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Psicólogas explicam o que há por trás da depressão em jogadores de futebol

Pedrinho durante treinamento no Palmeiras; ex-meia superou depressão - Cesar Rodrigues/Folhapress
Pedrinho durante treinamento no Palmeiras; ex-meia superou depressão Imagem: Cesar Rodrigues/Folhapress

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/11/2015 06h00

Ainda era março, mas consta que fazia frio em Montevidéu na manhã em que o corpo de Abdón Porte foi encontrado no meio do campo do Nacional. Era 1918, e o então ídolo do time havia se suicidado, com um tiro no peito, bem no círculo central do gramado. Tudo porque não suportou sua queda de rendimento em campo e a consequente ida à reserva. O suicídio de Porte talvez não tenha sido o primeiro da história do futebol. Mas mostra que, desde os primórdios do esporte, as emoções e pressões que o envolvem já mexiam com o psicológico dos jogadores. Caso jogasse hoje, é possível que Porte fizesse parte dos 38% deles que apresentam sintomas de depressão ou ansiedade. Esse número veio à tona em uma pesquisa revelada recentemente pelo FIFPro, o sindicato internacional dos atletas.

O dado chamou a atenção por indicar que o problema é muito mais comum entre jogadores do que se poderia supor. E também por sugerir que ele vem aumentando: na pesquisa anterior feita pela FFPro, a parcela de jogadores que disseram estar deprimidos ou ansiosos era de 26%.

Psicóloga diz que exposição atrapalha

Desde os anos 90 a saúde mental dos atletas vem ganhando mais atenção. Diversos clubes e a seleção brasileira têm, ou já tiveram, psicólogos para atender o elenco, seja de maneira fixa, seja prestando auxílio quando há necessidade. Referência em psicologia do esporte no Brasil, a também professora e pesquisadora Katia Rubio diz não se surpreender com os resultados da pesquisa do FIFPro. "Não fico surpresa, ainda mais com a total falta de privacidade dos jogadores hoje", diz a psicóloga. Para ela, essa separação cada vez menor entre a figura pública do jogador e sua vida privada é mais um fator a pressioná-lo. "Para se reorganizar emocionalmente, você precisa de espaço, de um tempo para você", explica Katia, referindo-se a grande exposição dos atletas. "Isso (a exposição) cria uma versão ficcional da vida do jogador", completa ela.

Além dessa questão, Kátia cita outros fatores que podem contribuir para que o jogador fique deprimido. "Más condições de trabalho, atraso de salário, calendário mal feito, falta de estímulo para trabalhar", diz a psicóloga. Para ela, o trabalho psicológico que muitos clubes passaram a oferecer é tão importante quanto o treinamento físico dos atletas. "Até porque o lado psicológico afeta o físico. O jogador pode estar deprimido e ser taxado de desmotivado, de amarelão".

Atualmente prestando serviços para o Sport, Suzy Fleury é outra renomada especialista da área. Ela conta que já se deparou com jogadores sofrendo de depressão profunda, e que esses casos não devem ser confundidos com simplesmente um momento de tristeza. Suzy cita dificuldades em se adaptar a um país ou clube, e lesões, como outros fatores que podem deprimir um atleta. "Além disso, não podemos esquecer que ele (o jogador) pode estar passando por problemas em casa. Tive um atleta que estava com o pai na UTI e ele levava isso para dentro de campo", conta a especialista.

Contusão levou Pedrinho à depressão profunda

E, se há um ex-jogador no futebol brasileiro que sabe como as contusões podem mexer com a cabeça, ele é Pedrinho. Ele conta que, na época de Palmeiras, fez terapia e tomou remédios pesados para depressão. "Não tem a ver só com tristeza. É uma coisa que entra na sua cabeça de um jeito...", diz o ex-meia sobre a depressão. Ele agradece a Vanderlei Luxemburgo por ter notado que ele precisava de ajuda, e diz acreditar que muitos jogadores nem sequer sabem o que é depressão.

"Eu mesmo achava isso (depressão) frescura, não compreendia o que era", diz Pedrinho."O que mais me deixava triste era o pessoal dizendo que eu não era sério, que era ´chinelinho`, e não fazia ideia do que eu estava passando", revela o ex-jogador.

Robert Enke, goleiro alemão que se suicidou aos 32 anos em 2009 - AP - AP
Robert Enke, goleiro alemão que se suicidou aos 32 anos em 2009
Imagem: AP

Goleiro alemão é caso marcante

O goleiro alemão Robert Enke é um exemplo recente das consequências do problema. Visto de fora, ele era o bem-sucedido do Hannover 96 e da seleção alemã. Já havia defendido também Borussia Mönchengladbach, Benfica, Barcelona, Fenerbahce e Tenerife. Mas a realidade era outra, e Enke sofria de depressão e acabou se atirando na frente de um trem em 2009.

Apesar de mais conhecido, este não é o único suicídio registrado recentemente entre jogadores profissionais. Em 2011, o ex-jogador e então técnico do País de Gales, Gary Speed, se enforcou aos 42 anos. Pouco tempo antes de se suicidar, Speed participou de um programa de televisão e nada parecia indicar sua real situação. Parentes e amigos ouvidos após sua morte disseram que nunca notaram sinais de que ele sofria de depressão.

E outros ex-jogadores da liga inglesa já revelaram que tentaram suicídio, casos do ex-zagueiro Clarke Carlisle, o meio-campista Lee Handrie e o atacante Leon McKenzie. Já na Alemanha, o suicídio de Enke levou clubes locais a disponibilizarem tratamento psiquiátrico a todos seus atletas e foi criada uma "hot line" (linha de emergência) 24 horas para jogadores que suspeitam que estejam deprimidos.