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Ex-SP, Bordon estreia como técnico e detona base no Brasil: "Dá vergonha"

Bordon estreia neste domingo à frente do Rio Branco  - Folha Imagem
Bordon estreia neste domingo à frente do Rio Branco Imagem: Folha Imagem

Danilo Lavieri

Do UOL, em São Paulo

31/01/2016 06h00

Cinco anos após pendurar as chuteiras, Bordon voltará a respirar futebol profissional. No comando do Rio Branco, o agora técnico de futebol fará sua estreia neste domingo (31), diante do Santo André, pela série A-2 do Paulista, e já promete um estilo de xerife para tentar acelerar a correção de erros básicos que ele vê na formação do atleta. “Dá vergonha de ver o que eu vejo”, diz ele sobre as categorias de base.

Após 11 anos na Alemanha, ele voltou recentemente ao país que virou sua segunda casa para conversar com alguns treinadores e entender como poderia colaborar com a formação. Trinta dias depois, assumiu a equipe de Americana (interior de São Paulo) e mostra que se preocupa com o futuro de sua equipe e, em geral, do futebol brasileiro.

Com o primeiro clube de destaque sendo o São Paulo, ele lembra de maneira positiva o tempo de Telê Santana e lamenta a falta de evolução em relação ao seu tempo. Segundo ele, os garotos não têm a instrução correta e chegam ao profissional com erros básicos, que jamais poderiam existir.

Confira a entrevista de Bordon ao UOL Esporte:

UOL Esporte: Como você resolveu ser técnico de futebol?
Bordon:
Assim que me aposentei dos campos, pensei em descansar, porque minha carreira foi muito pegada. Fiquei 11 anos na Alemanha, intensos e maravilhosos, mas cansativos. E eu queria descansar. Depois de três anos, comecei a fazer algumas coisas e nada me preenchia de verdade. Futebol é o que eu gosto. E uma tragédia mudou minha carreira: um amigo meu que dava aula para os meus filhos perdeu o filho afogado. Era amigo dos meus filhos... Quis ajudar e cedi um espaço que tinha com campos de futebol para que ele pudesse ter o próprio negócio. E aí eu só passava alguma experiência que tinha em futebol para ele. Acabou que o time sub-13 que a gente comandava foi representar o Comercial no Paulistão. Foram jogos bons, contra Palmeiras, Santos... Alguns jogadores foram para o Palmeiras, Atlético-PR, Cruzeiro. Ali, era em 2014 eu acho, percebi que poderia trabalhar nisso.

UOL Esporte: E como foi a transição para o futebol profissional?
Bordon
: Fui para a Alemanha para a despedida do Asamoah e as pessoas perguntaram o que eu estava fazendo. Todos falaram que eu precisava voltar ao futebol para passar minhas experiências. Era para eu ficar três dias lá, fiquei 30. Aproveitei para conhecer muita coisa, visitei Bayern de Munique, Schalke, Hoffenhein, Red Bull... Foram sete clubes. Cada clube que visitava eu ficava mais empolgado, via que batia com a minha filosofia. Voltei para o Brasil e logo acertei com o Rio Branco.

UOL Esporte: Qual a sua filosofia?
Bordon:
O Brasil tem muito déficit em organização e disciplina. Os meninos sabem jogar futebol, mas as categorias de base... Olha, para ser sincero, dá vergonha de ver o que eu vejo. Poderia ser muito melhor. Por causa disso, os jogadores chegam ao profissional cheio de mania. Tem mudado, mas...

UOL Esporte: Cheio de mania? Tática? Fora de campo?
Bordon:
É geral. Taticamente e fora de campo. A falta de concentração, de base tática e de disciplina. Eles querem, vão atrás, mas precisam fazer muita força para a coisa básica. Não é que eles não querem fazer, mas as categorias de base não ensinam. O Parreira falou e é verdade: temos jogadores que chegam na seleção brasileira sem saber tática.

UOL Esporte: Tática é o que diferencia futebol europeu do brasileiro?
Bordon:
Ensinar tática, tudo bem... Mas será que tem tempo? Se perder duas ou três, você já vai embora, não tem tempo para isso. Precisa mudar a cultura. Eu falei esses dias para os jogadores que parece que eu tenho mais vontade de vê-los estourando do que eu mesmo. Aqui estamos com muitas dificuldades. Precisamos de um milagre. Para falar a verdade, o Rio Branco poderia estar fechado e hoje tem vida. É muito bacana ver que está renascendo.

UOL Esporte: Como é a integração da base com profissional na Alemanha?
Bordon:
O Neuer e o Ozil jogaram comigo. Eles chegaram no profissional e parecia que eles estavam com a gente no profissional fazia anos. Eles repetem o esquema do profissional na base. Aqui é diferente. Aqui os moleques não respeitam ninguém, é complicado. Precisa ter linha dura. Não adianta xingar que não tem qualidade, que não entende. O erro do brasileiro é isso.

UOL Esporte: Então podemos esperar um Bordon xerifão como técnico?
Bordon:
Quero mostrar a verdade. Eu aprendi na marra também, não foi fácil para mim. Eu sempre fui esse cara. E às vezes a gente não sabe o que é o melhor. Eu aprendi com Telê e Muricy, que foram uma escola sensacional. Eles ensinaram muito. E aí na Alemanha complementou com mais intensidade.

UOL Esporte: O que podemos esperar do Rio Branco nesta série A-2?
Bordon
: É muito legal você pegar um clube assim como eu peguei. É até esquisito falar. Eu saí da Alemanha e pegar o clube igual ao Rio Branco. É um presente. Eu ajudo na foto do pôster até no corte da grama. A gente dá orientação e todos entendem isso, querem receber ajuda, o que é importante. Eu quero deixar um legado. Na Alemanha eles não choram, não abaixam a cabeça e a gente acha que eles são frios. São assim porque sabem sempre que fizeram o máximo e fizeram o certo. Se perder, é para perder, mas eles deram o melhor.

UOL Esporte: Mas a luta é para não cair?
Bordon:
A gente está aqui para fazer o máximo. Do jeito que a gente montou, é só milagre mesmo. E ninguém ficou machucado, mas temos problemas de inscrição, alguns jogadores meus não vão jogar. E não tem o que reclamar, a realidade nossa é essa. E todo mundo sabe. Fácil não vai ser para ninguém.