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Zé Maria e César viram técnicos 'italianos' e criticam formação no Brasil

Zé Maria com Carlo Ancelotti em estágio no Chelsea, em 2010 - Arquivo pessoal
Zé Maria com Carlo Ancelotti em estágio no Chelsea, em 2010 Imagem: Arquivo pessoal

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

21/03/2013 06h00

Um caminho muito mais difícil, longo e que exige um repertório cultural maior que no Brasil. Foi essa a via escolhida pelos ex-laterais da seleção brasileira Zé Maria e César para se tornarem técnicos de futebol: a escola italiana, considerada uma das mais renomadas do mundo para a função.

O processo para ser técnico no país tetracampeão mundial é simples: tem de fazer um curso da FIGC (Federação Italiana de Futebol), que tem três estágios, com duração de um ano cada. A permissão para comandar times de diferentes categorias varia de acordo com o tempo feito de curso.

César, ex-São Caetano e Corinthians, jogou na Itália de 2001 a 2009. Passou por Lazio, Inter de Milão e Bologna, entre outros. Até que decidiu fazer o curso para treinador. Fez apenas o primeiro ano, que permite ser auxiliar técnico de quem se formou, ou comandar times de base. Atualmente César é técnico do time sub-17 da Lazio.

Já Zé Maria passou do terceiro estágio e se formou treinador. Somente ele e Leonardo, ex-técnico de Inter e Milan e hoje cartola do PSG, são os brasileiros que se formaram no curso. O processo completo permite até ser técnico da seleção italiana, por exemplo. O curso tem várias vertentes, como aulas de inglês. Impossível alguém tentar fazer sem falar italiano.

“Estudamos medicina esportiva, psicologia, comunicação, metodologia dos treinamentos, inglês, é uma coisa muito completa. O master tem inglês e questões de gerenciamento. Os jogadores são uma empresa. E o curso é muito profundo”, falou Zé Maria.

“Você faz um curso para ser treinador, mas é na verdade um manager. Você tem que se  organizar, falar e resolver situações. Não é só treinar o time”, endossou César.

No Brasil, existem cursos de sindicatos de federações locais e um recente, oficial da CBF (veja abaixo). Segundo os brasileiros da Itália, o conteúdo oferecido na Velha Bota é mais completo. Isso faz com que os ex-laterais se digam mais preparados para a função do que se tivessem estudado no Brasil. Ressaltam que aqui pouco se aprende sobre a função com o acelerado processo de se sentar ao banco somente com o conhecimento de ex-jogador.

“Pode ser que no Brasil aprenderam com o tempo. Mas quem não faz [um curso como esse da Itália] chega sim menos preparado. É como alguém que estudou primeiro grau e outro que completou o segundo grau. Pode ser que você se perca lá em cima. Tem situações que exigem coisas que só quem está preparado conseguirá resolver. É necessária uma mentalidade de organização, projetos, mais complexa. Aí no Brasil é muito mais limitado”, falou César.

“Muitos saem do campo e vão para o banco sem muita profundidade. Eu joguei 20 anos e depois que fiz o curso pensei 'não entendo nada'. Aconselho que se prepare bem. Lá [na Itália]i é um dos melhores cursos do mundo. Quando fui ver algo parecido para fazer no Brasil, era um curso de fim de semana”, falou Zé Maria.

Fato é que ambos se dizem com mentalidade diferente dos técnicos formados no Brasil. Falam pelo menos três línguas e veem uma formação e jeito de trabalhar muito mais europeu do que brasileiro. Se veem mais completos.

  • Reuters

    César (dir) disputa bola com Thuram no jogo entre Juventus e Lazio em 2003; brasileiro hoje atua nas categorias de base do time de Roma

“Lá no Brasil os treinadores não conversam muito com o jogador que é reserva, pensam algo como 'pra que vou conversar com ele'?.  Isso é uma coisa que não acontece aqui. No meu time, misturo titulares e reservas para quebrar isso. É algo da mentalidade”, disse César.

“O Brasil não tem problema de técnica, mas sim de tática. Falta o jogador ser disciplinado. Todo mundo quer jogar na Europa, mas bate e volta porque não saber a maneira de se jogar lá. Taticamente posso fazer mais do que muitos treinadores do Brasil. Estudei pra isso e cresci pra isso. Sou um treinador italiano. Brasileiro de nascimento, mas italiano de mentalidade”, disse Zé Maria.

O ex-lateral da Portuguesa é ainda mais crítico quando fala da preparação dos técnicos no Brasil. Cita que poucos sabem falar outras línguas e que isso é um problema para deslanchar a carreira fora do país, como fazem profissionais de outros países. Por isso o mercado europeu vê com restrições treinadores brasileiros, pela falta de bagagem cultural.

“É bem por aí. O Mourinho chegou e não falava italiano, mas aprendeu. O Benitez não falava nada e aprendeu. Tem que procurar evoluir também nesse ponto de vista. Isso é falado no curso. O cara chegou e tem que falar na língua do país que está trabalhando, não tem que colocar a sua cultura naquele país. Não posso chegar na Itália e falar só português e dizer que meu time jogar[a só daquela maneira.”

Zé Maria fez estágio em 2010 na Inter de Milão, com José Mourinho, e em 2011 no Chelsea, com Carlo Ancelotti.  Além disso, já atuou como técnico em duas equipes italianas, no Cittá Di Castello (Série D italiana) e no Catanzaro S.P.A. (liga pró 2ª divisão).“Aprendi um outro tipo de preparação, outro tipo de mentalidade. É essa minha proposta. Quero começar com uma escola que o Brasil não tem, de organização tática”, falou.

Apenas com o primeiro ano do curso feito, César diz que pensa primeiro em aprender para depois pegar um time profissional. “Tudo vai ser tranquilo, programado e gradual. Hoje tenho esse plano de fazer tudo com calma, melhorar e crescer. Hoje treino os meninos, mas uso como experiência de relacionamento para só depois dirigir categorias de cima. É degrau por degrau.”

 

COMO SER TREINADOR NO BRASIL

  • Alexandre Auler/Preview.com

    Não existe no Brasil uma regulamentação oficial que determina um curso específico como obrigatório para o exercício da função de treinador de futebol. Em 1993, foi criada a lei nº 8650, que afirma que o exercício da profissão de treinador “ficará assegurada aos portadores de diploma expedido por Escolas de Educação Física ou entidades análogas, reconhecidas na forma da Lei”. Não é obrigatória a formação em educação física, mas é recomendado que todos os profissionais tenham algum curso específico para a carreira de técnico. Os cursos são oferecidos pelos sindicatos ou algumas federações estaduais. A fiscalização de técnicos que atuem sem nenhum curso é feita dentro do próprio estado. O caso mais emblemático foi em 2012, quando o ex-jogador Fernandão assumiu o comando do Internacional, mas teve que fazer um curso profissionalizante após pressão do Conselho Regional de Educação Física do Rio Grande do Sul. Em São Paulo, por exemplo, tem um curso ministrado pelo Sindicato dos Treinadores de Futebol com primeiro módulo com duração de 40 horas. Como maneira de tentar centralizar o processo, a CBF criou, em parceria com a PUC-MG, um curso de qualificação básica para treinadores de futebol. O curso da CBF tem três módulos e necessária formação em educação física para poder se inscrever. Dá disciplinas como gestão de equipes, Legislação esportiva e Medicina esportiva, sendo obrigatório fazer estágio. É necessário pelo menos três anos de curso para quem nunca comandou equipes. Jogadores que foram campeões do mundo pela seleção podem iniciar no nível três, como foi o caso do jogador Belletti. “Esse curso é muito bom e completo. Tem coisas importantes de dentro de campo e também se aprende muita coisa sobre o lado de fora. Quando fiz, tinha gente do mundo todo”, falou o ex-jogador Belletti, campeão com a seleção em 2002.