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CPI contrata empresa fantasma para fazer auditoria de corrupção na Copa

O deputado estadual Oscar Bezerra (PSB/MT), presidente da CPI das Obras da Copa em Cuiabá, avalizou a contratação da empresa de fachada - Divulgação
O deputado estadual Oscar Bezerra (PSB/MT), presidente da CPI das Obras da Copa em Cuiabá, avalizou a contratação da empresa de fachada Imagem: Divulgação

Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

09/06/2015 17h19Atualizada em 09/06/2015 21h32

Classificação e Jogos

A Assembleia Legislativa de Mato Grosso contratou uma empresa de fachada para realizar uma auditoria nas obras realizadas em Cuiabá para a Copa do Mundo de 2014. A contratação foi encomendada pelo deputado Oscar Bezerra (PSB), presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instaurada na Casa para apurar os indícios de corrupção nas empreitadas.

Na tarde desta terça-feira, o MP-MT (Ministério Público de Mato Grosso) protocolou ao presidente da Assembleia, deputado Guilherme Maluf (PSDB), para que este declarasse nulo o contrato assinado com a empresa auditora de fachada, chamada CLS Consultoria e Assessoria Ltda, em um intervalo de 24 horas, sob o risco de uma ação judicial por improbidade administrativa, que não está descartada nem mesmo com a anulação do contrato. O deputado Maluf, após ter autorizado o início das atividades, já acatou a notificação do MP. Já o presidente da CPI disse que esta parece ser uma manobra para atrapalhar os trabalhos da comissão (veja mais abaixo).

Orçadas inicialmente em R$ 11 bilhões, as obras planejadas para a Copa do Mundo em Cuiabá estouraram em muito o orçamento e o cronograma, além de apresentarem irregularidades e suspeitas de corrupção. Apenas em uma delas, de um sistema de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), há suspeita de desvios na ordem de R$ 100 milhões.  

A CLS Consultoria assinou um contrato de R$ 973 mil com a Assembleia Legislativa, mesmo depois que a própria procuradoria geral da Casa publicou parecer contrário à contratação. A empresa foi aberta no dia 16 de janeiro de 2012, e suas instalações resumem-se a uma sala comercial em uma casa na rua 12 de Outubro, número 273 (sala C). No mesmo imóvel, que pode ser visto na imagem abaixo, funcionam, teoricamente, mais oito empresas, todas de consultoria ou contabilidade, mas nenhuma placa ou sinalização está presente na fachada. Na Prefeitura Municipal de Cuiabá, consta uma dívida de IPTU de mais de R$ 20 mil vinculada à matrícula do imóvel.

Sede da empresa contratada pela Assembleia: sem qualquer placa e dividindo o imóvel com outras oito empresas - UOL - UOL
Sede da empresa contratada pela Assembleia: sem qualquer placa e dividindo o imóvel com outras oito empresas
Imagem: UOL

 

Sem capital, sem empregados e sem registro

Conforme informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais, prestada pela empresa anualmente ao Ministério do Trabalho), a CLS declara que jamais esteve em atividade desde a data de sua abertura, em janeiro de 2012.

As guias de recolhimento da empresa até fevereiro de 2015 informam o código 115 (ausência de fato gerador –sem movimento). Em outras palavras, a empresa não estava em atividade antes de sua contratação pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso. A Rais evidencia que a empresa jamais teve um funcionário registrado desde a data de sua abertura.

Além disso, em que pese a CLS ter sido contratada para a prestação de serviços na área de engenharia, a empresa não possui registro no Crea/MT (Conselho Regional de Engenharia), o que a inabilita a realizar quaisquer serviços na área de engenharia, serviços estes efetivamente previstos no Termo de Referência da Dispensa de Licitação n.º 03/2015, que balizou a contratação da auditoria.

Isso quer dizer que, na data da contratação, a CLS, se existisse, seria inapta tecnicamente para a prestação de serviços na área de engenharia. O presidente da CPI, deputado Oscar Bezerra, foi informado sobre tal fato, mas nada fez a respeito. A ausência de registro da empresa no Crea/MT já foi objeto de questionamento à Assembleia Legislativa pela entidade, por meio do Ofício n.º 124/Presidência, de 26 de maio de 2015. Nesse documento, o presidente do Crea/MT destaca que a CLS não possui registro e que seu objeto social não guarda qualquer relação com as atividades ligadas à engenharia. 

As fragilidades da empresa fantasma não param por aí. A análise do balanço patrimonial da CLS evidencia que seu capital social é de apenas R$ 15 mil, correspondente a 1,5% do valor global da contratação.

Nas contratações públicas, realizadas com amparo na Lei n.º 8.666/93 (Lei de Licitações), exige-se que a empresa possua capital social ou patrimônio líquido mínimo de 10% em relação ao valor global estimado da contratação. Empresas que não satisfaçam tais exigências, em geral, são consideradas inaptas, sob o ponto de vista econômico-financeiro, para serem declaradas habilitadas nas contratações públicas.

A análise do balanço patrimonial da empresa ainda evidencia outras situações que demonstram a fragilidade econômico-financeira da empresa. Não há registros de direitos a receber (clientes). Não há nenhum valor registrado no imobilizado da empresa, bens móveis ou disponibilidades financeiras em bancos. O único valor registrado no ativo está em uma conta Caixa Econômica Federal, no valor de R$ 15.868,80. O balanço patrimonial da empresa se assemelha mais a um balanço de abertura do que propriamente a uma empresa que esteja em plena atividade.

No passivo, constam registros em exigibilidades com impostos e contribuições a recolher (R$ 868,80), Obrigações Trabalhistas e Sociais (R$ 224,44) e outras obrigações (R$ 644,36). Embora a empresa registre em seu passivo exigibilidade relativa à obrigação trabalhista, a CLS não possui nenhum funcionário com carteira assinada, situação esta caracterizada desde a data de sua abertura.

A Demonstração de Resultado de Exercício da empresa informa que a CLS teve uma receita por venda de serviços no ano de 2014 de R$ 52.850,29. Essa receita pode ser considerada irrisória frente ao valor global da contratação, de R$ 973.347,74, correspondente a apenas 5% desse valor.

Na prática, a CLS foi contratada para executar em 130 dias um contrato que possui valor global 18 vezes maior do que o total supostamente faturado pela empresa nos 365 dias do ano de 2014. 

Escolha arbitrária

A CLS foi contratada em regime emergencial, com dispensa de licitação, mas isso não quer dizer que o órgão público contratante possa escolher a empresa que quiser para realizar o trabalho. Além de verificar os trabalhos anteriores da empresa contratada e se a ordem de grandeza de seu capital é compatível ao trabalho contratado (o que, como se nota, não foi feito), o órgão público é obrigado a realizar uma pesquisa de mercado para balizar o valor de contrato. Isso não foi feito.

A própria Procuradoria Geral da Assembleia apontou para este fato, mas o presidente da CPI, Oscar Bezerra, deu de ombros ao parecer jurídico produzido pelos especialistas contratados pela Casa. Um trecho deste documento desaprovando a contratação pode ser visto abaixo:

 

Documento da Assembleia Legislativa de MT sobre contratação de auditoria pela CPI da Copa - ALMT - ALMT
Imagem: ALMT

Todos esses problemas foram passados ao presidente da CPI, deputado Bezerra, no dia 5 de maio deste ano. O parlamentar assim respondeu, no dia 11 de maio, aos técnicos do legislativo mato-grossense: "A CLS atende plenamente os requisitos de habilitação, e conforme documentos apresentados pela referida empresa, pudemos denotar que a empresa possui condições específicas, necessárias e suficientes para o desempenho dos serviços sob a égide desta Comissão Parlamentar de Inquérito."

Deputado satisfeito com empresa - ALMT - ALMT
O documento é assinado por Oscar Bezerra (PSB), que assume toda a responsabilidade caso a contratação seja considerada irregular
Imagem: ALMT

Nesta terça-feira, o parlamentar falou à imprensa sobre a iniciativa do Ministério Público de querer anular o contrato com a empresa fantasma. Para o deputado, tudo não passa de perseguição para obstruir os trabalhos da CPI: "Preciso entender se a intenção é paralisar a CPI. Se essa for a intenção, tem que ter coragem de convocar a mídia e dizer. Eu acredito que possa ter um boicote nisso tudo".

Ao UOL Esporte, o Ministério Público de Mato Grosso afirmou que está investigando a contratação, considerada "muito suspeita", e que tomará as medidas jurídicas cabíveis nas próximas semanas.


Atualização

Após a publicação desta reportagem, o deputado Oscar Bezerra e a presidência da Assembleia Legislativa de Mato Grosso enviaram notas ofciais ao UOL Esporte. A seguir, a nota do presidente da CPI da Copa:

"O deputado estadual Oscar Bezerra (PSB) esclarece que não é responsável por contratação na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, sendo que todos os atos administrativos desta Casa de Leis são de responsabilidade da Mesa Diretora.

Além disto, o parlamentar salienta que desde o início da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Obras da Copa do Mundo, no dia 31 de março de 2015, que tem cobrado duramente que o Parlamento Estadual revestisse de legalidade todo o trabalho, principalmente, no que tange à equipe técnica.

Nesta terça-feira (09/06), uma nova reunião ocorreu com o presidente desta Casa, deputado Guilherme Maluf (PSDB), o vice-presidente deputado Eduardo Botelho (PSB), os membros da CPI, deputado Oscar Bezerra, deputado Mauro Savi (PR), deputado Dilmar Dal’Bosco (DEM) e deputado Silvano Amaral (PMDB) e toda a equipe técnica.

Na ocasião, o presidente da CPI, Oscar Bezerra cobrou novamente que o processo seja revestido de legalidade, à fim de não prejudicar o andamento da investigação.
O presidente da Casa, Guilherme Maluf garantiu que junto com o Ministério Público e Tribunal de Contas, seria encontrada a melhor alternativa para garantir a continuidade dos trabalhos e a preservação de toda a investigação realizada até o momento."

Em que pese a afirmação do deputado de que nada tem a ver com a contratação da empresa de auditoria, fato é que Bezerra respondeu, no dia 11 de maio deste ano, a parecer da procuradoria da Assembleia que apontava os problemas na contratação. Ele respondeu com a nota publicada acima na reportagem, afirmando estar certo da total idoneidade e legalidade da contratação e da empresa, escudando a conveniência de se realizar o negócio jurídico.

Na manhã desta terça-feira, o mesmo parlamentar deu declarações à imprensa criticando a anulação do contrato. Além disso, conforme o UOL Esporte apurou, Bezerra teve uma ríspida conversa na manhã desta terça com o presidente da Assembleia, deputado Guilherme Maluf, acusando-o de "querer derrubá-lo" por ter anulado a contratação.  

Leia, agora, a nota enviada pela presidência da Assembleia Legislativa de Mato Grosso:

"A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa esclarece que decidiu anular nesta terça-feira (9) o processo de contratação direta da empresa CLS Consultoria e Assessoria, por recomendação da Procuradoria Geral da Casa de Leis.

De acordo com o parecer jurídico, a CLS Consultoria não preenche os requisitos de qualificação técnica, pois não atua na área de engenharia, critério essencial para a prestação de assessoria técnica à Comissão Parlamentar de Inquérito das Obras da Copa.

A decisão foi publicada no Diário Oficial que circulou hoje, mas com data retroativa a 3 de junho, e tem como base o parecer jurídico nº 216/2015 da Procuradoria.

A Mesa Diretora informa também que o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito das Obras da Copa, deputado estadual Oscar Bezerra (PSB), não participou em nenhum momento do processo de contratação da referida empresa.

A Mesa Diretora reitera total apoio às investigações que estão sendo realizadas pela CPI das Obras da Copa, bem como referenda sua independência e seriedade."

De fato, foi publicada nesta terça-feira a anulação do contrato em questão. Também é fato que o Ministério Público já havia informado aos deputados que, diante das irregularidades encontradas, não restava com outra alternativa a não ser solicitar a anulação do contrato, e que enviaria tal solicitação nesta terça. Foi só de posse desta informação, e não quando recebeu o parecer técnico contrário da procuradoria, que a presidência da Assembleia publicou a anulação do contrato.