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Apostador diz que tentou manipular resultados do Brasil antes da Copa-2010

Wilson Maj Perumal, acusado de manipular resultados de jogos de futebol - KAISA SIREN/AFP
Wilson Maj Perumal, acusado de manipular resultados de jogos de futebol Imagem: KAISA SIREN/AFP

Luís Aguilar

Especial para o UOL, em Lisboa (POR)

15/01/2016 06h00

Faltavam poucos dias para o início do Mundial de 2010. O Brasil fazia uma excursão pelo continente africano para disputar dois jogos amistosos. Eram os últimos testes antes da viagem para a África do Sul. Enquanto o técnico Dunga aproveitava cada jogo para escolher a melhor estratégia, o apostador Wilson Raj Perumal via uma oportunidade única para ganhar dinheiro com as apostas ilegais.

Perumal, empresário natural de Cingapura, dividiu a sua vida entre os estádios de futebol e a prisão. Era um perito em subornar jogadores, treinadores, árbitros e diretores para viciar resultados e conseguir elevados ganhos financeiros no mercado ilegal de apostas da Ásia. Tinha contatos em várias seleções. Especialmente na África. ele garante que manipulou algumas das competições mais importantes do mundo do futebol: Jogos Olímpicos de 1996 e 2008, Taça das Nações Africanas, Mundial feminino de 2007 e qualificações para o Mundial de 2010. Queria fazer o mesmo com dois jogos amistosos do Brasil: Zimbabué e Tanzânia.

O próprio Perumal lembra toda a história em conversa com o UOL Esporte: “No primeiro caso, contra o Zimbabué, quis colocar um árbitro meu no jogo. Era possível graças aos contatos que tinha em Harare [capital do Zimbabué], mas não consegui fazê-lo. Nomearam outro árbitro. Aí já era tarde para viajar até Harare e decidi não estragar um evento nacional tão importante para aquele país.”

Sem hipótese de ser feliz com o Zimbabué, Perumal concentrou-se no jogo seguinte: "Tinha cinco ou seis jogadores da Tanzânia controlados por mim. Para ter um bom lucro nas apostas, precisava que o Brasil vencesse por uma diferença de cinco gols. A Tanzânia sofreu os cinco gols, como combinado, mas marcou um e acabei por não ter um lucro muito grande." 

As federações de Zimbabué e Tanzânia não quiseram comentar as alegações de Perumal, mas o próprio também conta parte desta história na sua biografia "Kelong Kings" (Invisible Dog, 2014), escrita pelos jornalistas italianos Alessandro Righi e Emanuele Piano. O empresário cingapuriano revela que a operação para manipular o jogo do Zimbabué contava com o apoio de uma alta executiva da federação daquela país, uma mulher a quem chama de Rosemary.

Segundo Perumal. teria sido esta diretora que o informou de que o Brasil iria jogar contra Zimbabué. O cingapuriano não acreditou que o Zimbabué tivesse dinheiro para convidar o Brasil e estava certo. As receitas exigidas pela CBF foram pagas por uma promotora da Suíça. Quando Perumal percebeu que o jogo iria mesmo realizar-se, ficou tarde para nomear um dos seus árbitros por meio da influência de Rosemary. O amistoso seria apitado por um sul-africano.

Foi então que Perumal teve a ideia de pedir um árbitro do Zimbabué a Rosemary para ir até África do Sul e apitar um dos jogos de preparação que o próprio Perumal tinha organizado por meio de sua empresa de fachada Football 4U International. Seria um intercâmbio de árbitros. Perumal podia não ter influência sobre o sul-africano escolhido do Zimbabué x Brasil, mas queria controlar o árbitro enviado por Rosemary. Mas Steve Goddard, então responsável pela arbitragem da federação sul-africana, percebeu que algo estava errado e não aceitou o árbitro de Rosemary.

Nada que desse uma grande dor de cabeça a Perumal e aos restantes integrantes do sindicato de Cingapura, uma organização de jogos combinados com tentáculos espalhados em todo o mundo. Perumal contou ao UOL Esporte que o seu grupo teve “um lucro de US$ 1,5 milhão por cada jogo” que viciou antes da Copa e que saiu de África do Sul com uns “cinco ou seis milhões de dólares”.

Brasil x Gana da Copa da Alemanha

O empresário de Cingapura estava cumprindo três anos e meio de prisão durante a Copa de 2006. Não pôde ir à Alemanha para tentar a sua sorte, mas conta no seu livro que dois amigos, Thana e Yap, conseguiram manipular o jogo das oitavas de final entre o Brasil e Gana (3-0) com a ajuda de Abukari, treinador de goleiros da seleção ganesa. Mais tarde, Abukari viria a ser despedido pela federação do Gana por viciar um amistoso com a seleção do Irã. Thana e Yap foram informados por Abukari de que a seleção de Gana que iria viajar para o Irã era composta majoritariamente por jogadores sub-21. Os dois manipuladores conseguiram subornar alguns desses jogadores e fizeram com que a equipe ganesa fosse derrotada pelo Irã por 4 a 2.

Em outro momento, durante as Olimpíadas de 1996, em Atlanta, Perumal estava iniciando sua carreira, como o próprio admite: “Nessa altura eu era apenas um acessório. Um arranjador novato que estava aprendendo com os grandes mestres do negócio.” Pal (Rajendran Kurusam) e Uncle Frankie (Tio Frankie) eram os dois arranjadores mais experientes que estavam com Perumal nos Estados Unidos. Tentaram viciar o terceiro jogo da fase de grupos entre a Nigéria e o Brasil. Ambas as equipes tinham ganho os primeiros dois encontros, carimbando a passagem à fase seguinte. O jogo servia apenas para definir quem ficaria em primeiro lugar do grupo.

Os cingapurianos propuseram 300 mil dólares aos nigerianos caso perdessem por 2 a 0 contra o Brasil. Perumal conta que Pal abordou dois cartolas da federação da Nigéria e que estes aceitaram perder a troco de um depósito inicial de 100 mil dólares. O problema foi o resultado final. Talvez os cartolas achassem que não havia problema, mas os jogadores da Nigéria fizeram de tudo para ganhar o jogo e perderam apenas por 2 a 1. O gol marcado foi contra as probabilidades negociadas com as casas de apostas da Ásia e, dessa forma, o grupo de Cingapura não conseguiu lucrar o que pretendia.

Aliás, Perumal alega, no seu livro, que trabalhou com a Nigéria em ocasiões anteriores, como a qualificação para o Mundial de 2010 e Mundial feminino de 2007. Quando o livro saiu, em 2014, a Federação da Nigéria negou qualquer envolvimento nas qualificações para a Copa de 2010, mas não prestou informações sobre as outras competições e chegou a ameaçar Perumal com um processo. Contatadas pela UOL Esporte, as federações de Nigéria e Gana não deram resposta sobre estas acusações de Perumal.

“Sou um homem de família” 

Perumal admite ter manipulado perto de cem jogos ao longo de mais de duas décadas de atividade. Foi o rosto global dos resultados viciados e era uma das principais figuras do famoso sindicato de Cingapura, organização sediada na Ásia com tentáculos espalhados em vários países europeus. Uma rede da qual faziam parte jogadores, treinadores, árbitros e diretores, pagos através de financiamento proveniente de grupos criminosos dos Balcãs, de máfias italianas, como a Camorra e a Ndrangheta, e das tríades chinesas. 
 
O empresário cingapuriano era um operacional de terreno. Um dos homens responsáveis por se aproximar dos jogadores e convencê-los a perder por determinada margem para que o seu grupo pudesse ter elevados lucros no mercado ilegal de apostas da Ásia: “Entrei para o sindicato numa fase tardia da minha carreira. O meu papel era organizar jogos amigáveis, torneios, ir ter com os jogadores e convencê-los a viciar jogos, mesmo que fossem competições oficiais.” 
 
O negócio corria sem grandes sobressaltos até que, em 2011, Perumal foi preso na Finlândia com um falso passaporte. A investigação da polícia finlandesa encontrou uma vasta rede de jogos combinados bem implementada na Europa. O cingapuriano colaborou com as autoridades para reduzir a pena – esteve preso pouco mais de um ano - e denunciou muitos dos seus antigos associados. Um deles era Tan Seet Eng, conhecido por Dan Tan, alegado líder do sindicato de Cingapura. Está atualmente preso no seu país devido às provas apresentadas por Perumal. Dan Tan tem um lema forte: “Quem me trai, morre.” Apesar disso, Perumal diz estar tranquilo. “Vivo na Hungria e não tenho qualquer tipo de proteção policial. O Dan Tan e os outros estão presos em Cingapura e sairão de cena por algum tempo.”
 
Perumal foi pai do seu primeiro filho poucos dias antes desta entrevista. Diz que hoje é um homem de família e um trabalhador legítimo: "Ainda aposto em jogos de futebol, sim. Mas não faço mais do que isso. Arrependimentos dos jogos que manipulei? Não tenho. Era apenas um negócio, nada mais."
 
Alessandro Righi e Emanuele Piano, os dois jornalistas italianos que escreveram o a biografia de Perumal, não sabem responder se o cingapuriano se retirou dos jogos combinados ou se ainda continua em atividade: “Não temos qualquer pista sobre o assunto.” Mas estão de acordo num ponto: “Em pessoa, o senhor Perumal é um homem encantador e agora, também, um homem de família.”
 
 “Estivemos com ele a primeira vez em 2013, na Hungria, mas já o tínhamos contactado um ano antes, quando ele ainda estava detido na Finlândia, por causa de uma reportagem que fizemos para a Al Jazeera.”
 
As motivações para embarcarem nesta aventura foram simples: “Expor os resultados combinados a uma escala global e pôr em palavras a extraordinária história de vida de Wilson Raj Perumal e dos seus associados. Amar o futebol também significa ser capaz de expor como o jogo pode ser corrupto, a todos os níveis.”