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Mozer escancara mágoa e diz que foi "posto pra fora" da seleção de 94

José Ricardo Leite e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

27/03/2014 06h00

Ele poderia ter o invejável currículo de campeão do mundo como titular pela seleção brasileira. Mas não tem e passados 20 anos ainda não se conforma por não fazer parte do grupo do tetracampeonato. “Fui posto pra fora da seleção”. É assim que o ex-zagueiro Mozer resume sua exclusão do time que jogou a Copa dos Estados Unidos.

O ex-defensor de estilo clássico e técnico fez parte do Flamengo campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes em 1981. Jogou no Benfica e Olympique de Marselha e disputou a Copa do Mundo de 1990. No ciclo para o Mundial de 94, foi presença constante nas convocações de Carlos Alberto Parreira e esteve na lista dos 22 convocados para a Copa. Só que teve uma polêmica saída e acabou dando lugar a Aldair depois da apresentação oficial do grupo.

“Fui cortado e até hoje não sei porque não me deram a chance de estar no Mundial. Não entendo o porquê. (Os médicos) falaram que eu não poderia fazer esforço e que corria risco de morrer. A única mágoa é depois de tanta dedicação não ter o orgulho de ter sido campeão do mundo. Foi bastante frustrante, fiquei privado de ser campeão mundial”, falou ao UOL Esporte.

A seleção não quis bancar sua presença no Mundial por ele ter apresentado sinais de alteração nas enzimas do fígado (transaminase), o que caracterizava um quadro de hepatite. Os médicos da equipe brasileira na época, Lídio Toledo (que já morreu) e Mauro Pompeu, fizeram novos exames que, segundo eles concluíram naquele momento, era uma hepatite não virótica, mas tóxica, causada pelo uso excessivo de anti-inflamatórios.

O jogador acabou cortado por entenderem que ele não suportaria a carga de treinamentos com esses problemas. Entre os exames pedidos pelos médicos, houve até um de HIV, que deu negativo. "Foi feito isso, tudo com minha autorização", lembrou Mozer. Foi deixado claro pela comissão médica que ele não teve nenhum problema relacionado ao vírus.


Na época, Mozer alegou que o médico do Benfica lhe receitou uma vitamina que causava as alterações no fígado e dizia que passados mais alguns dias sem o consumo delas poderia haver uma estabilização nas enzimas.

Hoje, ele diz que pediu mais alguns dias para realizar outros exames e reclama que essa oportunidade não lhe foi dada. “Eu tomava um medicamento chamado Sargenor, que aumentava as taxas de enzimas. Tomava para poder me recuperar melhor entre um treino e outro na questão muscular. Tudo seria normalizado depois de um tempo sem tomar. Não me foi dada a chance de fazer novos exames. Pedi mais três dias para a regularização do sangue, mas não esperaram.”

Logo após deixar o Brasil, prometeu voltar com a faixa de campeão português. No mesmo período em que a seleção treinava, jogou por seu time e conquistou o Nacional. Para Mozer, houve má vontade e, sem citar nomes, diz que não o queriam na equipe.

“Ninguém me cortou da seleção. Eu é que percebi que naquele momento eu não era bem-vindo e abandonei a seleção. Ninguém veio falar comigo. Ninguém falou nada, não questionaram.  Percebi que não era bem-vindo e temos que ficar nos lugares em que somos úteis.  No fundo não interessava pra eles que eu ficasse lá”, falou.

“Fui deliberadamente posto pra fora. Mas o que interessa é que continuo bem e a previsão que eles fizeram ainda não aconteceu. Continuou jogando as minhas peladinhas.”

Ele não cita se quando diz não ser bem-vindo se era por parte dos companheiros, mas deixa transparecer que a mágoa é com o então treinador e hoje coordenador da seleção, Carlos Alberto Parreira. Diz que nunca teve a chance de conversar com ele e nem quer. Conversou apenas com Zagallo em encontro após o episódio. "Só eu que falei, ele (Zagallo) não tinha muito o que falar não", declarou. "Quem não me queria no time? Você tem que perguntar para o Parreira."

O zagueiro sempre teve personalidade forte e tinha uma história polêmica anterior na seleção. A imprensa chegou a publicar que ele teria dito a frase “Eu queria mais que o time perdesse, já que não estava jogando” depois da eliminação para a Argentina, em 90, em partida que ficou no banco de reservas. Mozer nega a frase, mas não esconde sua indignação por não ter atuado.

“Obviamente todos nós ficamos chateados quando não jogamos. Principalmente porque não havia um motivo aparente para que eu não retornasse à equipe (começou a Copa como titular e ficou de fora de uma partida por suspensão). Mas quem decide é o treinador e eu tinha que acatar e cumprir ao que a mim foi destinado.” Companheiros de seleção na época também dizem que o fato nunca aconteceu. "Não, nunca houve isso. O Mozer não é cara disso. Já vi ele ficar de fora do time e incentivar o tempo todo. Isso é uma mentira", falou o ex-lateral Jorginho.

Médico nega pedido para novo exame

Um dos dois médicos que trataram o caso Mozer foi Mauro Pompeu, hoje com 81 anos. Ele foi procurado pelo UOL Esporte para tomar conhecimento das declarações do jogador e afirmou que Mozer acatou a decisão na época e não pediu mais tempo e nem a chance de realizar novos exames.

“Não teve nada disso (pedido de tempo a mais para novos exames). Ele tinha um problema de articulação e fazia uso abusivo de anti-inflamatórios, e isso agride fígado e rins. E os exames hepáticos anunciaram que ele tinha alteração. Ele não alegou nada, eu cheguei junto com Zagallo e Lídio Toledo e disse ´existe isso e não dá pra você continuar´. E pedi permissão pra falar isso na televisão. E ele falou ´lógico´.  Sempre me reservei muito e preservei a privacidade da questão ética. Mas ele se automedicava com anti-inflamatórios e isso em excesso agride as células hepáticas.”

Comissão técnica e supervisores da CBF dizem que apenas cumpriram uma ordem médica e que não havia o que fazer a não ser cumprir a determinação. “O grupo gostava dele sim. Agora, a causa médica eu não sei. O Mozer estava nos planos, mas foi cortado por um problema médico. Eu poderia falar sobre a parte técnica, era bom jogador, mas não sobre a parte médica”, falou Zagallo.

O então supervisor da confederação em 1994, Américo Faria, foi na mesma linha. “Os médicos entenderam que ele teria que ter um tempo de descanso em função do problema. Eu, particularmente, me senti muito mal porque eu tinha um carinho especial pelo Mozer", disse. O UOL Esporte não conseguiu contato com Carlos Alberto Parreira.

Jogadores dizem que não havia problema com Mozer

Dois dos principais líderes do elenco de 1994, Jorginho e Ricardo Rocha dizem que Mozer nunca teve problemas de relacionamento com o elenco, nem na Copa de 90, nem nos dias iniciais depois da convocação para o Mundial dos Estados Unidos. Alegam terem ficado tristes com o corte e que não havia o que fazer, a não ser e esperar a definição dos médicos.

“Lamento pelo problema que ele teve, acho que foi no fígado. Foi um dos maiores zagueiros que vi jogar, mas a gente não tinha o que fazer. Acontece, são problemas médicos. Ficamos tristes, claro. Mas o relacionamento dele conosco era excelente, é assim até hoje”, falou Rocha.

"A gente estava sem entender muito bem o motivo do corte. Mas o Mozer era um cara extremamente querido por todo mundo. Era um cara descontraído, brincalhão. Eu fui dar um abraço nele e me despedir depois do corte", falou Jorginho.

Mozer atualmente vive em Lisboa e é comentarista do jornal "A Bola".