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Pernil, refri e pirataria? Quem brilha agora é pizza na porta dos estádios

Terminada a partida, é hora de levantar o acampamento - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

14/06/2016 06h00

Se perguntar para um vendedor ambulante qual o maior evento de São Paulo, a resposta será o futebol. Não tem Mick Jagger, cantor sertanejo ou Fórmula 1 que supere as vendas na porta dos estádios. Domingo de clássico é invencível.

“Ir no estádio e não comer lanche de pernil ou calabresa não existe. É da cultura do futebol na cidade”, explica o ambulante José Henrique Gomes, 60 anos.

Fenômeno

Pilhas de pizzas a R$ 10 aguardam o momento de serem vendidas durante jogo do Palmeiras - Reprodução Facebook - Reprodução Facebook
Imagem: Reprodução Facebook

Os lanches tradicionais têm um concorrente novo, as pizzas de R$ 10. Há alguns meses, os estádios da capital paulista são cercados por vendedores perambulando com caixas térmicas. Eles oferecem oito pedaços de calabresa, muçarela ou frango com catupiry pelo mesmo preço que um cafezinho com pão de queijo no shopping.

Deocleciano Gonçalves de Barros, 59 anos, é um empresário do ramo. A contabilidade dele prova com com números que o futebol é maior do que o rock. Ele conta que no show dos Rolling Stones saíram 250 pizzas, com o ônus de atender muita gente bêbada nas imediações do Morumbi. No jogo entre São Paulo e Atlético Mineiro pela Libertadores o estoque de 574 unidades acabou.

“Se tivesse 800 pizzas, tinha saído tudo”.

Duca, como é mais conhecido, diz que uma Fiorino e uma Kombi saem do Cantinho da Esfiha G&G a cada partida. Ao chegar no estádio, vendedores de jaleco amarelo partem em diferentes direções com duas caixas térmicas nas costas, carregando 24 pizzas.

Com o tom de quem quer saber um segredo, alguns clientes perguntam como Duca consegue oferecer uma pizza por R$ 10. A resposta aumenta o espanto. Ele revela que a margem de lucro é de 30%. Na conta está incluído o gasto com mão de obra, transporte, energia e ingredientes. Mas este último item é colocado com parcimônia.

“A gente reduz um pouco do complemento. A pizza de R$ 30 é mais recheada”.

Ambulante é caseiro

Nenhum evento em São Paulo, nem show de estrelas do rock, rendem tanto lucro aos ambulantes quanto jogos de futebol - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

O pragmatismo é um dos mandamentos do ambulante. Ele é Brasil na Libertadores e torce para o G-4 ser formado por Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos. Sem importar a ordem. Afinal, é preciso pagar as contas.

“Vem com R$ 1 mil em bebida e comida e volta com R$ 3 mil”, revela José Henrique.

E ele não está na porta de estádio por falta de opção. Tinha uma padaria em Itapecerica da Serra (Grande SP) e não se arrepende de ter fechado as portas. José Henrique lembra que ter dinheiro em caixa para pagar os 14 funcionários tirava o sono. Na nova carreira, vende em média 200 lanches por partida e trabalha no máximo três vezes por semana.

Com os ganhos, José Henrique mantém sete carros da década de 1980, coleção que inclui Monza, Opala, Fusca e por aí afora. A mulher dele ouve a lista balançando a cabeça justificando que precisa incomodar os parentes para guardar a “velharia”.

Olha o rapa

Os ambulantes podem ser divididos em três grandes grupos conforme o produto que vendem: camisas falsificadas e bandeiras; bebidas; e comida. Não importa a qual módulo pertençam, eles ficam ligados no "rapa" (policiais). Todos trabalham ilegalmente e não são poucos os casos de vendedores que tiveram tudo levado pela Guarda Municipal.

A percepção deles é que nas imediações do estádio do Palmeiras a situação é pior. Acreditam que os vários restaurantes do entorno ligam para prefeitura cobrando providências. Os ambulantes não condenam a atitude, reconhecem que fariam o mesmo.

Furtos são outro problema. As maiores vítimas são os caixeiros, vendedores de bebida que andam com caixas de isopor. O torcedor passa correndo, mete a mão e já era. Mas o espertalhão corre risco se agir no estádio do Palmeiras. Caso integrantes da Mancha Alvi-Verde vejam, obrigam a devolver ou pagar pelo produto.

Mas na rotina da porta dos estádios há dias em que o problema são as próprias organizadas. Os ambulantes contam que mais de uma vez a torcida do Palmeiras brigou entre si. Vira um corre-corre e o jeito é baixar a lona e buscar refúgio no carro até a poeira assentar. No Itaquerão, já aconteceu de os corintianos se desentenderem e os caixeiros se darem mal. A Polícia Militar apareceu e foi recebida pela Gaviões da Fiel com uma chuva de latas.

Quase 90 minutos de monotonia

A parte mais aguardada pelos torcedores é nada empolgante para os ambulantes. Eles têm pouco a fazer enquanto a partida se desenrola. Como estão nos mesmos locais semana sim, semana também, se conhecem e rodas de conversa são formadas. E não é pecado filar um lanche na barraca do vizinho.

Não significa que o jogo é ignorado. Torcedor feliz é um consumidor melhor. Mas em dias de chuva, nem goleada convence o cliente a ficar embaixo de uma barraca. Sentar nas banquetas ao redor das mesas de plástico se torna inviável.

Os ambulantes estão ao lado dos cartolas na crítica aos jogos das 21h45. Quando a partida acaba tarde, o cliente corre para não perder transporte público e come em casa mesmo.

Bem diferente de partidas da Libertadores. No dia em que o Corinthians foi eliminado pelo Nacional, o UOL Esporte contou mais de 500 ambulantes entre a saída do metro e a porta do Itaquerão. Não há lugar predeterminado para ficar, mas funciona a regra das instituições militares de que antiguidade é posto.

Daniel Mizutani Munhoz trabalha há 14 anos em porta de estádio e ninguém monta barraca no lugar do “Japa”. Gislaine Chuchuan também é veterana de porta do estádio, começou em 1996. Além de cadeira cativa, ela se tornou amiga de clientes que muitas vezes passam apenas para dar um oi.

“Se eu não apareço, eles mandam WhatsApp perguntando se aconteceu alguma coisa”.

Provável que a consideração exista mesmo sem os torcedores saberem que pagam preços mais baratos. Os ambulantes revelam que em "balada de boy" os valores sobem em média 20%.

Fecha a conta

Quando as imediações do estádio ficam vazias, começa o clima de final de feira. Nas barracas de comida o que pode ser reaproveitado vai parar em sacos e potes de plásticos. Os vendedores de camisas e bandeiras desmontam os varais enquanto os de bebidas esgotam as caixas de isopor - água é excesso de peso. Eles vão embora deixando imensas poças. As vendas acabaram, mas logo tem mais.