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Futebol vê dilema psicológico sobre aposentadoria e opõe 'Rivaldos' a Giggs

Giselle Hirata

Do UOL, em São Paulo

05/10/2013 06h00

Para quem dedicou a vida ao futebol, o momento de pendurar as chuteiras pode ser bem complicado. "O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira é quando ele para de jogar", já dizia Paulo Roberto Falcão, ex-jogador, técnico e comentarista esportivo. E essa frase ilustra bem o sentimento da maioria dos jogadores que estão beirando os 40 anos. A palavra "aposentadoria" causa arrepios e é um adversário que, infelizmente, não pode ser driblado. 

Alguns protelam a saída de campo, como o pentacampeão Rivaldo, que pula de time em time e arrisca a reputação de ex-melhor do mundo da Fifa . Hoje, aos 41 anos, ele atua no São Caetano – onde sofreu o primeiro rebaixamento de sua carreira, em abril deste ano. Por outro lado existem os que preferem dar espaço aos mais jovens, como Ryan Giggs, que reduziu sua atuação no Manchester United e tem contratos mais curtos, mas não deixou de ser decisivo para o time. Aos 39 anos, é o jogador com maior número de jogos na Liga dos Campeões (145 partidas) e o mais velho a marcar um gol no torneio.

Cada um escolhe um jeito para administrar o final da carreira, mas o fato é que a aposentadoria não é bem recebida por nenhum jogador e pode ser um processo traumático na vida do atleta que não se prepara para esse momento.

"O futebol é envolvente. Tem a adrenalina, o reconhecimento das pessoas, os aplausos, os autógrafos, as manchetes nos jornais... Ninguém quer abrir mão disso. Tudo o que você conquistou quando estava no auge da carreira some de um dia para o outro. É muito dolorido", conta Falcão. Para ele, a aposentadoria é difícil em todas as profissões, mas é muito pior para um jogador. "É uma carreira curta e, quando você para de jogar, ainda tem toda uma vida pela frente. É diferente de quem para de trabalhar aos 65 anos", diz.

Ter que repensar a carreira, admitir que não é mais o mesmo, lidar com o medo de perder o status e cair no esquecimento da torcida. Este conjunto de fatores faz com que boa parte dos jogadores fuja da aposentadoria como o diabo foge da cruz.

Com 40 anos e muito aquém do goleiro que foi, Rogério Ceni corre o risco de perder a simpatia da torcida por estender sua permanência como o arqueiro titular do time paulista. Ele já deu vários indícios de que iria se aposentar, mas ainda não definiu uma data oficial para pendurar as luvas – embora o seu contrato termine no final desta temporada. 

Outro bom exemplo é Romário, que parou de jogar aos 42 anos. O Baixinho continuou em campo para tentar bater uma meta pessoal: o milésimo gol. Ele até jogou em nível aceitável e chegou a ser artilheiro do Campeonato Brasileiro aos 39 anos. Mas, nos últimos meses de sua carreira, quase não entrou em campo e recebeu duras críticas, que apontavam sua decadência e pediam sua aposentadoria. Em 2008, meio a contragosto, ele se rendeu e anunciou o fim de sua jornada como jogador.

“Para o bem do jogador, é importante que ele saiba o momento certo de parar”, diz Rodrigo Scialfa Falcão, psicólogo do esporte. Segundo ele, a história e a imagem dos atletas são colocadas em xeque quando o fim da carreira é marcado por críticas ao seu rendimento. Mas será que existe hora certa para tirar o time de campo? “É bem pior quando os outros é que deduzem que ele não está mais jogando bem. O melhor é sair de campo quando ainda está no auge e ser lembrado mais pelas boas jogadas do que pela falta delas.”

Ronaldo é um bom exemplo. O Fenômeno, ainda muito aclamado pela torcida do Corinthians, cedeu às limitações do corpo e anunciou sua aposentadoria em 2011, aos 34 anos. Pelo mesmo caminho foi um dos grandes ídolos do Palmeiras. Marcos não aguentou as dores, pendurou as luvas e se despediu dos campos aos 38 anos.

Chegar aos 40 anos pode não ser um grande drama para quem atua em profissões cotidianas, mas para um jogador de futebol é como caminhar para a guilhotinha. E não é para menos. “Nessa idade, o corpo sofre uma perda de massa muscular e tem uma queda na produção de hormônios. Isso faz com que a pessoa perca qualidade física. No caso dos jogadores, significa perder potência e velocidade”, explica Turíbio Leite de Barros, fisiologista do esporte da Unifesp.

“E é o fim do mundo para um craque, que já marcou tantos gols e ganhou vários campeonatos, admitir que já não é mais o mesmo”, ressalta Rodrigo. Mas Turíbio garante que é possível que o jogador continue em campo por mais tempo.  “Alguns jogadores sabem que não têm mais o vigor físico de um garoto de 20 anos, mas utilizam a técnica e a experiência que adquiriram para suprir essa qualidade. É por isso que a gente vê tantos quarentões ainda em campo”, analisa.

"Tem alguns jogadores que continuam jogando porque precisam e há outros que ficam por prazer. Cada um deve saber o seu limite", afirma Falcão.

Mas muito além das limitações físicas, a resistência à aposentadoria também é causada pelo medo de não conseguir se recolocar profissionalmente. “Muitos jogadores ficam perdidos e não conseguem pensar em uma perspectiva de vida e de carreira para além do futebol”, explica Kátia Rubio, psicóloga do esporte e professora da Escola de Educação Física da USP.

Segundo ela, isso acontece porque os profissionais não procuram se preparar para esse final. “Essa profissão começa desde cedo e muitos até abandonaram os estudos para jogar bola. E quando vem a aposentadoria, lá pelos 40 anos, surge aquele receio de repensar a carreira. Eles têm toda uma vida pela frente, mas não conseguem fazer novos planos e desenvolver uma nova identidade. Afinal, o futebol é a vida deles, é o que eles sabem fazer”, comenta.

Com exceção dos que conseguem se tornar empresários ou técnicos, boa parte dos jogadores deixa os campos e precisa procurar uma nova maneira de ganhar a vida. “E isso é muito difícil. Na cabeça de um jogador, ele vai deixar para trás um passado cheio de glória para cair no esquecimento. Ele deixa de ser o ídolo de um time para ser uma pessoa comum”, analisa Rodrigo. E essa mudança brusca de realidade pode trazer alguns traumas na vida dos jogadores. “Se a pessoa não está preparada e deixa de procurar ajuda, a aposentadoria traz um vazio imenso. Aí é comum entrar em depressão e descontar na comida, no álcool...”

Especialistas afirmam que esses danos poderiam ser amenizados se houvesse um investimento em projetos de transição de carreira. O problema é que isso demandaria investimentos por porte dos clubes.

“Isso já realidade na NBA, por exemplo. E clubes grandes de futebol, como o Barcelona e o Milan, também já oferecem esse suporte ao jogador. Acho fundamental que todos tivessem essa preocupação. Muitos vão dizer que é um desperdício de dinheiro, mas é um investimento. Eles são patrimônio do time e precisam desse cuidado”, ressalta Rodrigo.

O mesmo afirma a psicóloga Katia Rubio. “A carreira de um jogador de futebol é curta e ninguém disse para ele quais as dificuldades que ele enfrentaria depois da aposentadoria. E a maioria só procura ajuda depois que está vivendo uma situação difícil na vida. Me corta o coração ver caras brilhantes na miséria, sem nada. E o pior, vivendo uma angustia de ter sido um ídolo e hoje nem ser reconhecido na rua”, completa.

"Eu acho importante que exista um trabalho psicológico, mas isso tem que vir desde as categorias de base. O jogador precisa estar preparado para enfrentar todos os tipos de situações no futebol. São altos e baixos. Você tem que saber administrar sua carreira, o dinheiro, as críticas ao seu trabalho e, consequentemente, a aposentadoria. Não é de um dia para o outro, mas um longo processo de preparação", finaliza Falcão.