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Por que empresário fez carta que mexeu com Fred e o ajudou a ficar no Flu?

Bernardo Gentile

Do UOL, no Rio de Janeiro

19/04/2016 06h00

Após decidir que ficaria no Fluminense apesar da briga com o técnico Levir Culpi, Fred se juntou aos companheiros, treinou e foi convocado para entrevista coletiva. No auditório do forte do Exército, na Urca, o atacante contou sua versão e revelou que a carta de um empresário tricolor mexeu com ele e contribuiu para permanência. Marcos Caetano é jornalista e trabalha para a Brunswick Group, especialista em gerenciar crise. No tempo vago, escreve sobre o Tricolor para o site Netflu, especializado no clube carioca.

"Não podia ver o Fred sair pelas portas dos fundos sem fazer nada. Daqui a alguns anos se tiver 35 anos e tal, tudo bem ele sair. É outro caso. Tem tudo para fazer uma despedida tipo Rogerio Ceni. Quem sabe ganhar uma Libertadores ou mais um Brasileiro. Achei que seria um pecado sair por uma desavença dessas. Ele precisa ficar até o fim e se aposentar com direito a estátua", disse Marcos Caetano ao UOL Esporte.

"É tão difícil o clube ter um ídolo... Guerrero é ídolo do Flamengo? Pode vir a ser. Tinha o Rogério Ceni no São Paulo. Fred fez muito pelo Flu. É tão difícil ter um jogador que a torcida e apaixonada. Um cara simpático, fala com todos. O gesto dele de agradecer a minha carta mostra o caráter dele. Como todo jogador, é estrela, manhoso, tem suas exigências. Deve dar seus pitacos, mas ele conquistou isso. O Flu deu esse espaço a ele. Seria um pecado que o Fluminense por uma discussão, uma chegada enviesada do Levir, jogasse fora esse líder", completou o empresário.

Caetano trabalha em uma empresa especialista em resolver crises e se viu diante de uma no clube do coração e justamente com o principal jogador do elenco. Usou sua habilidade para transformar o capítulo em história. E conseguiu, como admitiu o próprio Fred em coletiva de imprensa.

"Não tive a percepção que minha carta pesou. Meus filhos devem achar que foi. É bacana tentar agir, pois o torcedor vê as coisas e não pode fazer nada. Eu tentei. Foi uma das poucas vezes que tive a chance de interferir, por menor que tenha sido. Estou muito feliz de ter ajudado nessa história. É o sonho de todo torcedor participar da história do seu clube”, explicou.

“Usei uma pouca dessa habilidade que tenho. O Fred faz gol e eu escrevo e lido com crise. Fiz isso em grandes empresas. A situação do Fred não era tão grave, mas algo tranquilo de resolver. Levir cometeu erro na chegada. Uma vez deflagrada a crise, ele [Levir] foi bem. Foi pra TV e disse que queria resolver. Se colocou à disposição”, acrescentou.

Veja a carta na íntegra:

Prezado capitão e ídolo Fred,

Antes de começar a ler esta carta, eu pediria que você desse uma boa olhada na foto que ilustra o meu blog e respondesse com sinceridade: você gostaria que aquela fosse a última imagem de sua passagem tão brilhante quanto histórica pelo Fluminense Football Club? Tenho certeza que não. Por conta disso, estou seguro de que você lerá este texto até o fim e, se Deus permitir, refletirá um pouco mais antes de dar o próximo passo em sua carreira.

Eu sei que neste exato momento você poderá estar assinando seu nome em um contrato com o Clube Atlético Mineiro ou qualquer outra instituição de ponta do Brasil, dos Estados Unidos ou de qualquer parte do mundo. Um jogador com a sua categoria, caráter, talento goleador e espírito de liderança tem lugar em qualquer time do mundo. Mas eu gostaria de tentar provar que seu lugar é aqui, com a gente, no seu Fluminense. Sim, o seu Fluminense. Não no sentido de dono – porque um clube com tal dimensão histórica e tantas glórias – jamais pertencerá a alguém, seja ele presidente, técnico ou ídolo –, mas seu no sentido desse clube te pertencer um pouco, como pertence um pouco a mim, como pertence um pouco a todos os que souberam dar provas de amor por ele, como você sempre soube e sempre saberá. E, portanto, saiba de mais uma coisa: você está no Fluminense há sete anos, há mais tempo do que qualquer dirigente ou membro da comissão técnica. Quando o presidente Peter Siemsen assumiu o clube em 2011, você já nos tinha salvado da segunda divisão e erguido uma taça de campeão brasileiro. Seus feitos falam por você, craque. E é exatamente sobre eles, seus feitos, sua história, seu legado, que eu queria que você refletisse agora. Calmamente. Com inteligência. Sem precipitações. Respire fundo e continue a leitura.

Posso imaginar o quanto é duro um atleta que é nada menos do que o maior artilheiro de um clube em jogos oficiais (nem todos sabem disso, o que é uma pena) ter que ouvir apologias à disciplina vindas da boca de ex-jogadores beberrões e farristas, entre eles um que chegou a fugir da concentração em uma Copa do Mundo. Não é fácil ver um ex-técnico fracassado dizer que o dinheiro e a fama te estragaram, mesmo com uma média de seis gols a cada dez partidas disputadas pelo clube. Eu entendo que chegue a ser revoltante ver um ex-dirigente que quebrou uma grande empresa através de gestão temerária posar de arauto da responsabilidade para falar mal de você. O mesmo sujeito que amava te exibir como grande troféu e posar ao seu lado erguendo taças. Eu consigo vislumbrar o que deve estar passando agora pela sua cabeça. Tudo isso dá raiva, enoja, embrulha o estômago. Mas pense no seguinte: são pessoas que agora não têm mais qualquer brilho na vida – e precisam do seu para voltar as manchetes. Releve. Deixe de lado. Eles não sabem o que é ser tricolor. Você sabe. Nós sabemos. Você já defendeu nossas cores mesmo massacrado por um turbilhão de vaias depois da defesa da Seleção Brasileira perder uma Copa do Mundo, e acabou artilheiro do Brasileirão. Você já jogou mancando na semifinal de uma Copa do Brasil, no Allianz Parque, e ainda assim fez um gol e quase marcou outro, que nos salvaria da eliminação causada pela escancarada má fé dos árbitros. Essas pessoas podem não saber, mas quem é tricolor sabe o seu valor. Quem é tricolor sabe, por exemplo, que nós não teríamos perdido a Libertadores de 2008 se você estivesse em campo naquela final. Mas, como disse, seja inteligente, reflita e aja.

Para mim está óbvio que a sua saída é algo decidido pela direção do clube já há algum tempo, provavelmente no início da temporada. A saída do vice-presidente de futebol que sempre entendeu o seu valor como ídolo, como gerador de receitas, como vetor de atração de novos torcedores e como grande líder de elenco foi um primeiro passo nessa direção. Demitir um jogador ou qualquer outro profissional do clube é prerrogativa da direção, não discuto isso. Mesmo sem concordar, eu ao menos respeito quando um líder de uma empresa vem à público comunicar de peito aberto uma decisão que tomou, por mais impopular que ela seja. Mas no Fluminense não é assim. No Fluminense, o modus operandi para demissões é o da asfixia. Quando a direção quer se livrar de alguém no clube, primeiro corta poderes, verbas, autonomia e qualquer outro fator que possibilite minimamente a realização de um bom trabalho. Depois começa o processo de fritura: o isolamento, a falta de diálogo, a falta de agenda, um comentário ruim aqui, uma fofoca ali, uma nota plantada acolá… No final desse processo, que às vezes se arrasta por meses, o demitido sai como um fracassado, um incompetente que não conseguiu fazer o que dele se esperava.

Foi assim em quase todas as demissões dos últimos anos. Posso, de cabeça, fazer uma lista bem robusta, sem discutir os méritos dos nomes: Muricy, Conca, Sandrão, Jackson Vasconcellos, Mario Bittencourt, Alexandre Vasconcellos, além de mais de uma dezena de técnicos, inúmeros jogadores, mais de uma dezena de gestores e funcionários da área de marketing e a própria Adidas. Sim, até a nossa parceira de quase 20 anos no fornecimento de material esportivo foi demitida após um processo de fritura que tentou pintar como incompetente a maior marca esportiva do planeta – que acabou substituída por outra que ainda não entregou as camisas que comprei há quase dois meses (ambas com o número 9 e o seu nome às costas, Fred). Todo mundo que sai do Fluminense, sai por algum motivo estranho, obscuro, pouco explicado – mas invariavelmente pela porta dos fundos.

Esse é o jeito dos caras operarem, capitão. Agora chegou a sua vez. Só que você não é apenas um funcionário do marketing ou um assessor menos relevante. Você se tornou, por méritos próprios, a cara do Fluminense. E ninguém se torna a cara de um clube sem ter méritos. Para alguém ser a imagem de um clube, o jogador em direção ao qual correm todos os repórteres com suas câmeras e microfones no intervalo e no final das partidas, é preciso ter feitos. E você os tem. Com você em campo, o Fluminense fez um milagre no final do Brasileirão de 2009, ganhou o de 2010, foi terceiro no de 2011, ganhou o de 2012, foi sexto no de 2014 e ficou no meio da tabela em 2015, num ano em que muitos apostavam que, em função da saída da Unimed, o time seria rebaixado. Sem você em campo, contundido, éramos os últimos colocados em 2009 e quase fomos rebaixados em 2013. Que outro jogador brasileiro tem tal desempenho? Que outro jogador tem mais gols feitos pelo clube no qual joga atualmente no Brasil do que você? Nenhum. Justamente por isso, nenhuma outra pessoa está em melhor posição para dar um basta a esse processo de frituras e decisões obscuras do que você. E é por isso que te peço: não saia pela porta dos fundos. Não se permita sair do Fluminense por essa porta da vergonha que os dirigentes fingem que não abriram – mas, sim, deixaram entreaberta – para você nos deixar. Não seja tolo de cair na cilada deles. Não deixe o clube que amamos após uma sequência de oito jogos sem marcar e com o time vencendo sem seus gols. Se tiver que sair, e tomara que isso não aconteça antes da sua aposentadoria, saia por cima. Sua biografia não merece aquela porta deplorável da foto.

O que você deve fazer? Parece difícil, mas na verdade é fácil. Difícil é meter dois – sendo um deitado – na Espanha campeã do mundo, com metade do time do Barcelona e metade do time do Real Madrid. Ouça o meu conselho: dane-se se a direção resolveu te fritar porque quer usar seu salário para comprar cimento e tijolos para o CT. Os torcedores até querem um CT, mas eles preferem gols, títulos e respeito. Se CT ganhasse títulos o São Paulo não estaria há oito anos sem erguer uma taça. A torcida quer um ídolo de chuteiras, não de capacete de obra. Os verdadeiros tricolores querem ser respeitados dentro de campo, até antes de o serem fora de campo. Nós sabemos que o Fluminense com você é grande, impõe respeito. A inveja dos rivais a cada gol seu é tão palpável que chega a dar um barato. Portanto, jogue todo esse peso, o peso da sua história, do seu nome, contra o golpe que querem te aplicar. Volte a treinar. Hoje ainda, se possível. Se reapresente ao Levir e peça uma conversa. Nem ele nem ninguém no clube poderá te negar isso – e ele deixou essa porta aberta, mesmo que apenas da boca para fora. Fale sobre tudo o que te incomodou, tintim por tintim. Mas fale só para ele. Nada de vazar conversas privadas, como fazem os outros caras. Jogue limpo, vá direto ao ponto.

Coisas desagradáveis surgirão, como algumas das que li em dezenas de matérias e que nem posso dizer se aconteceram mesmo. Se é verdade que ele te desqualificou ao dar uma bronca num garoto que você viu crescer a ajudou a crescer no clube, diga isso ao nosso técnico. Calmamente. O Levir talvez não saiba o monte de vezes em que você orientou Gérson, enturmou Marco Júnior e até chorou quando o Scarpa marcou um golaço. Ele não é obrigado a saber disso, mas você pode contar como foi. Recomende que ele pergunte a todos no clube – e não apenas à direção – como é o seu caráter, quem é você. Como pessoa de bom senso, ele vai gostar mais de você depois disso. Porque, como técnico de bom senso, ele certamente já sabe que não há centroavante melhor do que você no país. Peça desculpas, mesmo que as desculpas fossem devidas a você, já que um técnico jamais poderia barrar um capitão através de uma lista pregada na parede. Acontece, Fred, que um grande líder precisa saber se sacrificar pelo bem maior. Portanto, peça desculpas e diga que quer estar em campo em Manaus. Treine como um louco no que resta da semana, jogue contra o Vasco, meta um gol, erga a Taça Guanabara ao final da partida e eu garanto que a sua foto em todos os jornais na segunda-feira sepultará qualquer azedume do passado.

Capitão, entenda que nos anos que te restam como atleta profissional você até poderá brilhar e ganhar títulos em muitos clubes, mas só no Fluminense, depois de uma década de conquistas e brilho extraordinário, é que você poderá se aposentar na condição de maior ídolo da história do clube. Repare que até o Peter já disse que o maior de todos é você. E se vocês não se dão bem, saiba relevar isso também, em nome da grandeza do Fluminense. Em alguns meses o presidente partirá e caberá aos torcedores julgar sua gestão. Quando finalmente chegar a sua hora de sair, saia pela porta da frente, que permanecerá sempre aberta para você. Como está sempre aberta para os grandes heróis. Será uma aposentadoria de sonho, com direito a estátua, homenagens de rei e o eterno reconhecimento nas ruas – porque, acredite em mim, essa é a maior glória que um craque pode ter. Se não concorda, pergunte a gente como Zico, Falcão, Ademir da Guia e Tostão. Em resumo: não deixe que esses caras tirem isso de você!

Por fim, prezado craque, gostaria de rebater – ou melhor, dar significado correto – a uma frase que seus detratores gostam de repetir. E essa é uma espécie de homenagem que faço a quem tantas alegrias me deu como torcedor apaixonado:

Ninguém é maior do que o Fluminense. Mas o Fluminense ficará menor sem Frederico Chaves Guedes.

Com um grande abraço e as saudações tricolores de sempre,

Marcos Caetano