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Ex-palmeirense coleciona folclores e críticas em passagem pela Inglaterra

Mirandinha com a camisa do Newcastle - Getty Images
Mirandinha com a camisa do Newcastle Imagem: Getty Images

Alex Sabino

Colaboração para o UOL, em Newcastle (ING)

05/11/2015 06h00

Faz 28 anos que em Newcastle upon Tyne, no nordeste da Inglaterra, o Brasil não é apenas Brasil. Toda vez que o país é citado na cidade, vem acompanhado de outro nome. Como se o morador local quisesse confirmar se o Brasil falado é o mesmo que ele está pensando. “Brasil... Mirandinha.” Se o Brasil não estiver acompanhado do “Mirandinha”, não é Brasil.

Primeiro brasileiro a jogar na elite da Inglaterra, o centroavante ainda é uma figura cult no Newcastle United, um dos clubes mais tradicionais do país. Pouco importa que tenha ficado pouco tempo (cerca de dois anos, entre 1987 e 1989) e feito apenas 19 gols em 54 partidas. Não conquistou títulos, mas isso não é culpa dele. O último troféu da equipe foi a Copa da Uefa em 1969. No curto período em que vestiu o uniforme preto e branco do Newcastle, o brasileiro acumulou histórias contadas até hoje pelos seus antigos colegas de elenco.

“Trazer um jogador brasileiro para jogar na Inglaterra hoje em dia é normal. Em 1987, não era. Foi considerada uma contratação exótica. De certa forma, foi mesmo”, disse Willie McFaul ao UOL Esporte. Ele era o técnico quando Mirandinha chegou ao Newcastle.

No folclore ficou a história que o centroavante chamou a atenção dos dirigentes ao fazer gol pela seleção brasileira em Wembley, em amistoso contra a Inglaterra, em 1987. Na verdade, quando isso aconteceu, as negociações com o Palmeiras, clube em que o artilheiro atuava no Brasil, já estavam em andamento. Outra lenda é que uma família de palmeirenses elogiou o camisa 9 para Malcom McDonald, um dos maiores jogadores da história do Newcastle, durante voo que ia para Londres.

Mirandinha em ação pela seleção brasileira - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

A verdadeira história é ainda mais curiosa. O interesse pelo brasileiro nasceu dentro de um pub.

“SuperMac (apelido de McDonald) me contou que um dia apareceu um sujeito no pub em que ele era dono e começou a falar que conhecia uma pessoa no Brasil que podia intermediar a contratação de atletas brasileiros para o Newcastle. No início, ninguém o levou a sério. Mas essa pessoa era tão insistente que MacDonald aceitou ver alguns vídeos. Entre os jogadores, estava Mirandinha”, completa McFaul.

O então desconhecido era um representante comercial chamado Don Packham. O amigo brasileiro tinha o nome de Umberto Silva. Ambos estavam associados a Bev Walker, empresário de futebol. O Newcastle não foi a única possibilidade. Mirandinha não foi para o Glasgow Rangers porque a diretoria escocesa se recusou a atender o pedido do técnico Graeme Souness e fechar a contratação.

Foi McDonald quem convenceu o Newcastle a pagar 575 mil libras esterlinas (R$ 3,6 milhões em valores atuais) para o Palmeiras. Os vídeos de Mirandinha agradaram também McFaul. “A gente precisava de um centroavante rápido e oportunista. Ee jogou duas vezes na época com a seleção brasileira no Reino Unido e foi bem (contra Inglaterra e Escócia). Isso ajudou”, constata.

Os mais antigos na cidade não conseguem conter a risada quando se lembram da passagem de Mirandinha. A primeira lembrança não é nenhum gol marcado ou jogada especial. Citam a incapacidade do brasileiro em passar a bola para qualquer companheiro.

“Isso realmente era incrível. Ele poderia estar em qualquer lugar do campo e com três opções de companheiros livres. Em vez de tocar a bola, sempre chutava no gol. Sempre”, concorda o Paul Goddard, atacante inglês companheiro de time.

A estreia foi em uma partida fora de casa, contra o Norwich. Toda a carga de ingressos para os visitantes foi vendida e torcedores do Newcastle compraram bilhetes para os setores dos donos da casa. Ônibus partiram lotados e dezenas de jovens sem dinheiro para o trem foram para a beira da estrada tentar carona.

Quando isso aconteceu, Mirandinha já havia sido aceito pelos companheiros. Mesmo sem falar uma palavra de inglês ou fazer qualquer gol nos coletivos. Isso porque soube manter a compostura no pub.

“Era a prova final. Ele era pequeno, não falava nada, mas tinha de mostrar 'bom desempenho' no bar. Era onde íamos quase todo dia. E Mirandinha não nos decepcionou. Bebeu várias (cervejas). A partir daquele momento, tudo ficou bem”, relembra Goddard.

Mesmo sem a avalanche de gols esperada, o atacante continuou popular. Uma aparição dele na prefeitura no Natal de 1987 teve de ser cancelada porque o prédio foi invadido por torcedores. Para completar, ele caiu nas graças de um garoto que surgia como grande promessa do futebol inglês: Paul Gascoigne.

Gazza (apelido do meia) ensinou ao recém-chegado todos os palavrões em inglês. Levava-o para todos os lugares e apresentava aos amigos. Ficou sabendo que os filhos de Mirandinha estavam desesperados por um cachorro. Um dia, apareceu na porta da casa do atacante com um filhote de labrador para dar de presente. As crianças ficaram tão felizes que batizaram o cão de “Gazza”. Para retribuir, o brasileiro deu ao armador um peixe-dourado.

Gascoigne deu ao peixe o nome de Mirandinha.

A passagem do brasileiro teve alguns pontos altos. Fez dois gols em Old Trafford em confronto contra o Manchester United, pelo Campeonato Inglês. Encontrou muitas dificuldades na neve e reclamou aos companheiros no intervalo de uma partida que sua mão estava congelada. Não conseguia dobrar os dedos.

Ao mesmo tempo que começou a aprender inglês graças a três aulas por semana com um brasileiro morador da região, passou a ter problemas com o novo técnico, Jim Smith. O treinador se irritava com as constantes lesões do atacante e o time não ia bem dentro de campo. Quando a oportunidade surgiu, em 1989, Smith liberou a volta de Mirandinha para o Palmeiras de graça.

“Até onde me importa, ele pode apodrecer em uma fazenda de porcos em São Paulo”, foi o veredito de Smith para o primeiro brasileiro no futebol inglês.