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Ato corintiano contra homofobia é aprovado. Mas como a torcida irá ajudar?

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

13/09/2014 06h00

O Corinthians lançou um manifesto na última sexta pedindo o fim da homofobia da sua torcida, apontando especialmente para o grito de “bicha” antes dos tiros de meta dos rivais. A posição caiu bem e foi elogiada, mas pode esbarrar na sua própria arquibancada.

O documento corintiano foi publicado no fim da manhã da última sexta, com ares de artigo publicitário, exaltando o princípio igualitário de “time do povo” que acompanha o clube. Por trás disso, como mostrou o blog do Rodrigo Mattos, do UOL Esporte, está um temor da direção alvinegra, que imagina virar alvo do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) caso a discriminação volte a acontecer nos próximos jogos.

Mais que o idealismo do combate ao preconceito, portanto, o que move o Corinthians é um desejo de defesa pessoal. Para muitos, isso não invalida a tomada de posição.

“O Corinthians está tentando se precaver principalmente pelo que aconteceu com o Grêmio, mas é positivo. Mesmo que tarde e em causa própria. A questão da homofobia é latente, alarmante. A morte é o final, mas tem a velada, institucional. Essa é uma questão enraizada”, diz Nelson Matias Pereira, sócio-fundador e membro do Conselho da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.

“Não acho que diminui. Todas as nossas motivações são levadas por valores cidadãos, mas também por questões pragmáticas. É importante que o pragmatismo sirva para agir de forma mais efetiva. Uma posição conscientizadora é importante, mas o fato de ter no horizonte o prejuízo do próprio time faz com que se aja de forma mais incisiva”, disse Alessandro Melchior, coordenador de políticas LGBT da Prefeitura de São Paulo.

O Corinthians teme passar pelo que está vivendo o Grêmio, eliminado da Copa do Brasil pelos atos racistas da sua torcida contra o goleiro Aranha, do Santos. Na visão de Melchior, além de incentivar uma mudança de opinião, o clube também pode investir para que o homofóbico entenda que exteriorizar sua opinião não é algo aceitável.

“Uma coisa é aceitar e a outra é expor publicamente. É óbvio que a torcida não vai se sentir convencida pela posição da diretoria, mas precisa entender que agora existe a possibilidade real de o clube ser punido. Esse tipo de pragmatismo é importante”, disse Alessandro.

Um dos desafios agora é fazer esse discurso emplacar nas arquibancadas. Na última sexta, corintianos de várias linhas de pensamento se enfrentaram nas redes sociais a respeito do manifesto. O histórico da torcida alvinegra, porém, repete o de outros rivais e elenca vários episódios de homofobia.

Além do grito nos tiros de meta, ano passado, um jogador do time passou por um caso bem emblemático, Emerson Sheik sofreu com a repercussão de um selinho no chef de restaurante Isaac Azar, postado numa foto do Instagram. Xingado durante os jogos, ele foi cobrado publicamente pelas torcidas organizadas. Uma comitiva da Gaviões da Fiel chegou a ir ao CT e só encerrou o assunto quando o próprio jogador teceu um comentário preconceituoso.

“Lamento se ofendi a torcida do Corinthians, não foi a minha intenção. Foi só uma brincadeira com um grande amigo meu, até porque eu não sou são-paulino”, disse Sheik, segundo uma nota oficial divulgada pela Gaviões.

A cultura da homofobia, especialmente nas organizadas, parece enraizada. Na Gaviões, por exemplo, é terminantemente proibido que os homens usem brinco. O discurso é de que o associado pode ser o que quiser fora do convívio da torcida, mas ali dentro esse “comportamento” não é tolerado.

“Nós não temos essa escolha. Na Camisa 12 a pessoa entra e ninguém pergunta a sexualidade. Porém, somos 26 mil associados e todas as pessoas, graças a Deus, são homens ou mulheres”, disse Marco Antônio “Capão”, um dos diretores da organiza, ao UOL Esporte.

Em maio, o Corinthians foi mergulhado em uma polêmica quando seus torcedores começaram, de forma espontânea e não-organizada, a chamar Rogério Ceni de “bicha” antes dos tiros de meta. A provocação, uma cópia do que é feito tradicionalmente em estádios mexicanos, quase colocou o clube em risco.

Ação frustrada
A Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo denunciou o Corinthians ao TJD-SP, acusando a torcida alvinegra da prática de homofobia. O tribunal ignorou o pedido alegando que não se tratava de homofobia, e sim de “euforia coletiva”.

A Coordenação de Políticas LGBT da cidade, subordinada à Secretaria de Direitos Humanos, tentou agir de outra forma. Segundo Alessandro Melchior, chefe do setor, a Gaviões da Fiel foi procurada para que as partes pudessem discutir ações conjuntas de combate à homofobia.

“Era para pensar no que poderia ser feito em conjunto com a torcida. Poderia ser campanha interna, uma ação externa. Tem muita flexibilidade”, disse ele.

Só que a organizada ignorou o contato, da mesma forma que fez com a reportagem. Antes da publicação da matéria, o UOL Esporte pediu um posicionamento da Gaviões a respeito do manifesto do Corinthians, mas a organizada disse que não poderia atender a requisição. A Camisa 12, por sua vez, disse que não tem opinião formada sobre os gritos de “bicha” antes dos tiros de meta.

“Nosso foco principal é cantar Corinthians. Essa parte do tiro de meta a gente nunca acompanhou muito não, mas não posso falar se somos favoráveis ou contra. É apenas uma brincadeira. Para nós, gritar ou não, tanto faz. Não está ofendendo ninguém. A pessoa que se ofende está querendo arrumar algum chamariz”, disse “Capão”.

A opinião está longe de ser uma verdade estabelecida. Ainda que o goleiro rival seja heterossexual e não se sinta ofendido, o xingamento pode ser questionado.

“A questão é que o ‘viado’ tem de ser menosprezado. Quando eu faço isso, estou tentando reduzir a condução de gay à menor escala. Ser gay e ser ‘bicha’, para uma sociedade heterossexista, machista, é algo menor. Você não fala: ‘Ô hétero do c...’. É alguém que tem de ser agredido”, disse Nelson Pereira, sócio-fundador e membro do Conselho da Parada do Orgulho LGBT.