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Você confundiria o Atlético Sorocaba com a seleção? Os norte-coreanos, sim

Placar do estádio indicava jogo da Coreia do Norte contra o Brasil Imagem: Reprodução

José Ricardo Leite e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

05/11/2014 06h00

Poucas pessoas sabem a fundo o que acontece na Coreia do Norte, um dos países mais fechados do planeta, comandado pelo ditador Kim Jong-un. Mas a República Democrática Popular da Coreia (nome oficial) tem um time amigo no interior de São Paulo. Há cinco anos, o Atlético Sorocaba realizou um amistoso com intenções sociais no país, mas que acabou supostamente sendo usado como “farsa” pelo governo local ao divulgar que ali estava em campo uma equipe que representava a seleção brasileira.

O Atlético Sorocaba, time que disputa a Série A2 do Campeonato Paulista, foi fundado em 1991 e nove anos depois acabou adquirido pela Igreja da Reunificação do Reverendo Moon.  Sun Myung Moon, que morreu em 2012, nasceu na Coreia do Norte e depois se mudou para a vizinha e rival Coreia do Sul, onde fundou igrejas e virou um magnata de sucesso ao comandar empresas de construção, alimentação e meios de comunicação. Desde que assumiu a parceria com o time de Sorocaba, o clube passou a ter ligação com a Coreia do Norte por meio de intercâmbios diversos.

“Nós somos amigos. O Atlético de Sorocaba é um time amigo da Coreia do Norte. O patrono nasceu lá e o coração dele era criar ações para esse país dividido. Queria o futebol em prol da paz e coisas voltadas para esse objetivo, um futebol sem armas”, falou Waldir Cipriani, atual vice-presidente do clube. “Ele falou ´vamos criar um projeto para usar o futebol do Brasil como símbolo da paz, inclusive na minha terra natal'. Hoje temos boas relações com a embaixada (da Coreia do Norte) em Brasília e (brasileira) na Coreia do Norte. Mas eles ainda são inseguros em se abrir.”

O primeiro passo das ações entre amigos foi um amistoso entre a seleção norte-coreana e o Atlético no dia 5 de novembro de 2009, em Pyongyang. Até aquela data, apenas duas seleções estrangeiras (Líbano e Guam) haviam pisado no país para amistosos. A Coreia do Norte usava o jogo como preparação para a Copa do Mundo de 2010, competição na qual já estava classificada, mas até aquele momento não havia sido realizado o sorteio de grupos. Mais tarde, a Coreia do Norte foi designada para o jogar no grupo da seleção brasileira (vitória do Brasil por 2 a 1 em sua estreia na Copa).

Mas o amistoso contra o Atlético Sorocaba foi supostamente propagado dentro do país como uma partida contra a seleção brasileira pentacampeã mundial de futebol, e não apenas um clube do país. Um indicativo é que placar eletrônico do estádio de Pyongyang mostrava as iniciais BRA, de Brasil. Segundo os brasileiros, cerca de 80 mil pessoas foram assistir ao jogo em que pensavam ver ali o time de Dunga.

“O placar eletrônico estava escrito Brasil, e as cores do Atlético Sorocaba são vermelha e amarela. Como a Coreia do Norte jogou de vermelho, nós atuamos de amarelo, e os caras acharam que éramos a seleção brasileira. O estádio tinha 80 mil pessoas e mais 30 mil para o lado de fora. O imperador obrigou as pessoas a irem pro jogo, e quando ele fala eles têm que ir. O estádio estava inteiro abarrotado”, lembrou Edu Marangon, técnico do time na época.

“Como eles nunca tinham recebido um time brasileiro, pra eles era a seleção brasileira que estava ali. O governo mandava os caras irem assistir ao jogo, acabamos representando o Brasil mesmo”, endossou Leandro da Silva, lateral do time na época e hoje no Figueirense.

A intenção de transmitir ao povo local que o jogo seria contra a seleção brasileira não foi compactuada  pelo clube paulista, diz o dirigente que comandava o elenco de Sorocaba. “Na verdade, o que foi passado pra nós é que o time deles queria ter um gostinho de atuar contra um time da América do Sul, como preparação para a Copa. Eles não sabiam como era o futebol sul-americano. Isso (suposta enganação ao povo) foi coisa exclusivamente deles, ninguém nos consultou. Ficamos até surpresos”, explicou Waldir Cipriani.

Aquele amistoso acabou em empate sem gols. Depois, o Atlético Sorocaba ainda fez mais duas visitas à Coreia do Norte, em outros dois amistosos, em 2010 e 2011, ambos com derrota de 1 a 0. O clube do interior paulista também recebeu o time feminino e sub-20 dos asiáticos em seu trabalho de cooperação.

Apreensão de eletrônicos e vigia

O elenco brasileiro sofreu uma patrulha desde o instante em que pisou no território norte-coreano. A delegação lembra que logo quando chegou ao aeroporto da capital do país, todos os equipamentos eletrônicos foram apreendidos. A sensação foi de medo e de falta de privacidade 24 horas por dia

“Tudo foi apreendido, até os passaportes. Estávamos sob a chancela do embaixador do Brasil na época. Não tinha como fazer uso de telefone, internet, nada”, disse o dirigente Waldir. “Eles tiraram tudo, celular, notebook, tudo que pudesse dar acesso à internet. Também máquina fotográfica”, falou Leandro da Silva.

“Eles apreenderam tudo, ficou tudo no aeroporto. E no hotel ficavam três pessoas vigiando tudo o que nós fazíamos, um homem e duas mulheres. Não podíamos tirar fotografia, nada. Eu fiquei amedrontado, mas depois de dois ou três dias você percebe que não vai acontecer nada”, falou Edu Marangon.

O treinador diz que jamais sairá de sua cabeça as imagens do país, principalmente da pobreza e falta de estrutura, como falta de energia elétrica na parte da noite. “É surreal, indescritível. Pra você ter uma ideia, eu saí pra fumar na porta do hotel e uma criança olhou pra mim. Aí a mãe virou a cara do moleque, porque eles não podem nem olhar para ocidental, eles têm medo de nós”, afirmou.

“É uma coisa descomunal, um lugar assustador. A grande verdade é essa. No segundo dia eu pedi pra Deus me deixar ver o mar de novo, porque não sabia se eu iria embora dali. Às 21h apaga a luz da cidade, fica um breu. Só hotel e estátuas ficam iluminadas. É um lugar bastante assustador, é um povo que precisa de ajuda”, prosseguiu.

O dirigente que fez parte da viagem ressaltou que, apesar da patrulha, a delegação foi bem tratada durante todo o tempo em que esteve no país.

“A gente estava preparado para  tudo isso. Auxiliamos, facilitamos e compreendemos todos os procedimentos. Nós fomos muito bem recebidos por eles e também pelos brasileiros da embaixada. Eu mesmo saí pelas ruas e perambulei pela cidade vestido com as cores do Atlético Sorocaba. Conversei um pouco com crianças, jovens e idosos e não tive nenhum problema”, explicou Cipriani.

Com a morte do reverendo Moon, em 2012, aos poucos a dependência financeira dos recursos do asiático foi caindo. Hoje o time de Sorocaba tem como legado um moderno centro de treinamentos, com alojamento, mas aos poucos deseja se abrir para novas parcerias. “Sempre procuramos economizar para montar uma estrutura. Estamos buscando parceiros pra um futebol responsável. Procuramos recursos aqui no Brasil”, disse o dirigente.

Imagem: Arquivo pessoal

Imagem: Reprodução

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