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Leão defendeu 5 pênaltis e o juiz mandou voltar todos. Veja a reação dele

Leão defende pênalti cobrado por Enéas no Pacaembu - Reprodução
Leão defende pênalti cobrado por Enéas no Pacaembu Imagem: Reprodução

Vagner Magalhães e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

05/03/2015 06h00

Em outubro de 1974, Palmeiras e Portuguesa se enfrentam no Pacaembu. O árbitro Dulcídio Wanderley Boschilia marca pênalti para a Lusa. Enéas bate, Leão defende, e Dulcídio manda voltar a cobrança. Leão se adiantou. O goleiro palmeirense se irrita, chuta o ar, mas não se dirige ao árbitro. Leão sabia que que Dulcídio não era fácil e que ele poderia se dar mal.

Nova cobrança e Leão defende de novo. Sob a mesma justificativa, o juiz manda Enéas bater pela terceira vez. Mais uma vez Leão sai reclamando, dá um bico na bola, fala sozinho. Enéas, na terceira tentativa, marca: 1 a 0 para a Portuguesa. Dois minutos depois, sem titubear, Dulcídio anota pênalti para o Palmeiras e o jogo termina empatado por 1 a 1. Ao fim da partida, segundo relatos da época, o árbitro é escolhido pelas rádios o melhor em campo.
 
 
 
"Quando mandei o Enéas cobrar pela terceira vez, fiquei apavorado, o que não poderia acontecer comigo. Nunca ninguém teve peito de fazer aquilo. Acho que eu, no fundo, tive sorte por duas coisas. Primeira: não houve a necessidade de expulsar ninguém. Segunda, a Portuguesa, logo em seguida cometeu um pênalti e eu marquei imediatamente, sem hesitar. O negócio podia ter ficado pior. Na terceira cobrança, o Leão voltou a se adiantar. Se defendesse, eu metia um cartão amarelo na cara dele, ameaçava de expulsão e determinava nova cobrança. Se a bola fosse fora, agiria do mesmo jeito. É a lei", afirmou Dulcídio, em entrevista à revista Placar, três semanas depois da partida.
 
Onze meses mais tarde, Leão acredita estar vivendo um pesadelo. O Palmeiras vencia o Corinthians por 1 a 0 no Morumbi e Dulcídio marca pênalti contra o time do Parque Antártica. Ruço bate uma, duas, três vezes. Leão defende todas. Impassível, Dulcídio aponta para a marca do pênalti e indica que ele terá de ser cobrado pela quarta vez. Leão se adiantara em todas as cobranças. O volante é trocado pelo zagueiro Cláudio, que, enfim, marca para o Corinthians: novo empate por 1 a 1.
 
No jogo contra a Portuguesa, Leão ameaçou ficar de costas para o batedor, em protesto. "O Dulcídio disse: 'eu vou te expulsar se você fizer isso (risos)'. Eu respondi: 'mas é obrigado a ficar de frente?'", relembra Leão. "Mas o Dulcídio tinha razão. Hoje, que é tão rigoroso, já deixam o goleiro se mexer lateralmente, e você vê em Copa do Mundo o cara se adiantando e o juiz não manda voltar. Isso é instinto natural do goleiro".
 
Leão lembra que os goleiros mais velhos eram mais manhosos. "Eles usavam mais a experiência pra isso. Começa conversando, traz o juiz pro seu lado, perturba o outro jogador que vai bater, só que agora eles podem se movimentar eu não sei se isso ajuda ou atrapalha”.
 
Apesar da "perseguição", Leão se lembra com carinho do árbitro. "Ele era boa gente boa pra caramba, mas era temperamental. Agora, uma coisa muito importante é que ele era honesto. Por isso a gente aturava ele um pouco. Mas volto a falar. Tudo o que ele fez, ele tinha razão", afirma Leão.
 
O antigo goleiro do Palmeiras lembra que já nos anos 80, no final da carreira de Dulcídio, viveu outro episódio curioso com ele. "Eu fui jogar no Corinthians e ele me expulsou no intervalo de um jogo contra o Taubaté. Ele mandou um recado para o vestiário que eu estava expulso. Ele me xingou, me ameaçou, e eu fui no representante e mandei ele escrever na súmula o que ele tinha dito para mim. Um monte de ofensa. Se eu não posso xingá-lo, por que ele podia xingar?".
 
"Na confusão, a diretoria do Corinthians falou que se eu não voltasse, o time também não voltaria. Aí ele deixou eu voltar", recorda.
 
Depois disso, Dulcídio foi chamado ao Tribunal da Federação Paulista de Futebol. "Só que, claro, estava tudo acertado. Também fui lá. Ele estava na porta e eu disse. "Oi Dulcídio, tudo bem?" E ele: "Tudo bem". Entrei, falei, comprovei que ele tinha me xingado e saí. Falei tchau pro Dulcídio. Aí absolveram ele por falta de provas. É foda (...) Mas se fossem todos iguais a ele, seria ótimo. Ele não tinha nada de político, era verdadeiro". Boschilia morreu aos 60 anos, em 1998, vítima de um câncer raro.