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Site coage técnicos a pagar mensalidade para ter cobertura favorável

O técnico e dono do Guaratinguetá, João Telê, utilizando camiseta contra site esportivo - Arquivo pessoal
O técnico e dono do Guaratinguetá, João Telê, utilizando camiseta contra site esportivo Imagem: Arquivo pessoal

Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

25/06/2015 06h00

João Telê, treinador e proprietário do Guaratinguetá Futebol Ltda., é um homem com uma cruzada. Ela teve início no dia 21 de março deste ano, quando o técnico, no gramado do estádio Jorge Ismael de Biasi, em Novo Horizonte, vestiu uma camiseta branca com os dizeres: “Eu estou sendo extorquido pelo ‘Futebol Interior.’”

Em síntese, o que o empresário e treinador afirma é que o site “Futebol Interior”, especificamente na pessoa do advogado e jornalista Artur Eugênio Mathias, diretor-executivo do veículo, cobra dinheiro de técnicos, dirigentes e jogadores de clubes do interior de São Paulo para publicar reportagens favoráveis a eles, a quem Eugênio chama de “parceiros”.

Já os que não pagam, diz Telê, passam a sofrer perseguição por meio de reportagens críticas, mentiras e ofensas pessoais, além de pressão sobre dirigentes por demissões ou transferências de clubes.

Em entrevista ao UOL Esporte concedida na última segunda-feira (22), Artur Eugênio negou toda e qualquer afirmação de que ele cobraria de quem quer que fosse para produzir notícias positivas ou propagandas travestidas de jornalismo. Negou com mais veemência ainda que pratique extorsão, ameaçando e perseguindo aqueles que não se interessam pela “parceria” com o site.

Ao longo dos últimos sete dias, porém, a reportagem do portal conversou com mais de uma dezena de personalidades do mundo do futebol de São Paulo, e a maioria delas confirmou (algumas sob a condição do anonimato) a existência de um esquema de extorsão no futebol do interior paulista, operado por Eugênio e seu site há, pelo menos, 13 anos. O modus operandi é basicamente o mesmo narrado por João Telê: a oferta de uma “parceria comercial” para que o site produza reportagens positivas sobre o “parceiro”. Os que recusam, viram alvo de perseguição.


Histórias que se repetem

No dia 21 de março deste ano, em Novo Horizonte, além de vestir uma, João Telê levou ao gramado 200 camisas denunciando a extorsão que diz sofrer, e as distribuiu para torcedores da equipe adversária, o Novorizontino, que jogava em casa.

Desde então, tem sido assim. Se tem jogo do Guará, tem João Telê vestindo a camisa com sua denúncia, “sempre só quando está faltando cinco minutos para o fim da partida, porque não quero atrapalhar o desempenho do meu time, meu protesto não tem nada a ver com o jogo”. Ele avisa: “Não vou parar. Vou levar minhas denúncias, baseadas em provas, ao Ministério Público, à CPI da CBF e do Futebol, ao Ministério das Comunicações e ao senador Romário (PSB/RJ).”

João Telê conta que ele e o seu time, o Guará, no final do ano passado, passaram a ser perseguidos por ter deixado de pagar a quantia de R$ 1.500 por mês para que o site de Eugênio mantivesse a boa vontade para com seu trabalho.

As fontes ouvidas pelo UOL Esporte, atletas, técnicos, dirigentes e jornalistas, narram fatos ocorridos de 2002 até hoje que guardam muita semelhança à história do técnico do Guaratinguetá. Eugênio nega todos eles.

Um dos mais recentes envolveu o ex-gerente de futebol do Guarani, de Campinas, Lucas Andrino Chirico. Ele deixou o cargo no dia 2 de junho. Em coletiva de imprensa em que informava a sua saída, emocionado, afirmou:

“Tem pessoas que tentam se servir do Guarani. Eu não vim para me servir do Guarani, vim para servir o Guarani. Essas pessoas, esses abutres, que odeiam o Guarani, e se diz cronista de alto gabarito. O dia que o Guarani tirar esse abutre de perto com certeza vai navegar em águas mais calmas.”

Andrino falou assim mesmo, como está escrito. Começou falando genericamente em “pessoas” e “abutres”. Terminou especificando, com “esse abutre”, (que) “se diz cronista”.

Ao 5º Distrito Policial de Campinas, especificou ainda mais. Deu entrada com uma queixa-crime por ameaça e extorsão, dizendo que vinha sendo atacado por Artur Eugênio e pelo site “Futebol Interior” porque se recusava a escalar este ou aquele jogador, e também porque não havia assinado um “pacote de promoção e divulgação” no site Futebol Interior.

Andrino entregou à polícia a gravação de dois telefonemas efetuados por Artur Eugênio ao então cartola do Guarani. No arquivo de áudio, o diretor do site futebolístico desfere uma série de palavrões contra Landrino, e ordena que ele deixe não só o Guarani, mas a cidade de Campinas.

As ligações teriam sido o último ato de uma perseguição que teria tido início no final do ano passado, após o término da Série A2 do Campeonato Paulista, em que o Guarani não conseguira acesso à divisão principal no Estado. Ouça o que disse Eugênio:

Na última segunda, o UOL Esporte questionou Artur Eugênio sobre as gravações. Ele confirmou a autenticidade do material. Disse, porém, que suas ligações para o dirigente do Guarani foram feitas “enquanto torcedor do Guarani”, que estava revoltado - “assim como toda a torcida” - com a incapacidade do time de obter o acesso à série principal do futebol estadual.

Para sustentar o que diz, que suas críticas e ofensas nada têm a ver com o site “Futebol Interior”, ele enviou à reportagem o vídeo que segue abaixo, que deixaria claro que ele que estava fazendo “um pedido pessoal”, como o torcedor do Guarani Artur Eugênio, para que o cartola deixasse o cargo. O diretor do site afirmou ainda que, até hoje em dia, se encontrar Landrino na rua, vai lhe “dar umas bolachas”. Já no site “Futebol Interior”, no dia 2 de junho, data em que Landrino anunciou sua saída do clube campineiro, este foi o título da reportagem sobre o assunto: “Guarani ‘aperta descarga’ e demite superintendente de futebol Lucas Andrino”. 

Meses antes deste incidente, entre abril e março do ano passado, o então presidente do Guaratinguetá, Pedro Panzelli, afirma ter recebido o convite para se tornar “parceiro” do site Futebol Interior. À época, aceitou a proposta, mas acabou por atrasar os pagamentos, o que fez com que o site, de acordo com Panzelli, passasse a publicar reportagens desabonadoras sobre a equipe e o dirigente. “Era assim. Se você pagava, eles falavam bem. Se não pagava, falavam mal”, resume.

Para provar o que diz, Panzelli enviou ao UOL Esporte a troca de e-mails que segue abaixo. Segundo ele, trata-se de cobrança por parte de um funcionário do “Futebol Interior” de mensalidades supostamente atrasadas do “acordo de parceria” firmado entre o clube e o site. Panzelli aproveita para pedir que, uma vez realizados os pagamentos, as reportagens passem a ter um viés mais positivo para sua equipe. O UOL Esporte retirou o nome do funcionário do site.

Mensagem 1. Data: 28/4/2014

Pedro

Tudo bem amigo, queria ver com você se recebeu o boleto do mês de março e abril pois parece que o valor que haviamos combinado esta em aberto.

Abraço
xxxx


Mensagem 2. Data: 30/4/2014

Ola Xxxxx,

Vou verificar, pois nao chegou nada em minhas maos. Somente relembrando a cobranca seria a partir de Abril, conforme combinado anteriormente. Vou ver e te dou um retorno ate 2a. Voce mandou por email ou boleto bancario?

Outra coisa, pede pro pessoal maneirar em relacao ao Guara, voces bombardearam bastante...rsrs..

Abracos

Pedro


Mensagem 3. Data: 30/4/2014

Ok Pedro ja dei uma dura na redação e fica tranquilo e quanto ao pagamento deu um pau em nosso sistema, mas na segunda-feira a gente ve isso.

Abraço
Xxxx


Pedro Panzelli afirma ter anexado essas e outras mensagens em uma ação judicial que move contra o site e seu diretor executivo desde que decidiu parar de pagar pela “parceria”, no final do ano passado. Em um desses e-mails, ao qual a reportagem também teve acesso, o funcionário do “Futebol Interior” informa os dados bancários do site e o valor pendente a ser depositado pelo clube: R$ 3.000.

Já Artur Eugênio disse ao UOL Esporte na última segunda-feira desconhecer estas ou quaisquer outras mensagens relacionadas a cobranças de mensalidades envolvendo o site que dirige e times ou funcionários de clube de futebol.


Zetti, Roque Júnior e processos na Justiça

Alguns atletas de renome nacional estão entre os que denunciam o sistema de cobrança de atletas supostamente montado por Artur Eugênio.

O ex-zagueiro Roque Júnior é um deles. O atleta montou, em 2005, o clube Primeira Camisa, no município de São José dos Campos. A ideia, contida no próprio nome da agremiação, era dar a primeira oportunidade em um clube profissional a jovens dispostos a fazer carreira no mundo da bola.

Em 2007, o time atingiu seu ponto alto, quando chegou às quartas de final da Copa São Paulo. Nesta época, Roque Júnior foi procurado por funcionários do “Futebol Interior”, conforme explica o assessor de imprensa do ex-zagueiro, Acaz Fellegger, que também trabalha para o técnico Luiz Felipe Scolari, entre outras personalidades do futebol.

O assessor de imprensa narra como foi o contato: “Queriam fechar um pacote com ele, promocional, para o Primeira Camisa”, explica. “Eu disse que o Primeira Camisa já possuía uma equipe de comunicação, que poderíamos enviar material informativo para eles, e a redação do site poderia utilizar como quisesse, mas que não pagaríamos nada por conta disso, como não pagamos a site ou veículo nenhum.

Depois de nossas recusas, começaram a surgir matérias negativas contra o clube, que passou a ser chamado pelo site exclusivamente de PC São José. O nome Primeira Camisa, que trazia um conceito, a oportunidade em um início de carreira, passou a ser ignorado. Além disso, o viés das matérias do site passou a ser quase sempre negativo”.

Ao UOL Esporte, Acaz Felleger disse ainda que o mesmo ocorreu com outro de seus clientes, o técnico Wagner Mancini. O episódio teria se dado em 2005, quando o treinador comandava o Paulista de Jundiaí. A história é a mesma: tentativa, por parte do “Futebol Interior”, de cobrar uma mensalidade, seguida de recusa por parte do treinador, e perseguição do site esportivo.

Em 2009, quando se acumularam denúncias deste tipo, a Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo) abriu uma sindicância para investigar a conduta de Eugênio e seu site.

O problema foi que, no momento em que os denunciantes foram convidados a oficializar suas acusações, muitos tiveram medo de fazê-lo, seja porque temiam que a perseguição do site contra eles aumentasse, seja porque estavam preocupados com sua integridade física.

UOL Esporte encontrou dificuldade semelhante durante a produção desta reportagem. Alguns técnicos, jogadores e ex-jogadores só confirmaram as denúncias sob a condição do anonimato, dizendo que Artur Eugênio é pessoa perigosa, lembrando o fato de ele já ter sido preso e condenado em virtude de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) que investigava o tráfico de drogas em Campinas.

De qualquer forma, em 2009, um dos poucos atletas que falaram abertamente na sindicância foi o ex-goleiro Zetti, que relatou ter sido achacado por Artur Eugênio enquanto treinava o Ituano (2008). Já na última sexta-feira (19), em conversa com a reportagem, o ex-goleiro e ex-treinador, que agora é comentarista esportivo na Rádio Estadão, preferiu não comentar o assunto: “Ah, não quero entrar em nenhuma confusão, nenhuma polêmica. O que eu tinha a dizer eu já disse na sindicância, não vou comentar nada mais sobre isso”, disse.

Além das denúncias de extorsão, Artur Eugênio e seu site também colecionam processos judiciais por danos morais. São mais de 20, somando os que estão em nome do site esportivo com os que têm Artur Eugênio como réu.

Em um deles, que foi julgado em última instância no início deste ano, o site foi condenado a pagar cerca de R$ 100 mil (os juros a se cobrar, que são calculados no processo de execução da sentença, ainda não estão concluídos) ao ex-jogador de futebol Mauricinho. É que o site publicou, em 2003, quando o atleta estava jogando no futebol maranhense, após ter passado pelo Guarani de Campinas, uma reportagem que dizia que Mauricinho “era uma ‘espécie’ de ‘Robinho dos anos 90’, mas problemas com drogas fizeram a carreira do jogador sucumbir”.

Como site esportivo não tinha qualquer prova a respeito do que publicava, o atleta entrou na Justiça no mesmo ano, e só agora o processo chega ao fim, depois de Eugênio ter perdido em primeira e segunda instância, além do recurso especial que interpôs no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Para Miguel Ferrazoni, advogado de Mauricinho, no entanto, nada há para se comemorar. “Inicialmente, pedimos uma indenização de R$ 1,5 milhão, e foi este o valor concedido na decisão de primeira instância. A carreira do Mauricinho acabou por causa dessa matéria falsa. Foi demitido do clube, chegou a ficar em depressão. Saiu barato para o ‘Futebol Interior’”, afirma o causídico.