Topo

Argentino morto na Copa gera protesto no mundo do futebol. O que aconteceu?

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

05/11/2014 06h00

A morte do jornalista argentino Jorge “Topo” López, 38, vítima de um acidente automobilístico em julho, durante a Copa do Mundo de 2014, em Guarulhos, ainda repercute pelo mundo. A também jornalista Verónica Brunati, que era noiva dele, lançou em redes sociais uma campanha com graves acusações e cobranças para que autoridades brasileiras esclareçam detalhes sobre o caso. A pressão também é pela condenação dos responsáveis - dois ocupantes do outro carro foram indiciados por homicídio doloso, mas ainda não foram julgados. O protesto, baseado na hashtag #JusticiaparaTopo, teve adesões de nomes como Diego Maradona, Ángel Di Maria, Diego Simeone e até o atacante Robinho. No entanto, tudo isso é contestado veementemente pela polícia paulista, amparada por documentação e depoimentos.

Topo estava no Brasil para cobrir o Mundial. O jornalista tinha credencial da rádio “La Red”, mas também colaborava com os jornais “Sport” e “AS”. Na manhã do dia 9 de julho, quando voltava ao hotel após ter acompanhado em Itaquera um treino para o jogo entre Holanda e Argentina, ele foi a única vítima fatal de um acidente automobilístico que ocorreu entre as ruas Tiradentes e Barão de Mauá, em Guarulhos. O táxi que transportava o profissional foi abalroado por um Nissan Versa roubado, que estava sendo perseguidos por policiais e ultrapassou um semáforo vermelho.

“A única coisa que eu lembro é que estava levando o jornalista para o hotel. Estávamos chegando, e eu só tinha de fazer um retorno para deixá-lo. Vi um carro vindo em alta velocidade, sem sirene, e não pude fazer nada. Só senti o carro rodopiar e bater num poste”, relatou Juraci Rebouças da Silva, motorista do táxi.

O táxi foi atingido no lado do passageiro, e Topo estava sentado no banco traseiro, atrás do motorista. Segundo o relatório da perícia, ao qual o UOL Esporte teve acesso, o jornalista foi arremessado para fora do veículo e passou entre as ferragens. Ele teve um corte profundo na cabeça

As versões do caso

Aí começam as versões contraditórias. “As autoridades brasileiras falsificaram a certidão de óbito de Topo López. Mentiram na causa da morte, na data e no lugar”, acusou Fermín de la Calle, que foi companheiro do jornalista no diário “AS” e que atualmente trabalha no portal “Yahoo”. “O atestado diz que ele morreu no dia 8 de julho, às 21h30, em um acidente numa avenida. Ele morreu no dia 9, na madrugada, no centro de Guarulhos, ao ser atingido por um carro guiado por três delinquentes que escapavam da polícia”, completou.

O UOL Esporte também teve acesso ao Boletim de Ocorrência do caso, e o texto fala claramente sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente. “No cruzamento com a Avenida Tiradentes o condutor do veículo roubado roletou o semáforo [passou no vermelho], momento em que colidiu com um veículo marca Fiat, modelo Idea, de cor branca. […] Do acidente […] restou a morte imediata do passageiro que estava no táxi, a saber, o jornalista argentino Jorge Luiz López”, diz o relatório.

O Nissan Versa era propriedade de Katia Aparecida da Silva Oshiro, assaltada a mão armada às 21h20 do dia 8 de julho, na Penha, bairro da zona leste de São Paulo. Dois homens a abordaram quando ela estava nas imediações de casa e levaram o veículo com tudo que havia dentro.

No depoimento, Katia contou à Polícia Civil que os dois homens desceram de um Volkswagen Gol prata, veículo que eles abandonaram na rua da mulher. O carro era da empresa de Renato Cazelli, que também havia sido assaltado por dois homens quando saía de casa. “Meu veículo foi achado na rua em que foi roubado o dela”, confirmou Cazelli. Ele reconheceu Marcelo Cavalcanti da Silva, 23, e Rodrigo Consentino da Fonseca, 19, dois dos três ocupantes do Nissan Versa que bateu no táxi de Topo.

Katia também reconheceu Marcelo, o que levou a polícia à teoria de que eles roubaram o primeiro carro, abandonaram e pegaram o segundo veículo. Depois de a polícia ter sido notificada sobre o assalto e identificado o Nissan Versa, eles fugiram e acabaram acertando o táxi. O outro ocupante do carro era o menor A. M. D. F., que confessou à polícia envolvimento no roubo do segundo veículo.

O UOL Esporte tentou contato com as famílias dos três ocupantes do Nissan Versa e com os advogados de defesa, mas não teve sucesso. Julio Carrano da Fonseca Júnior, pai de Rodrigo, foi localizado e concedeu entrevista. Contudo, mostrou desconhecimento sobre o caso: “Eu vou fazer 80 anos neste mês e nunca tive problema nenhum na vida. Cansei de dar conselhos a ele e achei melhor me afastar. Desisti”.

O relatório da perícia sobre a morte de Topo diz que o acidente ocorreu no dia 9 de julho. O Boletim de Ocorrência é datado de 8 de julho, mas a Polícia Civil diz que é um procedimento padrão, já que o primeiro crime relatado no documento é o roubo do Nissan Versa.

Jornalista argentino Jorge "Topo" López, que morreu durante a Copa de 2014 - Reprodução / Twitter - Reprodução / Twitter
Imagem: Reprodução / Twitter

Imagem: Verónica e Topo entrevistam o argentino Lionel Messi

Presos e ainda não julgados

Marcelo e Rodrigo foram indiciados por homicídio doloso (com intenção de matar), lesão corporal com dolo eventual e corrupção de menores. O processo foi encaminhado à 4ª Vara Criminal de Guarulhos, e os dois, presos em flagrante. Há uma audiência do caso marcada para o dia 18 de novembro – a 1ª Vara da Infância e do Adolescente não fornece dados sobre o menor A. M. D. F., e a mãe se recusou a dizer se ele está em liberdade.

Essa é outra situação que tem causado protesto. A despeito de estarem detidos, Marcelo e Rodrigo ainda não foram condenados pela morte do jornalista. Isso tem fortalecidos os pedidos por “justiça” no caso.

Verónica tem sido uma das maiores entusiastas da campanha, mas muita gente participou. Jogadores como o argentino Ángel Di María, o espanhol Carles Puyol e o brasileiro Robinho publicaram fotos em redes sociais com a hashtag #JusticiaparaTopo. Segundo o diário “Olé”, o volante Javier Mascherano representou o elenco para falar com Verónica antes da decisão da Copa. Lionel Messi chorou ao saber da notícia, e até os ex-jogadores Diego Maradona e Diego Simeone participaram da campanha.

Simeone, aliás, foi um personagem importante na história. O argentino tinha relação de amizade com Topo e enviou mensagem de condolências a Verónica na rede social Twitter. Foi assim que ela, seis horas depois da morte, ficou sabendo sobre o caso.

Além da cobrança por justiça e das acusações sobre irregularidades no processo, argentinos lamentam a dificuldade para ter acesso aos documentos relacionados à morte de Topo. O Boletim de Ocorrência, por exemplo, só pode ser visto ao vivo. Segundo a Polícia Civil, a única pessoa oriunda da Argentina que veio ao Brasil em busca de informações sobre o caso foi um representante da seguradora do jornalista, que saiu daqui com uma cópia do relatório.

No domingo, Estudiantes e River Plate devem entrar em campo na Argentina com faixas da campanha #JusticiaparaTopo.

A outra vítima – taxista fica sem carro e sofre para pagar contas

O motorista do táxi que levava Topo, Juraci Rebouças da Silva, também ainda sofre consequências daquele acidente. O seguro do Fiat Idea que ele conduzia havia terminado três dias antes, e por isso ele não conseguiu recuperar o carro.

“Perdi tudo”, resumiu Juraci. “Foi um descuido, algo que eu jamais imaginei que aconteceria. A seguradora da dona do outro carro disse que não vai cobrir meu prejuízo porque o carro foi roubado, e eu fiquei de mãos atadas. Consultei alguns advogados, mas eles querem dinheiro, e eu não tenho como pagar”, explicou.

O Idea 2010 era parte de uma mudança de vida de Juraci. Ele deixou um emprego de oito anos em um restaurante e comprou o carro em 2013: “É financiado. O pessoal tem ligado aqui e perguntado, mas como eu vou pagar?”.

No acidente, Juraci fraturou um osso da escápula. O taxista ficou três meses em recuperação – ele também teve crises emocionais nos dias que se seguiram ao episódio. “Não tive nenhuma ajuda. Não tive acompanhamento do meu tratamento, que eu fiz em Guarulhos num hospital público. Fiquei jogado numa sala, no meio de um monte de gente”, contou.

Casado, Juraci tem dois filhos (o mais velho tem 11 anos, e a mais nova tem dois anos e meio). Depois do acidente, a mulher dele teve de arrumar um emprego como costureira – ela havia deixado de trabalhar quando o marido comprou o táxi.

Ainda assim, a família não tem conseguido bancar todas as despesas. “Comida e essas coisas não faltaram. Amigos e parentes estão ajudando, e eu até recebi uma cesta agora. Mas as contas, só com familiares pagando”, disse o taxista.

Juraci diz que não foi procurado por ninguém da Argentina sobre o acidente. Nesta semana, quando tomou conhecimento sobre a campanha feita por Verónica, o taxista quis entrar em contato.

“Fui tão vítima quanto ele. Não queria que eles pensassem que foi descuido da minha parte. Foi um crime, e não um acidente comum”, encerrou o taxista.