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Em crise, futebol italiano vê mil clubes fecharem no país

Patrícia Araújo

Do UOL, em Roma

04/04/2014 06h00

Para muitos jogadores, fechar contrato com um time italiano sempre foi um sonho a ser perseguido, sinônimo de sucesso e fortuna. Mas a realidade atual do futebol na Itália tem se mostrado bem diferente de seu estereótipo consagrado ao longo dos anos. No lugar de contratos atraentes, cresce a fila de atletas desempregados no país. Só nos últimos quatro anos, entre as temporadas de 2010 e 2013, 30 mil jogadores amadores e profissionais perderam suas vagas. Grande parte disso, como conseqüência do fechamento de cerca de mil  clubes das séries B, C, D e das ligas amadoras.

A situação foi revelada esta semana pelo jornal italiano “La Repubblica” com base nos dados da Federação Italiana de Futebol (FIGC). A instituição, que possui mais de 1,3 milhão de associados, realiza anualmente uma análise com as estatísticas do esporte na Itália, o “Report Calcio”. Entre as regiões mais afetadas nos últimos anos estão a Sicília (com a extinção de 63 clubes) e Campania (cerca de 40), ambas no sul do país, e Veneto (30 times a menos), no norte.

“São tantos na minha mesma situação, sem time para jogar este ano e quem sabe até quando?”, conta o goleiro Gioacchino Cavaliere, de 33 anos, que até a temporada passada jogava pelo Salernitana, time da série C2. Cavaliere diz que, embora tenha sido dispensado por fim do contrato e não por fechamento do clube, acaba sofrendo as conseqüências do “desaparecimento” dos times nos últimos anos.

“Tem clube de menos e muita gente no mercado. Além disso, o fechamento de um clube prejudica a carreira do atleta. Isso aconteceu comigo uma vez, no Varese, alguns anos atrás. Eu senti muito a falência do clube porque eu tinha dois anos de um contrato belíssimo. Com o fim do clube, eu perdi a segurança de jogar em um time e me vi completamente sem trabalho. Depois de meses, consegui encontrar outra posição, mas digamos que bem pior daquela que tinha antes.”

Crise econômica

Com dificuldades para conseguir uma recolocação, muitos jogadores – em sua maior parte, com idades que variam de 20 a 30 anos – passaram a procurar trabalho como operário, pedreiro, garçom e outros setores já abarrotados de trabalhadores desempregados na Itália.

“Conheço ex-jogador vendendo muçarela e fazendo os mais variados bicos porque não acha vaga no futebol”, afirma Antonio Trovato, diretor da Equipe Campania, associação criada há quatro anos já como resultado da crise no setor. O objetivo da Equipe é apoiar os jogadores sem time, oferecendo um espaço com suporte apropriado para que eles treinem enquanto buscam uma posição em um novo clube. No primeiro ano da associação, apenas 30 jogadores procuraram apoio. No ano passado, cem atletas sem clube utilizaram a estrutura da associação em Cava di Tirreni, na região de Salerno, e outros cem a sede de Qualiano, em Nápoles.

“Vivemos uma crise em todos os setores e isso faz com que muitos empreendedores em dificuldades deixem de investir no mundo do futebol. É obvio que em uma situação assim, eles devem se preocupar mais com suas empresas do que em investir no esporte”, diz Trovato.

Má administração

Mas para Stefano Sartori, representante da área sindical da Associação Italiana de Jogadores de Futebol , o fechamento de tantos clubes no país nos últimos anos não é consequência apenas da crise econômica.

“Infelizmente, o futebol atraia com frequência pessoas que não são muito sérias, que não têm os meios econômicos para fazer ir avante uma sociedade [esportiva], e usam o clube e o futebol para fazer negócios pessoais. É um mundo onde o dinheiro gira. Por isso, pessoas pouco sérias fazem o papel de presidente de uma sociedade por um ano, dois anos, e depois a sociedade não consegue seguir. Eles fogem e a sociedade fale. Esta é a razão principal [da falência dos clubes], a administração ruim.”

Segundo Sartori, a associação contabilizou, só entre as duas últimas temporadas do campeonato italiano, o desaparecimento de cerca de 70 times. “Estou falando apenas de times profissionais, não contabilizo amadores e escolas. Significa que 1.500 jogadores profissionais ficaram sem contrato.” Destes, de acordo com o sindicalista, cerca de 800 não conseguiram encontrar uma nova vaga em outros times e foram obrigados ou a jogar em nível amador ou a deixar o futebol.

Para ele, a implantação de normas mais rígidas poderia diminuir o problema de falência dos clubes. “A solução seria que as normas para as sociedades fossem mais severas, que esses organismos sejam obrigados a respeitar todos os requisitos econômicos e administrativos da Federação de Futebol. Um exemplo seria ter que antecipar de 600 mil euros a um milhão de euros como garantia de salários.”

Perspectivas sombrias

E as perspectivas para o setor são ainda mais sombrias. No último ano, a situação se complicou para os jogadores da Lega Pro, que engloba as séries C e D (terceira e quarta divisão). Além do fechamento de clubes, eles passaram a enfrentar restrições mais severas de idade e mudanças na configuração do campeonato.

Na série D, para a temporada 2013-2014, cada time passou a ser obrigado a ter em sua escalação pelo menos um jogador nascido em 1993, dois em 1994 e um em 1995, reduzindo assim o número de vagas para jogadores acima de 20 anos. Já na série C, a partir da temporada 2014-2015, o número de times que participarão do campeonato oficial será reduzido, de 69 para 60.

“Seguramente a próxima temporada será ainda mais difícil. Além da crise, temos as mudanças nos campeonatos. Infelizmente, pensamos ainda em alguns anos de dificuldade”, conclui Trovato.