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Técnico estrela da Europa deixou o São Paulo após sofrer com ciúmes em 1980

Raymond Goethals, técnico do Olympique de Marselha no título da Liga de 1993 - Reprodução/Uefa.com
Raymond Goethals, técnico do Olympique de Marselha no título da Liga de 1993 Imagem: Reprodução/Uefa.com

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

23/09/2013 06h00

A falta de estrangeiros no comando de equipes no Brasil mostra que não é fácil algum treinador do exterior quebrar paradigmas para ter sucesso no país pentacampeão mundial. As passagens curtas de Daniel Passarella, no Corinthians de 2005, e Jorge Fossatti no Internacional em 2010 são alguns dos exemplos.

E se em um período em que muito se fala de intercâmbio cultural isso já é difícil, há 30 anos isso seria quase uma loucura. Que diga isso o São Paulo, que nem mesmo trazendo uma estrela europeia para fazer um trabalho apenas de observação dentro do clube, viu despertar um sentimento de ciúmes e seu plano fracassar.

Em 1980, o então diretor de futebol, Jaime Franco, decidiu inovar ao tentar trazer um grande nome do Velho Continente para fazer parte do dia a dia do clube. O nome era o de Raymond Goethals, que havia treinado a seleção belga na Copa do Mundo de 1970 e levado o modesto Anderletch, de seu país, a títulos da Copa da Uefa e da Recopa europeia, na década de 70. 

Mais tarde, Goethals seria tricampeão francês na década de 90, com o Olympique de Marselha, e campeão da Liga dos Campeões de 1993 ao vencer o poderoso Milan por 1 a 0, em final disputada em Munique (depois, o time francês acabou punido por subornos e manobras de dirigentes fora de campo). Goethals morreu em 2004, aos 83 anos.

O belga havia deixado o comando do Bordeaux, em 80, até que foi convidado pelo time do Morumbi para trabalhar em São Paulo como uma espécie de conselheiro do futebol A intenção era fazê-lo implementar no clube alguns modelos de gestão da Europa e possivelmente sugerir algo no campo esportivo.

“Ele também queria aprender muita coisa nossa. Era para ser uma troca. Era até um desejo dele de aprender coisas daqui. Queríamos tirar proveito disso. E depois de uma conversa informal, convidamos e aceitamos como uma troca. Eles têm muito isso na Europa. As pessoas lá trabalham muito isso na consultoria”, falou Fernando Casal de Rey, assessor de Jaime Franco e que ajudou a convidar o belga.

Mas Goethals ficou apenas dois meses e não prorrogou sua passagem. Ele sofreu com o ciúmes do então técnico do time, Carlos Alberto Silva, que se sentia ameaçado com a sombra do europeu. Não aceitava o fato de ter um técnico dentro do clube exercendo outra função. O belga passou a ficar cada vez mais distante do futebol profissional. Ficou mais próximo do trabalho da base e futebol amador.

  • Luciano Claudino/Frame

    Carlos Alberto Silva, que naquele ano seria campeão paulista com o São Pauli

Após determinado período, Silva diz ter exigido que apenas um dos dois continuasse no clube. “Queriam que eu trabalhasse com ele, falei ´não, de jeito nenhum´. Eu disse que não trabalharia com ninguém,que era pra que ele fosse para o campo comigo e mostraríamos quem era melhor. Propus chamarem ele pra uma coletiva e mostrar num quadro o que ele sabia. Se ele soubesse mais do que eu, tudo bem. Ele viu que o ambiente ficou muito ruim”, lembrou Carlos Alberto Silva.

“Não foi uma maldade do clube comigo. Eles me tratavam muito bem, mas o São Paulo queria inovar e tinha essa ânsia de fazer essas experiências. Mas era uma situação desagradável. Foi uma amostra da minha personalidade”, lembrou.

Mentor da ideia, Jaime Franco diz que em nenhum momento pensou no europeu como alguém que pudesse roubar a vaga de Carlos Alberto Silva. E lamentou que o técnico tenha ficado receoso na época.

“Eu era o diretor do futebol do São Paulo e decidi trazer um técnico, mas não era para substituir ou fazer sombra ao Carlos Alberto. Esse técnico tinha inovado uma série de coisas e entrei em contato. Ele tinha um período de férias. Minha ideia era unicamente trocar experiências com o treinador, tipo um consultor. Não tinha intenção de trocá-lo. Os treinadores brasileiros têm muita resistência. Eu não faria uma coisa pensando em outra. Era somente para ouvir a escola europeia. Eu nem culpo o Carlos Alberto porque essa era a cabeça do nosso pessoal. Jamais usaria de mentiras.”

O ex-dirigente afirma que o preconceito contra estrangeiros no comando das equipes ainda atrapalha no país. E se disse um pouco frustrado por não ter conseguido tirar tudo o que poderia de um nome como o belga.

“Aqui no Brasil temos essa resistência em todas as modalidades esportivas. Ele ficou alguns apenas meses conosco. Não se tirou dele o que se poderia tirar. Ele entendeu que tinha muita resistência contra ele. Não conseguimos tirar todo proveito. Foi uma experiência que poderia ser melhor. A troca de experiências foi um pouco frustrada.”