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Radialista que treinou o Flamengo diz que psicologia vale mais que tática

Como treinador, Apolinho colocou TV no banco de reserva para analisar time - Folha Imagem
Como treinador, Apolinho colocou TV no banco de reserva para analisar time Imagem: Folha Imagem

Bruno Thadeu

Do UOL, em São Paulo

04/10/2013 06h00

Washington Rodrigues, o Apolinho, jamais imaginou que um dia seria técnico de futebol. Radialista famoso no Rio de Janeiro, ele recebeu telefonema em uma noite de setembro de 1995 com o seguinte convite: comandar seu clube de coração, o Flamengo. Apolinho topou dar uma pausa nas transmissões para tentar apaziguar a guerra interna entre Romário e Edmundo.

Foram pouco menos de 90 dias no comando do Fla (de setembro a dezembro de 95), mas suficientes para Apolinho reforçar a opinião de que técnico precisa ser muito mais um “psicólogo” do que um conhecedor de táticas.

Segundo ele, pouco adianta entender de estratégias de jogo se não tiver habilidade no relacionamento pessoal. Muitas derrotas acontecem por falhas na percepção de problemas internos ao longo da semana, afirma Apolinho.

“Anota aí: o grande segredo de um treinador é gerenciar conflitos. O mais fácil é a estratégia tática, até porque não se vê grandes invenções. A última grande novidade foi há 40 anos com a Holanda [Carrossel Holandês], e que não saiu daquela Copa. Veja o Barcelona. Não existe nenhuma novidade tática, mas sim um conjunto de excelentes jogadores”, afirmou.

O trabalho psicológico com o elenco é muito maior do que se imagina, diz Apolinho. Ele relata que uma notícia ou avaliação negativa na imprensa costuma causar estrago no elenco.

“Vocês não têm ideia quando sai uma nota 3 no jornal. Alguns jogadores ficam arrasados. E aí entra todo um trabalho de recuperação do moral. Não digo que a imprensa está errada, mas muitas vezes não se chega ao público o que levou o atleta a jogar daquela maneira. Às vezes um familiar do atleta está internado”.  

A produção de um jogador está extremamente ligada a fatores extracampo muitas vezes ignorados ou não percebidos por técnicos, ressalta o radialista e ex-treinador.

“Fui favorável a colocar um jornalista por uma semana com o elenco para que ele conhecesse os problemas enfrentados. Isso daria maior conhecimento para avaliação, mas a diretoria não permitiu”, afirmou.

Não se tem visão do campo da lateral. O treinador ainda sofre com o desnivelamento que há entre o campo e a lateral. Se o ponta-esquerda for baixinho, aí que você não vê nada mesmo

Apolinho, justificando uso da TV dentro do banco de reservas durante os jogos

Apolinho defende o uso de “três técnicos” por time. Um seria especialista em identificar possíveis ‘focos negativos’ no elenco e assistiria aos jogos do camarote (para ter outra visão do campo), além de dois auxiliares para cuidar das questões táticas.

“Um treinador seria apenas para observar o comportamento do elenco, fazendo observações necessárias para ajustar o time. Outros dois repassariam informações táticas e técnicas”.

Partidário da tese de que um técnico deve ter habilidade em conduzir crises internas, Apolinho cita Romário e Edmundo como exemplos. Os dois atacantes pararam de se falar dentro do elenco do Flamengo em 1995.

O radialista/treinador conta que precisou usar o lado “paizão” para reaproximar a dupla. Para isso, convidava os jogadores para jantar em sua casa.

“Um dia marquei uma pelada em casa. Convidei o Romário e o Edmundo. Um não sabia que o outro ia. Acabou dando certo, eles voltaram a se falar”, diz Apolinho, que foi padrinho de um dos casamentos do Romário.

“O Romário pegava voo na classe especial, e o Edmundo, não. Mas é que o Romário tinha sido inteligente e botado esses detalhes no contrato. Eu pedi para botarem o Edmundo também na classe especial”, relembra o ex-treinador, que comanda o programa "Show do Apolinho", na rádio Tupi.

Vocês não têm ideia quando sai uma nota 3 no jornal. Alguns jogadores ficam arrasados. E aí entra todo um trabalho de recuperação do moral. Não digo que a imprensa está errada, mas muitas vezes não se chega ao público o que levou o atleta a jogar daquele jeito

Apolinho, que afirma ser um radialista mais ponderado após conhecer o lado de dentro do futebol

O “time dos sonhos” como foi batizado o Flamengo de 1995 tinha Sávio também no ataque. Apolinho justifica dizendo que sofreu com lesões no elenco, não podendo utilizar o trio ofensivo completo: ganhou 11 vezes, empatou 8 e perdeu 7.

Televisão no banco de reservas

Acostumado ao auxílio da TV nas cabines de transmissão, Apolinho solicitou algo incomum quando comandou o Flamengo: a colocação de uma televisão no banco de suplentes para ajudar na análise do jogo.

“Não se tem visão do campo da lateral. O treinador ainda sofre com o desnivelamento que há entre o campo e a lateral. Se o ponta-esquerda for baixinho, aí que você não vê nada mesmo”, justifica.