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Ex-preparador físico da seleção sobre 7x1: "Ficamos todos paralisados"

Junior Lago/UOL
Imagem: Junior Lago/UOL

Guilherme Becker

Da Deutsche Welle

08/07/2015 11h07

Um ano depois, preparador físico Paulo Paixão relembra bastidores do 7 a 1. Em entrevista à DW, ele relata clima de preocupação no pré-jogo, perplexidade durante goleada e silêncio no vestiário após derrota.

Paulo César Paixão de Araújo, de 64 anos, faz parte da história da Seleção. E a Seleção, da história dele. Preparador físico campeão nas Copas de 1994 e 2002, convive com a glória de quem já alcançou o topo. Mas, desde 8 de julho de 2014, precisa também conviver com a dor de quem viu o Mineirão ruir. E a Seleção desmoronar.

Um ano depois, é com uma tristeza perceptível que Paixão lembra do que para muitos é o mais trágico dos dias para o futebol brasileiro. Há um ano, a Seleção sofria a mais imponente e impressionante derrota em um século: o famigerado 7 a 1 para a Alemanha.

"O meu sofrimento é muito maior do que o do torcedor, porque eu tenho a emoção, por ser brasileiro, e a razão, por ser profissional", diz.

Paixão coloca a impiedosa e inesquecível derrota na conta de Zúñiga, o lateral-direito colombiano que lesionou Neymar, nas quartas de final. E afirma que, com a principal referência técnica em campo, o Brasil até poderia perder, mas a história seria bem diferente.

O preparador ainda indica que o clima, antes da partida, era de preocupação. Havia uma tensão no ar: no vestiário e no túnel que leva os atletas ao gramado. O motivo era óbvio: a ausência do melhor jogador.

Ao fim, em meio ao choro inconsolável dos atletas, ainda no campo, Paixão tentou levantar a cabeça principalmente dos mais jovens, integrantes de uma geração que ficou marcada. "Essa passou, vamos para outra...", disse, ao fim da partida.

DW Brasil: Você é um multicampeão e uma pessoa muita identificada com a Seleção. Um ano depois, ainda dói?

Paulo Paixão: Se eu dissesse que não dói, estaria mentindo. O profissional é também torcedor: ele sofre muito mais porque o trabalho dele está em jogo ali. Temos um comprometimento. O meu sofrimento é muito maior do que o do torcedor. Porque eu tenho a emoção, por ser brasileiro, e tenho a razão de ser profissional.

Como foi lidar com a tristeza dos jogadores?

O choro pode ser tanto de tristeza quanto de alegria. Não vejo nenhum problema. Quando vejo uma boa ação, quando vejo alguém com sofrimento, quando vejo uma premiação esportiva, correm lágrimas dos meus olhos. A emoção é individual. Eu vi muita gente criticando o Thiago Silva por ter chorado [durante a Copa], mas trata-se de uma individualidade. Se ele chorou, é porque tem sentimentos. Ninguém chora de medo.

Por emoção ou por pressão, como parece ter sido o caso do Thiago Silva...

Sim. Se você tem medo, frio na barriga, você está se precavendo. Isso faz parte de qualquer metabolismo. Se o cara se diz muito corajoso e não chora, temos que tomar cuidado com essa pessoa porque ela está escondendo alguma coisa. O choro faz parte do cidadão. Lembro [do jogo], fico triste e faço sempre uma análise de tudo que foi feito.

Para você, qual foi o peso da ausência do Neymar naquela semifinal?

Tudo o que aconteceu depois daquele episódio, da covardia que aquele lateral-direito [Zúñiga, da Colômbia] fez com ele, foi a causa de termos perdido os outros jogos. Se você perde a sua maior referência técnica, ninguém te respeita. A partir dali, ninguém mais respeitou o Brasil. Eu queria ver se [os alemães] teriam vindo para cima se o Neymar estivesse em campo. Se o menino estivesse jogando, seria tudo diferente.

Antes de entrar em campo contra a Alemanha, no túnel, o clima era tranquilo ou havia uma grande preocupação?

Sempre vai haver [preocupação]. Você não pode entrar em campo sem o seu maior ídolo, sem o seu maior astro, sem a sua maior referência técnica e não ter uma preocupação. Sempre tem. Então, por tudo isso é que eu entendo que a ausência dele causou todo esse processo.

Você lembra no que pensou quando aconteceu o primeiro gol?

Não.

E após a sequência de gols? Foram quatro em seis minutos. Pensou em falar alguma coisa para o Felipão?

Não. Todos ficamos muito paralisados. "O que está acontecendo?" Nesse momento, foi uma sequência em que a gente teve erros individuais, então não dá para perguntar: "Por que não?" Eu não disse nada. Simplesmente fiquei também paralisado com tudo o que estava acontecendo.

Você, a comissão técnica, os torcedores, todos parecem ter emudecido.

É. Foi mais ou menos o que aconteceu.

Acabado o jogo, você chegou a conversar com os jogadores no campo?

Foi uma conversa do tipo: "Essa passou, vamos para outra." Aquelas coisas de incentivo. Mas não havia muitas palavras para serem usadas num momento como aquele. Era pedir para levantar a cabeça, que estávamos com vida, e fôssemos para nossas casas, com saúde, tentar recomeçar, cada um pelos seus clubes, porque as nossas vidas continuam. Quem tem personalidade, para quem tem caráter, a vida continua. Essa era a tônica da conversa.

Ao fim do jogo, no vestiário, havia muita raiva sendo colocada para fora?

Não. Ninguém estava revoltado com nada. Havia tristeza, abatimento, mas revolta não. A questão é a seguinte: são jogadores de grandiosidade técnica que atuam nos melhores times da Europa e do mundo. Então, naquele momento, não tem revolta. Tem reconhecimento porque não se jogou bem e porque o adversário foi superior. Só isso.

Você chegou a observar as pessoas chorando no estádio?

Sim, isso eu vi. Observei. E, por dentro, estava chorando com elas. Como depois chorei, individualmente.