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Eu fui! Evento histórico, 7 a 1 vira relíquia para quem foi ao Mineirão

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

07/07/2015 06h00

“Vou contar para os meus netos”. Das 58.141 pessoas que estiveram no Mineirão há um ano, quantos não repetiram a mesma frase? Para além do vexame futebolístico, o 7 a 1 é um evento histórico, e como tal é tratado.

A expressão “Eu fui” foi um golpe de marketing do Rock in Rio, que vendeu montanhas de camisetas eternizando a presença das pessoas no festival. Ninguém sai na rua ostentando lembranças do 7 a 1, é verdade, mas quem esteve lá não esquece do que viveu e tem carinho pelo que guardou.

“Meu pai estava comigo e quis ir embora. Eu o convenci a ficar. A gente é parte da história. É impossível isso acontecer de novo. O Brasil, dentro de casa, tomando goleada da Alemanha. Foi absurdo mesmo. O que passou pela minha cabeça foi isso aí. Primeiro calculei que tem tantos minutos para virar o jogo. Depois foi acreditar no evento histórico”, disse Daniel Sarquis, engenheiro civil.

“Guardo os copos e os ingressos. A partir das quartas faziam copo especial para os jogos. Não quero passar para frente de forma alguma. É a lembrança de uma época. Não sei se vou viver outra Copa”, disse Cris Alkmin, jornalista.

Não se trata do objeto em si. Guardar o ingresso, o copo ou qualquer outra coisa que remeta ao 7 a 1 mantém viva a experiência. É tão importante que vira um presente.

“Eu fui para o Brasil de férias e fiquei na casa do Enrico, que eu conheci há alguns anos aqui na Alemanha. Fui em um único jogo da Copa, justamente o 7 a 1. As lembranças mais importantes estão no meu coração. Eu dei os ingressos ao Enrico como um agradecimento por ter me deixado ficar lá e proporcionar esses momentos”, diz Steffen Rosenbach, que trabalha com seguros e teve o privilégio de ver a sua seleção natal fazer o estrago que fez em pleno Mineirão.

Não pense em valor histórico. Quem entende do assunto diz que dinheiro não tem tanto peso nessa relação. O peso sentimental é bem maior. Daniela Alfonsi, diretora de conteúdo do Museu do Futebol, explica que a Copa do Mundo é tão impactante que é comum que as pessoas relacionem eventos da sua vida aos grandes jogos.

“Isso tem a ver com a força que tem a Copa no Brasil. Essa ideia do valor é muito relacionada ao valor que as pessoas dão ao objeto. Não interessa muito o fato em si, interessa o que você lembra do jogo, a sua relação com aquilo”, disse Daniela.

Veja abaixo o que contam (e o que guardam) as pessoas que foram ao 7 a 1:

Steffen Rosenbach, alemão, corretor de seguros:
“Eu lembro que 80% do estádio era de brasileiros. Eu sentei perto dos familiares e das namoradas dos jogadores da Alemanha. Os brasileiros estavam chocados, eu via as pessoas chorando. Depois do segundo ou terceiro gol, eu já estava recebendo parabéns. Todo mundo estava me dizendo que a gente tinha de bater a Argentina.

Eu vim no meu mês de férias. Conheci o Enrico quando ele foi estudar um ano na Alemanha, seis ou sete anos atrás. Eu pedi para ficar na casa dele e tive sorte de conseguir um ingresso com um amigo que trabalha na federação alemã. Por sorte foi em Belo Horizonte, onde o Enrico mora, e justamente essa semifinal. Foi o único jogo que eu vi. Quando eu cheguei em casa, naquele dia, vi que tinham umas 50 pessoas no meu Facebook dizendo o quanto eu era sortudo de ter visto o maior jogo da história da Alemanha"

Felipe Campbell, publicitário
“Eu para 13 jogos da Copa. Tinha ido a 12 jogos em 2010. Tinha passagem comprada para a final, ia tentar arrumar ingresso. Foi tão arrasador que devolvi a passagem. É uma questão de postura, letargia. É um divisor de águas muito pior que 1950. É muito difícil de se repetir. É aquela coisa de ‘Onde você estava quando o homem subiu à lua? É uma sacanagem com a cultura brasileira.

Isso estraga tudo que você fez antes. Fui ver Brasil e Colômbia e foi o jogo mais divertido. A gente bem ou mal chegou na semifinal, se você pensar, mas você só olha para a seleção com raiva e desprezo. É uma saturação com o próprio futebol. Sempre fui muito fanático, mas peguei uma birra de campeonato estadual, por exemplo. Depois do 7 a 1 eu cancelei o pay-per-view”

Cris Alkmin, jornalista
“Lá no momento foi uma coisa indescritível. Todo mundo deve ter tido a mesma sensação de que era piada. Quando estavam comemorando o gol já era outro. Foi difícil entender. Eu preferi ir embora, estava começando a ter muita briga. O clima foi ficando muito tenso, eu estava com minha família inteira. Tinha até uma criança francesa com a gente que ficou decepcionada porque esperava ver a seleção bem.

Guardo os copos e os ingressos. A partir das quartas faziam copo especial. Não quero passar para frente de forma alguma. É a lembrança de uma época. Não sei se vou viver outra Copa” 

Daniel Sarquis, engenheiro civil
“Parecia que o jogo estava em câmera lenta, com todo mundo de boca aberta. E eu realmente pensava isso: ‘Vou contar para o meu filho, para o meu neto’. Estava do lado do meu pai. Ele quis ir embora quando o Brasil tomou o terceiro gol. Falei: ‘Pai, vamos segurar, vamos ver no que vai dar. Tem um tempo inteiro ainda’. E ele: ‘Isso é a maior vergonha que eu vi’.

Ele lembra de 1962, 1970, nunca tinha visto um negócio desse tipo. A gente ficou o tempo inteiro. A gente é parte da história. É impossível. Foi absurdo mesmo. O que passou pela minha cabeça foi isso aí. Primeiro calculei: ‘Tem tantos minutos pra virar o jogo’. Depois foi acreditar no evento histórico”

Flávio Jardim
“Eu estava em 1998 quando o Brasil perdeu aquela final. Também assisti às finais das confederações de 2007 e de 2013. O que eu posso falar é que foi uma tragédia de proporções épicas. Isso vai ser carregado comigo. As pessoas não execraram a geração como fizeram com o Barbosa. Me parece que hoje a gente vive um momento mais maduro. Não queria ver esses caras acabados como o Brasil fazia anos atrás.

Eu queria embora e meus amigos não deixaram. Eu queria embora porque não queria ver mais o Brasil ser humilhado. Meus amigos me chamaram à razão e a gente viu o jogo inteiro. O que eu fico mais triste é que eu cheguei à conclusão de que o 7 a 1 tinha apagado as minhas memórias da Copa. Talvez o Brasil tenha se esquecido o tanto que a Copa foi interessante”

Marcos Oliveira
“Fui em todos os jogos no Mineirão. O que nos impressionou foi o jogo fatídico, o 7 a 1. A gente via os gols saindo e parecia que era replay de televisão. Eu via um gol e dali a dois minutos tinha replay. A gente ficou nessa decepção incrível. O que mudou depois disso? Infelizmente nada. Não aprendemos nada com isso”

Sylvio de Campos
“Sou colecionador, fanático por esporte. Estava no Brasil e Cuba do vôlei em 1996, na final da Copa em 1994. Eu apostei 3 a 1 para a Alemanha. Tinha certeza absoluta que ia dar Alemanha na Copa. Eu vejo um sentido positivo no 7 a 1. Vi o Klose fazer o 16º gol. Um dos maiores jogos de um time em todos os tempos.

O que mais me chocou foi a reação das pessoas em volta. Gente que realmente acreditava que o Brasil ia ganhar. Isso foi engraçado/dramático. Não sou muito Pacheco, sou meio do contra. Sou torcedor do Messi. Queria que ele ganhasse a Copa. Mesmo. Meu pai estava em 1950. Eu nasci em 1971 e cresci com história da derrota e da seleção de 70. Na minha casa tocava “90 milhões em ação” o tempo inteiro. Tostão e Rivellino eram  deuses”