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Falcão se surpreendeu com demissão e pede respeito com os treinadores

Paulo Roberto Falcão foi demitido do Sport após a eliminação na Copa do Nordeste - Williams Aguiar/Sport
Paulo Roberto Falcão foi demitido do Sport após a eliminação na Copa do Nordeste Imagem: Williams Aguiar/Sport

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

05/05/2016 06h00

A diretoria do Sport não teve com Paulo Roberto Falcão a mesma paciência que teve com Eduardo Baptista, que só deixou o clube (em setembro de 2015) após um ano e sete meses no cargo para aceitar uma proposta do Fluminense. Com o ‘Rei de Roma’, a história foi totalmente diferente. Sem manter a serenidade com o técnico, os dirigentes rubro-negros o mandaram embora depois da eliminação na semifinal da Copa do Nordeste, após sete meses de trabalho.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Paulo Roberto Falcão, admitiu a surpresa com a demissão, especialmente levando em conta uma série de estatísticas: ele assumiu o Sport na 11ª colocação, com 37 pontos, e terminou na sexta posição, com 59, a apenas três pontos do quarto colocado São Paulo; o Sport obteve no Brasileiro 2015 sua maior pontuação na era dos pontos corridos e encerrou a competição com sua quarta melhor campanha na história, desde 1971. Para completar, o aproveitamento de Falcão no Brasileiro 2015 só foi inferior ao do campeão Tite, no Corinthians. Qual, então, o motivo da demissão?

“Sinceramente eu não sei o que aconteceu. Eu sei é que eu me surpreendi. O Sport cumpriu rigorosamente o que prometeu comigo, no aspecto econômico, mas eu me surpreendi porque um dos motivos que me levaram ao Sport era aquele tempo, dar o tempo de trabalho, e a gente não teve esse tempo”, lamenta o treinador, que se aprofundou no assunto e citou o caso de Eduardo Baptista, que teve a confiança necessária da diretoria do Sport.

“Um dos motivos que me levaram para o Sport foi que o Sport dá tempo, mas não deu, eu sei que com o Eduardo Batista foi assim e isso fez com que eu pensasse: ‘está aqui um time que dá para desenvolver um trabalho, que mesmo quando se tenha dificuldade’, [...] e não se teve, não se teve dificuldade de resultados porque chegar em duas semifinais com todas as dificuldades de montagem de grupo... o Diego [Souza] chegando em cima da hora, o Mark González, que ficou dois meses fora, o Gabriel Xavier chegou e se machucou, tivemos o Jonathan que é um jogador que jogou numa pressão absurda nos últimos jogos e ainda ficou dois meses fora com uma distensão  muscular... Tem que dar tempo, o grupo precisa rodar e nós enfrentamos adversários nos jogos finais que estavam rodados”, acrescenta.

Diante da nova situação na carreira, Paulo Roberto Falcão faz questão de cobrar mais respeito (e tempo) aos treinadores para que eles tenham a possibilidade de executar um bom trabalho.

“A gente tem que ser respeitado no contrato de trabalho, e nós falamos isso de um modo geral, não só nos times principais. A nossa preocupação vai lá para os treinadores das séries C, D e tanta gente que passa dificuldade. E eu digo na minha avaliação: o profissional tem que ser contratado pelo ano esportivo de 1º de janeiro a 31 de dezembro. ‘Ah, mas o time só joga três meses’... Então o time que se ajeite, não dá para gente contratar por três meses e depois demitir. E outra coisa, qual é a obrigatoriedade de pagar? A minha briga é essa: demitir pode, mas você tem que bancar o restante do contrato, senão você não pode contratar o profissional. Mas claro que isso vale também para o treinador, se ele sair antes que arque com a multa, vale para os dois lados. O que eu acho é que os clubes têm que pensar melhor na hora de buscar um profissional, a gente vê time mudando três, quatro treinadores no ano”, diz.

Mas não foi só de demissão que Paulo Roberto Falcão conversou com o UOL Esporte. Entre os principais assuntos, o técnico falou sobre Neymar, seleções alemã e brasileira e os atuais problemas das categorias de base no futebol nacional. Confira:

Neymar e seleção alemã

"Não é humano a gente cobrar do Neymar que ele seja todos os jogos o Neymar, porque ninguém consegue, eu acho que ele tem que ser decisivo nos jogos que precisam dele. O que existe de erro no nosso futebol hoje em dia é que a gente quer buscar craques para a seleção. A seleção da Alemanha não tem nenhum craque, tem cinco, seis jogadores acima da média. Você pega o caso da Argentina, que é o Messi... de Portugal, quem é? Cristiano Ronaldo. No Brasil? Neymar. E na Alemanha você não diz: ‘é esse’. Agora, você fala de Schweinsteiger, você fala do Muller, você fala do Neuer, você às vezes fala do Ozil. Você tem aquilo que um time tem que ter, jogadores acima da média. E jogadores acima da média fazem o time ser craque. Eu não quero dizer que a Alemanha é o exemplo de tudo, mas que nós não temos que buscar mais craques além do Neymar, nós temos que buscar um time que jogue como um craque, o craque tem que ser o time. O Neymar é o nosso jogador de talento. A gente tem que entender que ele é um ser humano, tem dias que ele pode jogar bem, tem dias que ele pode jogar menos bem, mas quando a bola cai no pé dele alguma coisa sai, que é o mais importante. A Alemanha não é um modelo ideal, porque ideal não existe... Eu falei o exemplo da Alemanha porque todo mundo ficou encantado com a Alemanha, e com justiça, embora a Argentina merecesse ter ganho a final. Mas é uma seleção que se preparou, um time que teve envolvimento, o futebol alemão se preparou nos clubes, teve uma preocupação de onde ia ficar no Brasil, de montar um lugar para trabalhar. Eles tiveram uma coisa que pra mim é fundamental: eles mereceram ganhar. O merecimento vem através do envolvimento e da seriedade que você dá ao trabalho, se você não fizer tudo aquilo que tem que ser feito para que o seu resultado final seja a teu favor, você não merece ganhar".

Seleção brasileira

"Estão querendo modificar o futebol brasileiro, mas não estão querendo mudar estas coisas pautadas que vem de sempre né, vê como é engraçado. A gente também tem que mudar algumas coisas porque criticar treinador da seleção é uma barbada [risos]. Criticar treinador, criticar prefeito, governador, é uma barbada, sempre acha um lado, a seleção vai acabar se organizando... Digo, time de futebol, dentro da eliminatória, são 18 jogos, você vai se organizar, vai formar um conjunto, vai formatar um time dentro da competição que é complicada, você vai amadurecer um time. Isso é importante porque, diferentemente da Copa do Mundo passada, que não teve eliminatória [...] Não penso que seja um grande problema não ter eliminatória, mas desde que você faça amistosos fortes. O pessoal não tem tempo para treinar, os jogadores chegam cinco dias antes... Mas eu acho que vai encorpar, pelo menos essa é a minha torcida".

Categorias de base e o futebol brasileiro

"O nosso futebol tem que melhorar em tudo, eu falo todas as pessoas que trabalham no futebol, que vivem do futebol, e a gente engloba todo mundo, todas as pessoas eu falo de treinadores, jogadores, dirigentes, imprensa, a gente, todos têm que repensar. Não dá pra cada um fazer a sua só... 'A minha profissão é essa aqui então eu só faço isso'. Todo mundo tem que colaborar.

Os clubes é que tem que ser fortalecidos, e quando eu falo dos clubes eu não falo o profissional, eu falo a categoria de base, lá embaixo, que é onde você constrói, onde se forma o atleta, e não só o atleta, onde se forma o homem também. Então tudo começa na base, e quando eu falo base eu não falo em 18 anos, a gestão tem que se preocupar de um modo geral com o garoto lá embaixo, mesmo que depois na gestão desse dirigente os guris não estejam mais. Seria a valorização da base com profissionais competentes, valorizando a qualidade técnica.

Tem que colocar profissionais que possam formar o garoto priorizando a qualidade técnica porque a qualidade técnica você não dá, você tem ou não tem. Estou falando aquilo que eu penso ser mais urgente: a valorização nas categorias de base nos garotos de 11, 12 anos. Às vezes o jogador chega ao time profissional e cabeceia de olhos fechados, isso é um exemplo, mas não é por culpa dele, é lá embaixo que começa a construção, a se formar o atleta e o homem. Eu, certamente, estou entre aqueles que mais valorizaram as categorias de base, eu lancei jogadores porque entendia que tinham condições de serem lançados e depois, na segunda situação, porque o time precisava, mas primeiro tem que ter condições, tem que ter qualidade, olhar no olho do garoto e ver que ele tinha personalidade para jogar. Você tem que ter cuidados para lançar um jogador da base, tem jogadores que você olha para ele, bota e sabe que vai dar conta, são aqueles garotos mais prontos. Todo treinador quer botar a base porque valoriza o prata da casa, faz o clube, de repente, ter uma venda e ganhar dinheiro pra sustentar todo o planejamento do clube, mas não é assim, tem que ter cuidado com o garoto.

Eu sempre tive cuidado de lançar na hora certa. A dificuldade é você saber o momento. Um amigo meu diz: ‘antes da hora não é a hora, depois da hora não é a hora, a hora é a hora’. Mas isso é muito difícil, não é para qualquer um".