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Mano ensaia adeus com crítica. Para ele, Corinthians já foi mais humilde

Dassler Marques

Do UOL, em São Paulo

05/12/2014 06h00

Por mais que a palavra equilíbrio tenha ficado marcada para o antecessor Tite, não há treinador que simbolize melhor essa palavra que Mano Menezes. Dentro do possível, claro.

A dois dias de uma saída que já parece definida há tempos, o comandante do Corinthians atendeu o UOL Esporte para uma entrevista exclusiva. Em 40 minutos de conversa, Mano mostrou que não consegue ser 100% equilibrado como gostaria, por suas origens alemãs. Se nos momentos de crise elevou o tom contra alguns jornalistas, hoje ele fala com leveza e atende a todos com atenção e bom humor.

Ainda que chegue perto do equilíbrio que deseja ter, ele é ser humano. Não só por admitir que, intimamente, chora por resultados, mas em apontar que as disputas entre o atual presidente Mário Gobbi e o antecessor Andrés Sanchez tornaram tudo mais difícil para o Corinthians - e para ele - em 2014. Em cada frase de Mano, com perspicácia, é possível imaginar a quem ele quer se referir.

É justamente por esse contexto que Mano Menezes deve anunciar a saída do Corinthians depois do jogo contra o Criciúma, sábado às 16h30 (de Brasília), no Itaquerão. Além de analisar uma série de itens da temporada que marcou seu retorno ao clube, ele admite: todos mudaram em relação ao ciclo 2008-10, quando ele era quase unanimidade. Para Mano, hoje em dia falta mais humildade.

Leia a entrevista exclusiva:

UOL Esporte: Recentemente, você disse que o vestiário do Corinthians te deixava orgulhoso. Para quem saiu do Flamengo e disse que não era entendido pelo elenco, isso é confortante?

Mano Menezes: Vou esclarecer pela centésima primeira vez que não disse que os jogadores do Flamengo não me entendiam. Eu disse que não conseguia passar aos jogadores a forma como gostaria que a filosofia de trabalho fosse. Não só jogo e questões táticas, mas filosofia como um todo. Como se trabalha, como se dedica, como se comportar no dia a dia. Aquilo me levava a crer que aquele trabalho não teria a sequência que eu gostaria que tivesse.

UOL Esporte: No Corinthians isso ocorreu.
Mano:
A questão no Corinthians é elogiável em relação à atitude dos jogadores. É de domínio público como foi abordada a questão de treinadores, a política do clube, preferências dos candidatos. Isso interfere no dia a dia e na cabeça de cada um. Cada jogador pensa de um jeito. Existem aqueles que são mais titulares, aqueles que são mais reservas. A dedicação de todos eles têm sido brilhante.

UOL Esporte: A cobrança tem sido sempre direcionada a você. Após a eliminação na Copa do Brasil, os torcedores disseram que iriam até a porta da sua casa. Isso te magoa?
Mano:
Conheço o futebol já há bastante tempo para saber como as coisas são conduzidas. Desde o início do ano, as coisas estão sendo muito conduzidas para o presidente e, consequentemente, ao treinador que ele escolheu para a temporada. Conheço bem a casa, sei como as coisas funcionam, é quase a minha quarta temporada aqui. Sei como se direcionam as coisas quando quer levar para um lado ou para o outro. O momento do Corinthians hoje é assim. Quando aceitei convite para esse ano, sabia que seria difícil.

UOL Esporte: O futebol que o Corinthians joga também te deixa com a sensação de dever cumprido?
Mano:
É difícil convencer as pessoas no Brasil que futebol tem estágios, que reformulação requer o mínimo de compreensão. (...) Eu outro dia citei uma entrevista do Van Gaal sobre isso. O Manchester United investiu R$ 300 milhões. E ele disse que precisa de um ano para fazer a equipe voltar a se tornar capaz de grandes conquistas. Parafraseando também o Bielsa e reproduzindo uma frase do seu livro. "O possível fizemos, o impossível estávamos fazendo, mas para os milagres temos que esperar mais um tempo".

UOL Esporte: Muitas pessoas aqui dizem que antigamente você era mais aberto. Para ser honesto, também tenho essa impressão. Você mudou de 2008 para cá?
Mano: Todos somos diferentes de 2008, sem dúvida nenhuma. O clube mudou muito. Cheguei em 2008 e o Corinthians era terra arrasada, tinha caído para a segunda divisão. As pessoas eram mais humildes, e foi o melhor momento para se iniciar um trabalho e sedimentar as ideias. Hoje o Corinthians, entre aspas, é mais entendido.

Pensa que sabe quase tudo porque ganhou Brasileiro, Libertadores, Mundial e todos se adornam do título. Cada um se sente mais importante pela parcela que fez. Agindo assim são menos humildes, não aceitam novas ideias, porque aquelas foram certas. Transformar isso é mais difícil e requer outra postura de quem chega. Se não enfrentar isso de forma mais veemente, vai ficar no mesmo lugar, vai haver estagnação e o Corinthians vai demorar muito mais a ser Corinthians vencedor.

Observei isso aqui e em outros clubes cujo enredo foi muito parecido, e alguns deles não voltaram a vencer até hoje. E conquistaram o Mundial há muito mais tempo. A gente estuda, observa, aprende, não tira as ideias do nada.

UOL Esporte: Você mudou depois da seleção brasileira?
Mano:
É óbvio que uma passagem dessas mexe com o profissional, com a pessoa. Mas a única coisa mesmo que me incomoda nesse percurso todo é a falta de respeito, desonestidade, deslealdade com coisas que, na minha opinião, não se mexem. Mas também acontecem em outros lugares, não só na seleção brasileira.

UOL Esporte: Aliás, você perderia por 7 a 1 para a Alemanha?
Mano:
Eu não acho que se o Felipão jogasse de novo com a Alemanha perderia de 7 a 1. Não é uma questão do técnico individualmente, é uma questão de trabalho. O que poderia ser diferente nessa trajetória é que o trabalho feito de dois anos e meio foi jogado no lixo. Ali estava muito do aprendizado que a gente tinha tido enfrentando as grandes seleções do mundo. (...) A gente havia aprendido diversos fundamentos técnicos e táticos para enfrenta-las depois. Tudo isso foi colocado fora na interrupção do trabalho. Vêm pessoas com ideias de quantos anos atrás, quando havia se enfrentado? É diferente e você acaba pagando um preço por isso.

UOL Esporte: O Felipão jogou o seu trabalho no lixo?
Mano:
Cada técnico tem a sua equipe, sua maneira de enxergar futebol. Todas são boas. Todas podem ser ruins quando se perde. Na verdade o que o Felipão não teve oportunidade de fazer foi exercitar mais vezes suas ideias, como tivemos em dois anos e meio. Ele teve oportunidade de amistosos, porque o período era curto, e foi para a Copa das Confederações.

UOL Esporte: De volta então para o Corinthians. O melhor futebol do Guerrero no Corinthians chegou quando ele saiu da área. Nessa função ele faria mais gols que agora?
Mano: Ele poderia estar fazendo gols, mas a equipe seria muito mais responsável na criação das jogadas para ele simplesmente ser o jogador terminal. O jogador enfiado no meio dos zagueiros precisa mais da sua equipe. No novo posicionamento, que a gente chegou observando o jogador, conversando com ele, encontrando espaço na equipe, ele participa mais do jogo. Está mais de frente para o gol, recebe mais a bola em condição de partir para cima do último defensor, e isso enriqueceu mais o que ele poderia fazer como jogador.

UOL Esporte: O Petros é um volante com funções de meia ou um meia com funções de volante?
Mano:
Se fossemos estabelecer uma escala de 4 jogadores no meio, de 1 a 4, ele seria o terceiro jogador. Petros faz enlace com o quarto jogador de meio, que é Renato Augusto. Ele tem uma capacidade física que dá a ele muita retomada de bola, muita recomposição de espaço e possibilidade de chegar na frente, porque consegue ser completo a isso. Talvez, e vai ser necessário que aconteça, ele vai evoluir para terminar bem a jogada. Clube grande precisa disso. Ele vai ser questionado como meia e vai ter que ser recuado para a função de volante.

UOL Esporte: O time perde em criatividade com ele?
Mano: Pensávamos em Lodeiro assim. Ele é mais meia que Petros, é canhoto, poderia preencher bem aquele espaço com uma diagonal de fundo pela esquerda. Petros não consegue fazer pela esquerda, traz a jogada para dentro, mas futebol tem seus caprichos. Lodeiro não fez bons jogos no primeiro momento, teve que esperar, e você não vai testar porque todos jogos valem muito na reta final. Mas talvez, na próxima temporada, com a evolução dos jogadores, quem sabe se pode testar Petros de volante e Lodeiro mais na frente.

UOL Esporte: O Malcom é mesmo um garoto que você abraçou e apostou? É verdade que você recusou o Wellington Nem para não tirar o espaço dele?
Mano:
Eu diria que a gente teve cuidado no início da temporada. É quase um crime pegar jogador de 16 para 17 anos para jogar com jogadores de 28, 30 anos. Fisicamente é muito perigoso, pode se chegar a conclusões erradas sobre a capacidade do jogador. (...) O Corinthians tem um histórico muito fraco de aproveitamento da base nos últimos anos. O último titular foi Júlio César, e fazem três ou quatro anos. Antes foi Dentinho, comigo, em 2008. Agora volta a ter um jogador como Malcom, que abre essa perspectiva.

UOL Esporte: As diferenças entre Mário Gobbi e Andrés Sanchez dificultaram seu trabalho?
Mano:
(risos) A gente conseguiu separar isso bem no nosso ambiente de trabalho. Acho que a comprovação disso é a maneira como terminamos o ano. Sempre houve no Corinthians. Mudam os nomes, mas você vai ver o sistema de disputa hoje dentro dos clubes. (...) Se houvesse entendimento maior, poderíamos ter feito um ano com investimentos maiores e isso daria mais resultados a curto prazo, porque o Corinthians tem uma base muito boa.

UOL Esporte: O que faria você ficar no Corinthians?
Mano:
(pensa bastante). Olha, é... (e pensa mais um pouco). É uma questão difícil de ser abordada, porque ela tomou rumos que fazem com que a gente se poupe bastante em termos de posicionamento. Procurei ser assim. Enquanto não anunciar, pelo menos a minha decisão em relação a tudo isso, depois do jogo contra o Criciúma, vou me conduzir assim até lá.

UOL Esporte: A reformulação que foi feita em fevereiro desse ano deveria ter ocorrido antes?
Mano:
É sempre muito difícil dizer o que deveria ser feito quando você não estava aqui. Mas, se considerarmos o momento, talvez no ano passado a transição seria mais tranquila. A tolerância do torcedor no ano seguinte a um título é maior. Talvez poderia ter sido iniciado um pouco antes para a gente não chegar na metade do primeiro semestre, como a gente fez. Mas respeito as opiniões contrárias. Quando ganha, você crê que pode continuar ganhando. Isso cabe mais ao clube que ao treinador.

UOL Esporte: Você e o Tite trabalham a equipe de uma forma parecida ou diferente?
Mano:
De 2009 para frente, o Corinthians foi parecido em disposição. O Corinthians vem repetindo algumas coisas. Vem repetindo a melhor defesa. Isso vem de um sistema, é sinal que o clube se preocupou com isso por bastante tempo. Tem a ver com a característica do clube, que não pode oscilar tanto, senão vira uma tragédia.

UOL Esporte: Se você presidisse a CBF teria contratado o Tite ou o Dunga?
Mano:
Eu nunca vou ser presidente da CBF (risos). E essa decisão nunca vou precisar tomar. É difícil escolher um técnico para a seleção brasileira. É a maior seleção, a mais vista, sob a qual recaem responsabilidades. Pode ter certeza que eles (dirigentes) querem fazer a melhor escolha possível. O errado às vezes dá certo, o futebol é subjetivo.

UOL Esporte: Por fim, uma pergunta um pouco mais íntima. Temos a imagem de que você é um cara muito frio. Um cara durão. Você costuma chorar? Mesmo que intimamente, sozinho?
Mano:
Sou exatamente como são todos os seres humanos. Não sou durão. As pessoas têm ideia que eu seja assim. No dia a dia sou pessoa de relacionamento tranquilo. Não sou autoritário, trabalho em equipe, muito mais que as pessoas pensam. Já chorei depois do jogo, chorei depois sozinho, já me emocionei com meus jogadores. São momentos que são tão fortes que fazem você perder esse controle que a gente quer ter sobre nós mesmos. Não tenho preocupação em esconder isso.