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Símbolo da reinvenção do futebol inglês, Ferguson será eterna sombra

Fernando Duarte

Do UOL, em Londres

08/05/2013 11h00

Ninguém se engane. A decisão de se aposentar como treinador após o final da temporada inglesa, em 19 de maio, não significa o fim da influência de Alex Ferguson no Manchester United. Na verdade, o anúncio de que, após 27 anos no comando, o escocês se juntará ao Conselho Deliberativo do terceiro clube mais rico do mundo desde já desponta como um problema para um eventual sucessor. Ferguson, de 71 anos e mostrando sinais mais definitivos de cansaço, cedeu as rédeas do United, mas ficará sentado bem perto do próximo cocheiro.

Fica difícil imaginar que Sir Alex vá simplesmente se tornar um agente de diplomacia e relações públicas para o clube, como é o caso do ex-jogador Bobby Charlton, um dos maiores ídolos da história do Manchester. Treinador que durante quase três décadas se acostumou a dar as cartas e que está bem a par da sua significância na história do clube, sobretudo nos anos de reinvenção comercial do futebol inglês, Ferguson será uma sombra para qualquer substituto enquanto estiver em Old Trafford.

É bem capaz, inclusive, de o escocês estar fazendo lobby para o sucessor. Nos últimos dias, vieram à tona rumores de que Ferguson tentou arquitetar a vinda do compatriota e protegido David Moyes para Old Trafford. Moyes há 10 anos está no comando do Everton, o primo pobre do Liverpool, mas apesar da falta de verbas classificou o time para a Liga dos Campeões de 2006 e deverá terminar mais uma vez à frente do rival local na classificação da Premier League.

A vinda de Moyes obedeceria ao modelo criado com a vinda do próprio Ferguson. Em 1986, quando foi contratado pelo United, Ferguson também era visto como uma revelação, ainda que com bem mais impacto. Moyes jamais ganhou um troféu, ao passo que Ferguson criara fama por ter levado o Aberdeen, da Escócia, a ganhar três títulos, incluindo a final da extinta Recopa – por sinal, foi a última vez em que o duopólio de Celtic e Rangers foi interrompido no futebol escocês.

FERGUSON DEIXA COMANDO DO MANCHESTER UNITED

  • A rede de notícias CNN anunciou, na madrugada desta quarta-feira (8), que Sir Alex Ferguson, técnico e diretor do Manchester United nos últimos 27 anos, está deixando o cargo e se aposentando. O último jogo do mais longevo treinador à frente de um time será no dia 19 de maio, contra o West Bromwich, pelo campeonato inglês. Ferguson é o técnico mais vencedor do futebol inglês, acumulando com o Manchester United 13 títulos nacionais, incluindo o da última temporada, dois títulos da Liga dos Campeões e dois títulos do Mundial de Clubes.

Os planos para uma transição, porém, esbarram no próprio sucesso que “Fergie” - como é carinhosamente apelidado pela torcida - ajudou a obter para o United. O escocês deixa um clube globalizado não apenas no alcance da marca, mas no fato de há oito anos pertencer ao magnata americano Malcolm Glazer, cujos planos expansionistas incluíram a oferta de ações do clube na Bolsa de Valores de Nova York.

C. RONALDO AGRADECE

Muito obrigado por tudo, chefe.

Cristiano Ronaldo, que foi treinado por Ferguson no Manchester United

Num momento em que compete por atenções com gigantes como Real Madrid e Barcelona, de quem já está atrás na lista dos clubes mais endinheirados, United precisa do frisson de uma contratação de impacto de, possivelmente, de um comandante capaz de estranhar um pouco menos o salto de expectativas e condições de trabalho.

Entre os nomes famosos, José Mourinho é freqüentemente citado. E o português alimentou a especulação no mês passado ao adotar uma atitude surpreendentemente humilde e respeitosa quando o Real Madrid eliminou o United da Liga dos Campeões em Old Trafford. Pesam contra Mourinho as ligações históricas afetivas com o Chelsea, o clube que mais desafiou a hegemonia do time de Ferguson nos últimos 10 anos.

Qualquer que seja o nome, porém, o currículo de Ferguson será um fardo. Foram 13 títulos ingleses entre 1992 e 2013, além de duas Ligas dos Campeões (1999 e 2008, com o vice em 2009 e 2011). O carisma do treinador o transformou em exemplo de liderança corporativa e a autobiografia de Ferguson virou leitura não apenas para amantes do futebol, mas para executivos.

VEJA AS CONQUISTAS DE FERGUSON NO MANCHESTER

  • Liga dos Campeões: 1999 e 2008

    Mundial de Clubes: 1999 e 2008

    Recopa Europeia: 1991

    Supercopa da Europa: 1991

    Campeonato Inglês: 1993, 1994, 1996, 1997, 1999, 2000, 2001, 2003, 2007, 2008, 2009, 2011, 2013

    Copa da Inglaterra: 1990, 1994, 1996, 1999, 2004

    Copa da Liga Inglesa: 1992, 2006, 2009, 2010

    Supercopa da Inglaterra: 1990, 1993, 1994, 1996, 1997, 2003, 2007, 2008, 2010, 2011

Perfeito ele nunca tentou ser, ou teria esbravejado bem menos à beira do campo - se bem que “Fergie” conseguiu transformar até os acessos de fúria em algo celebrado por jogadores e torcedores, que falam com carinho sobre o que ficou apelidado como “o esporro igual a um secador de cabelo”. Há quem possa apontar para o fato de que nesses 27 anos o United poderia e deveria ter sido campeão europeu, mas vezes diante do peso do clube. Verdade, mas quando assumiu em Old Trafford, Ferguson encontrou um clube de finanças modestas e cujo jejum de títulos se aproximava de duas décadas.

Com exceção do Arsenal, que sob a tutela de Arsene Wenger desafiou o United muito mais na bola que no talão de cheques, foram oligarcas que evitaram um domínio ainda mais absoluto do escocês. Turbinado pelo dinheiro de Roman Abramovich, o Chelsea foi campeão em 2004, 2005 e 2010, ao passo que os petrodólares de Abu Dhabi financiaram o título do Manchester City no ano passado (ainda assim conquistado no último jogo da temporada). Mesmo o triunfo do Blackburn em 1995 teve o peso da fortuna do milionário Jack Walker.

De certa maneira, ter Ferguson por perto poderá não ser de todo o mal. O clube também se prepara para uma transição administrativa com a saída do diretor-executivo David Gill, cujo apoio ao escocês foi fundamental em transações de jogadores nos momentos em que os Glazers ameaçaram adotar uma linha de mais austeridade.

O velho mestre pode ainda servir como elemento tranquilizador para um elenco repleto de jogadores mais jovens e que mais dispostos a estranhar o futuro mais imediato. Ele mesmo viu os efeitos disso em 2001, quando anunciou no início da temporada que deixaria o cargo. Voltou atrás depois de ver o time perder o rumo e fechar a temporada sem um troféu sequer. Ferguson dessa vez não quis criar expectativa. O anúncio veio do nada, por mais que notícias como uma iminente operação no bacia, que o impediria de comandar o time no começo da temporada sugerissem que a longevidade tinha prazo de validade próximo.

Inegável, porém é a sensação vazio que tomou conta do futebol inglês desde a manhã desta quarta-feira. No futebol inglês pós-hooliganismo, de estádios novos e futebol marqueteiro, Ferguson foi uma engrenagem carismática e vitoriosa.

IMPRENSA INGLESA MOSTRA RESPEITO AO TREINADOR

  • O anúncio do treinador Alex Ferguson, 71 anos, de que se aposentará da função ao final da temporada tomou as manchetes dos principais jornais ingleses. A surpreendente decisão, já que Ferguson comanda a equipe do Manchester United há 27 anos, já rende homenagens pela Inglaterra.