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Eles estão desempregados e foram tentar ganhar a vida na porta de estádio

Gildazio - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Casal acorda às 4h30 para vender bolo em praça e, à noite, bebidas em estádios
Imagem: Felipe Pereira

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

17/07/2016 06h00

A crise levou gente com Ensino Superior a vender bebida em porta de estádio. Tecnóloga em Logística, Luciana Müller é mais uma ambulante com uma cerveja na mão repetindo o bordão: “três por dez. Latão é sete”.

Ninguém está fora de casa carregando peso e mexendo com gelo em dias frios por opção. O índice de desemprego no país está em 11,2% e boa parte dos vendedores de bebida perderam o emprego por causa da crise. A maioria dos ambulantes sai da periferia para os estádios porque é a maneira mais barata de fazer algum dinheiro.

Para começar o negócio são necessários R$ 350 por uma caixa de isopor, carrinho para carregá-la e o estoque. O período na porta dos estádios é apenas um dos turnos de trabalho. Estas pessoas também fazem faxina, bolo, vendem chocolates e o que mais render um trocado.

Ambulante em tempo integral

Desempregada, Luciana trabalha de faxineira, faz bolo para fora e vende bebidas em porta de estádio para manter filho e escola particular - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

Desde que perdeu o salário de R$ 5,6 mil, Luciana Müller experimenta uma profunda queda no padrão de vida. Cortou a TV a cabo, produtos de beleza, roupas novas e trocou o sobrado por um apartamento quarto e sala. A garagem abriga um carro mil ao invés do sedan. Mas ela não admite tirar o filho do colégio particular.

“Educação é tudo”, resume.

Para bancar os R$ 916 de mensalidade, Luciana trabalha de faxineira, faz bolo para fora e vende bebidas em porta de estádio. A renda mensal varia entre R$ 2 mil e R$ 3 mil mensais e a família vive apertada. A ambulante confessa que às vezes atrasa uma fatura de luz ou água.

“Não sei se mês que vem vou conseguir pagar todas as contas. Dá um apavoro”.

O sufoco vai durar pelo menos um ano e meio, tempo que falta para o filho terminar o Ensino Médio. O drama de Luciana começou em maio do ano passado. Neste mês a empresa de descarte de lixo hospitalar em que ela era gerente de logística fechou a unidade de São Paulo. A vida estável acabou.

Oito bocas para alimentar
Noemio trabalha de ambulante para sustentar a mulher e sete filhos - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira


“Deixa o currículo que a gente liga se precisar”. A frase foi ouvida mais de 50 vezes por Noemio Francisco dos Santos no último ano. As palavras martelam a cabeça porque são sete filhos para cuidar.

Sem renda fixa desde que metade dos auxiliares de limpeza do Hospital Heliópolis foi cortada, o homem de 50 anos virou ambulante em tempo integral. Durante o dia, vende chocolate nos trens de São Paulo. À noite, bebidas nos estádios da cidade.

"Gente do bem, que não quer o errado, vai fazer o pão dessa maneira”.

Conforme os meses sem trabalho se acumularam, cresceram as privações. Carne vermelha é coisa do passado. Hoje é salsicha de segunda a sábado e frango no domingo. Pizza, churrasco, passeio no shopping e viagens viraram lembranças. As roupas são as mesmas de invernos passados.

E quando a fase é ruim dá tudo errado. Perder a carteira de identidade virou uma dívida de R$ 1 mil porque alguém usou o RG dele para assinar uma TV a cabo. Noemio ficou sabendo no final do ano passado, quando recebeu uma ligação do setor de cobranças da empresa.

Ele explicou que na região em que mora sequer chega TV a cabo e jamais contrataria o serviço. Resignado, disse que ficaria com o nome sujo porque tira cerca de R$ 1,5 mil por mês.

Foi com alívio que recebeu outro telefonema avisando que se tratava de fraude e o débito foi sustado. Conseguiu se livrar de um problema, mas não resolveu sua situação. Nem acha que a solução vai ser rápida.

"Não vejo jeito de melhorar em pouco tempo".

Um braço para três produtos
Araujo - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Com um braço, André Jesus de Araujo vende bebidas, churrasquinho e amendoim
Imagem: Felipe Pereira

André Jesus de Araujo, 33 anos, viveu uma verdadeira quarta-feira de cinzas neste ano. Na volta do feriado do carnaval o patrão anunciou a demissão depois de 14 anos de firma. E ele não tinha como reclamar.

Começou na empresa de esquadrias como montador, função que desempenhou até perder o braço esquerdo num acidente em 2009. O proprietário fez questão de manter André no trabalho e houve uma transferência para o almoxarifado.

Mas era outra época na economia. A nova classe média realizava seus sonhos de consumo e o Brasil era a sexta economia do mundo. Bem diferente de agora, quando o patrão explicou que os pedidos caíram muito e que segurou André o quanto pôde.

E em tempos de crise, portador de deficiência sofre ainda mais. Virar ambulante foi a alternativa que apareceu. O portfólio de André é grande: bebidas, churrasquinho e amendoim - com saquinhos pendurados num barbante que cruza seu peito.

Para dar conta, ele leva algum vizinho que cuida da caixa de isopor ou da churrasqueira. Com este esforço mantém a mulher, a filha de 5 anos e o filho de 5 meses.

“A gente corre atrás. Graças a Deus, paga as contas”.

De empresário a ambulante


Dormir no mesmo horário que garçons e acordar na mesma hora que entregadores de jornal. Em dias de jogos esta é a rotina do casal Gildazio Soares de Souza, 27 anos, e Fabiana da Silva Sousa, 28 anos.

Eles acordam às 4h30 para vender bolo e café numa praça de Tremembé, bairro de São Paulo em que moram. Seria menos difícil se não tivessem de deixar os filhos de oito e três anos dormindo.

À noite, o casal bate ponto nos estádios. Por sorte, uma tia cuida das crianças porque em partidas das 21h45 Gildazio e Fabiana chegam em casa de madrugada.

Esta é a realidade deles desde 26 de maio, feriado de Corpus Christi. A dupla comprou bebidas para vender na Marcha para Jesus, mas tudo encalhou. Para se livrar do estoque, foram aconselhados a tentar a sorte no clássico São Paulo x Palmeiras no domingo seguinte. Fizeram um bom lucro.

O dinheiro chegou em ótimo momento. Há seis meses Gildazio fechou sua estamparia por falta de clientes e o dinheiro com a venda do maquinário estava no fim. Para piorar, a mulher foi demitida de uma farmácia em maio.

Quando as cinco parcelas do seguro desemprego de Fabiana acabarem, o casal vai se virar apenas com o dinheiro que tirarem sendo ambulantes. A família não acredita que neste período a situação do país vai melhorar.

Eles fazem as contas para o orçamento caber na nova realidade. Nos estádios, a média é investir R$ 150 em cerveja, água e refrigerante por jogo e fazer o dobro. E em dezembro as competições acabam. O que está ruim deve piorar.

Pague o aluguel

A rotina de desempregado faz Marcos Silva Júnior, 18 anos, ter saudades dos dias em que acordava antes do sol para ir trabalhar. Padeiro, o garoto se apresentava às 5h. Ao perceber o movimento fraco, o rapaz antecipou que a demissão estava perto. Ela chegou em 19 de março.

As idas ao Centro de Apoio ao Trabalhador, órgão de realocação da prefeitura de São Paulo, foram tão inúteis quanto o diploma de padeiro do Senai. Mas não serviram de desculpas para deixar de ajudar em casa.

A irmã mais velha, de 26 anos, repetiu o discurso de 2011. Há cinco anos a mãe deles morreu vítima de insuficiência respiratória e Marcos passou a ter obrigações de adulto.

Ela explicou que ganhava pouco para sustentar os dois, que não podiam contar com o pai para nada e o caçula teria de se virar. Intimado, arranjou o primeiro emprego e se tornou lavador de carros aos 14 anos.

Virar padeiro com carteira assinada aos 16 significou entrar para o mundo dos adultos. Pagar a parte no aluguel, água e luz ficou fácil. Hoje, arranjar R$ 700 é a maior preocupação de um jovem de 18 anos.

“Não sei o que é um shopping, uma festa faz tempo. Vou ir como se tô duro?”