arquivo pessoal
Erivelto posa com o filho após jogo no ano passado antes de anunciar a aposentadoria Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

08/03/2013 06h03

Erivelto é mais um dos dois milhões de jogadores de futebol registrados no Brasil que sonham em conquistar glória, fama e dinheiro em um grande clube. Mas, aos 30 anos, ele se cansou das desilusões da profissão que o obrigaram até a desmarcar o casamento duas vezes. O ex-atacante do América-TO abandonou o futebol após ser aprovado num concurso público.

  • Arquivo pessoal

    Após desmarcar o casamento duas vezes, Erivelto e Juliana conseguiram celebrar a união em 2012

  • Arquivo pessoal

    Erivelto agora terá tempo para sua família. Na praia, ela posa feliz com a mulher e o filho Nicolas

No último mês, os rivais deixaram de ser os zagueiros e se tornaram os outros três mil candidatos que ele superou para conquistar um honroso 14ª lugar. Novo auxiliar administrativo da Prefeitura de Guarulhos, Erivelto vai deixar o uniforme esportivo no armário e assumir a roupa social diariamente.

O coração está partido por largar sua grande paixão, mas a empolgação pela nova carreira é digna de um atleta juvenil. O ex-jogador sabe que ainda está nas categorias de base dos livros por ter apenas o ensino médio completo. Mas já pensa em alçar voos mais altos e planeja fazer uma faculdade de Administração ou Direito e melhorar o Inglês.

“Tudo é muito novo pra mim, só de levar os documentos me deu um frio na barriga. No estádio lotado eu não sentia a mesma pressão. Não sei ainda o que vou fazer e como vai ser ainda. E não quero ficar estagnado. Vou ver qual faculdade se encaixa melhor no trabalho e quero fazer um curso de línguas. Com a Copa do Mundo, muitos turistas vão chegar e haverá um leque de empregos grande. Preciso ver as necessidades do mercado diante da globalização, ser inteligente e não queimar cartucho”.

Para superar a primeira ‘peneira’, Erivelto considera que usou mais o talento do que a tática ou os treinamentos. Ele garante que não precisou estudar muito as três disciplinas exigidas: Português, Matemática e conhecimentos gerais. Apenas fez as provas dos concursos de anos anteriores como teste e acredita que o gosto pela leitura de jornais o ajudou. “Não tinha tempo pelas viagens e jogos. Cheguei  no dia do concurso, com lápis e caneta e fui ver o que dava”.

A família que foi fundamental para a troca de rumos. A distância da mulher Juliana e do filho Nicolas, de cinco anos, se tonaram um pesadelo nos últimos tempos e a dificuldade de conseguir marcar o casamento, após dez anos de relacionamento, foi a gota d’água.

O casal precisou desmarcar a celebração da união duas vezes porque ele havia acertado com clubes do da Ucrânia e do Azerbaijão. No fim do ano, finalmente realizaram o sonho.  “O pessoal brinca que eu enrolei. Mas quando escutam a história, nos abraçam e começam a chorar. Não foi falta de vontade. Tentaram impedir, mas vencemos”, brinca ele que ainda não conseguiu viajar em lua de mel para Natal-RN e Maceió-AL.

Erivelto ainda não sabe a função que vai desempenhar na prefeitura, tampouco a área onde vai trabalhar. O salário também não é dos melhores e chega a ser a metade do que ganhava no último clube, o América-TO. Mas isso não o desanima. “Tem coisas que o dinheiro não compra. Ficar com a minha família nos fins de semana não tem preço”.

O atacante diz que não tem frustrações com o América-TO e elogia os dirigentes por cumprirem todos os compromissos nos dois meses em que passou no Norte de Minas Gerais. Mas nem sempre foi assim. A instabilidade do futebol e os frequentes atrasos de salários prejudicaram sua carreira. O agora funcionário público move duas causas na Justiça contra o Náutico e teve problemas até em clubes no exterior que inclui uma lista longa de países: Azerbaijão, República Tcheca, Marrocos, Emirados Árabes, Dinamarca, Ucrânia, Noruega, Bolívia e Sérvia.

“Os clubes deixam a desejar no que diz respeito à remuneração, você vive a insegurança de trabalhar sem saber se vai receber, são muitos atrasos de salário. Se tivessem me dado tudo que eu tinha direito, eu poderia estar parando não por querer um concurso, mas por já ter um negocio para administrar com a minha esposa”.

O funcionário público se sente um exemplo para muitos atletas que passam pelas mesmas dificuldades e não sabem o que fazer quando se aposentam. “Muitos terminam a carreira e entram em depressão. O correto é já ir se preparando. Acho que sou um exemplo porque existem milhões de casos de atletas que sofreram com o futebol como eu. É preciso abrir a cabeça”.