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Herói do Botafogo, Maurício conta a mentira que fez time sair da fila

Ex-atacante Maurício (esq.), do Botafogo, apareceu em foto ao lado do técnico Paulo Roberto Falcão - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

04/08/2016 06h00

“Aquele gol é a história da minha vida, um divisor de águas”. Assim o ex-atacante Maurício classifica o tento que deu ao Botafogo o título carioca de 1989 e, consequentemente, tirou o time alvinegro de uma fila de 21 anos sem conquistas A bola na rede garantiu a vitória de 1 a 0 sobre o Flamengo em um Maracanã abarrotado, em jogo que marcou a carreira do jogador e o colocou em outro patamar – levando-o ao futebol espanhol (Celta de Vigo) no ano seguinte.

Ronaldinho Gaúcho e Maurício, ex-atacante do Botafogo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
A história, porém, poderia ter sido outra, não fosse uma (saudável) mentira contada por Valdir Espinosa – então técnico do Botafogo – a Maurício no intervalo da partida.

Com gripe, o atacante não fez um bom primeiro tempo e chegou a pedir para ser substituído. Espinosa, então, deu força a seu comandado contando que tinha sonhado que ele marcaria o gol do título. Maurício seguiu em campo e o ‘sonho’ – que na verdade nem aconteceu – se realizou.

“Eu não ia jogar, eu tive gripe, uma febre acentuada. Eu tive um furúnculo que me ocasionou uma íngua. Eu joguei no domingo [primeiro jogo da final do Carioca] e segunda passei muito mal. Na quarta eu melhorei um pouquinho, mas eu tive muita febre e não podia tomar nenhum tipo de medicamento porque poderia acusar no exame antidoping, e o Flamengo na época estava metendo o pau na gente porque a gente ia usar algum tipo de artificio, que tinha que fazer exame antidoping em todos os jogadores do Botafogo, e isso serviu como um incentivo para gente, saiu em vários jornais que eles iam pedir exame antidoping e que a gente não tinha capacidade de ganhar no Maracanã porque a torcida do Flamengo era maior. Fizeram o maior auê com a gente e tudo serviu de incentivo”, lembra Maurício em entrevista exclusiva concedida ao UOL Esporte.

Nilton Santos falou assim: ‘Eu sei que você está mal, mas sabe quem é que vai estar com você ali? Mané Garrincha. Foi um negócio impressionante'."

“Só que eu estava mal. Eu chamei o grupo no meu quarto e falei que não iria jogar. Eles falaram: ‘Não, você vai e nós vamos correr por você, porque você costuma fazer gol no Flamengo, então você vai jogar’. Aí eu fui, cheguei ao vestiário e o Nilton Santos viu todo mundo correndo no vestiário, fazendo aquecimento e eu parado ali, andando bem devagarzinho. E o Nilton Santos falou assim: ‘Eu sei que você está mal, mas fique tranquilo porque você sabe quem é que vai estar com você ali’? Aí eu falei: ‘Não, quem’? Aí ele: ‘Mané Garrincha’. E ele me abraçou. Foi um negócio, assim, impressionante”, recorda.

Valdir Espinosa me falou: 'Eu sonhei que você faria o gol do título, eu não vou tirar você'. Fui para o campo e não é que faço o gol do título?"

“Aí eu fui para o jogo e o Leonardo, lateral esquerdo do Flamengo, estava jogando demais, e eu desci as escadas do Maracanã chorando, porque eu queria correr, queria driblar e não conseguia driblar. Aí veio o Valdir Espinosa, me abraçou e falou: ‘Negão, como você está’? Eu falei assim: ‘Eu vou me esconder no vestiário, tu bota o Donizete ou o Mazolinha aí’, e ele falou: ‘Não, nada disso, eu sonhei que você faria o gol do título, eu não vou tirar você’. Aí eu fui para o campo e não é que eu faço o gol do título [risos]? Aí depois, na entrevista, o Valdir disse: ‘Eu falei que ele ia fazer o gol, que eu tinha sonhado, mas era tudo mentira, era para incentivar ele a jogar [risos]. Você vê que safado? Mas ele é maravilhoso, é nosso psicólogo, amigo, parceiro, é um cara fantástico. Aquele grupo foi Deus que juntou”, conta.

Caso de racismo no Rio Grande do Sul

Um ano depois do título histórico, Maurício foi parar na Espanha, onde defendeu o Celta de Vigo de 1990 a 1991. Ao voltar, acabou sendo vítima de racismo em uma loja de carros. De acordo com o ex-atacante, sua cor e o jeito que estava vestido fizeram com que ele não fosse atendido por 30 minutos. Só depois de ele acionar o gerente que a compra foi realizada.

“Foi no Rio Grande do Sul, eu fui comprar um carro e eu cheguei da Espanha muito queimado de sol. Na Espanha o sol era muito forte, e eu já sou preto, e eu gostava de andar de macacão sem camisa e chinelos, aqueles trançadinhos da Bahia. E eu entrei numa loja da Ford e as pessoas não me atenderam porque eu era negro e estava daquele jeito. Eu simplesmente rodava a loja e não vinha ninguém me atender, não me atenderam. Aí eu peguei e fui ao gerente e falei: ‘Olha, eu queria comprar aquele carro ali, conversível, à vista, mas eu não estou tendo atendimento, você pode me atender? Agora se eu fosse você eu mandava todas aquelas meninas e aqueles rapazes embora porque eu já estou aqui há meia hora e ninguém veio me atender para apresentar o carro’. Aí ele pegou um jornal e eu estava na capa do jornal, eu tinha vindo da Espanha. Aí ele falou: ‘Pô Mauricio, me desculpa, o que você quer’? Eu falei: ‘Eu quero aquele carro ali, eu quero sair daqui a uma hora, se daqui a uma hora você me der o carro eu trago o dinheiro pra você, pago em dólares, ai eu saí da loja, todos ficaram me olhando, saí com o carro conversível, fez aquele barulho. Cabelo todo jamaicano e saí da loja [risos]”, conta o ex-atacante, que durante toda carreira só foi alvo de racismo no Brasil.

As pessoas não me atenderam porque eu era negro e estava [vestido] daquele jeito.

“Joguei na Espanha e na Coréia e nunca sofri racismo. Tive esse aqui no Rio Grande do Sul, e na Coréia eu era o único neguinho, hein [risos]? Eu fui campeão Hyundai, fui o primeiro brasileiro campeão na Coréia em 95... Na Espanha, antes, eu fiquei um ano e meio por causa de uma briga de empresários. E eu fiquei até triste porque falaram que eu não fui bem na Espanha... Pô, ninguém estava lá pra me ver [risos]. Tem que estar lá pra ver, meu irmão. Eu fui tão bem na Espanha que o Celta de Vigo queria renovar comigo, mas o empresário não queria porque estava pedindo muita grana mesmo. E aí acabou a briga e eu falei: ‘arrumei um time para ir, vou para o Grêmio’. Pronto, foi coisa de Deus. Cheguei no Grêmio, fui campeão e fui convocado para a seleção brasileira pelo Falcão. Quer melhor presente que isso [risos]?”, diz.

Carreira de modelo e mulherada em cima

Nascido no Rio de Janeiro em 29 de setembro de 1962, Maurício chegou a conciliar o futebol com o trabalho de modelo, ainda no início da carreira – já havia passado por Bonsucesso-RJ, Rio do Sul-SC e América-RJ antes de enfim chegar ao Botafogo, em 1986. Além de jogar, ele desfilava por duas fabricantes de jeans, e aproveitava o sucesso dentro e fora de campo para também se dar bem com as mulheres, conforme recorda o ex-atacante.

Tinham modelos que eram lindas, e nessa época já chovia mulher na horta. Jogando, modelo, com dinheiro, já era [risos].

“Desfilar era o meu hobby. Eu era bem magrinho, neguinho e estava em atividade. Eu desfilei nas feiras de jeans aqui no Rio de Janeiro, tinha uma feira só de Jeans, era o maior barato. Aí chamavam os artistas e eu desfilava ali, ganhava todo material. E até hoje eu sou vaidoso com este negócio de roupa, então eu ganhava as roupas, ganhava um ‘cachezinho’ e desfilava nas horas extras. E tinham modelos que eram lindas, nessa época já chovia mulher na horta [risos]. Jogando, modelo, com dinheiro, já era [risos]”, brinca Maurício.

Parceria com Dener na Portuguesa

Depois de voltar da Espanha e defender em sequência os dois principais times do Rio Grande do Sul, Grêmio e Internacional, Maurício foi vendido para a Portuguesa, em 1993. Foi quando teve a oportunidade de jogar com um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro que, fatalmente, acabou perdendo a vida um ano depois, em um acidente de carro em 1994.

“Eu disputei um bom brasileiro com o Grêmio e depois eu não sei o que aconteceu, precisavam vender alguém... Eu era a bola da vez e aí me venderam para a Lusa, do Canindé, onde eu tive um grande encontro profissional que foi com o Dener. O ataque era eu, Nilson e Dener, só isso. Ainda tinha Bentinho, Capitão e o Cristóvão, hoje treinador do Corinthians, Zé Maria e Zé Roberto, hoje no Palmeiras, nas laterais...”, recorda Maurício, que depois foi parar na Coréia.

“Era um timaço da Portuguesa, e ficamos em terceiro lugar no Campeonato Paulista. Aí eu fui jogar contra o Corinthians e os caras da Coréia queriam um atacante, e indicaram o Viola, mas naquele dia contra o Corinthians eu estava com tudo. Eu driblei o Gralak, zagueiro do Corinthians, driblei o goleiro e fiz o gol, aí os caras falaram: ‘Leva o Maurício [risos]’, e eu fui parar na Coréia, cara [risos]”, lembra o ex-atacante, hoje com 53 anos de idade.

Faltou mais seleção na carreira...

Apesar de figurar entre os principais atacantes do país de sua época, Maurício foi pouco lembrado pelos técnicos que passaram pela seleção brasileira. O próprio ex-jogador diz não saber o motivo de não ter tido mais oportunidade com a camisa verde e amarela.

“Aqui no Rio, de ponta mesmo, era eu e o Renato Gaúcho, tanto que nos programas de televisão só dava a gente. Então eu não sei por que, não fui mais convocado pra seleção. O que faltou para mim foi me deixarem jogar... Se eu provei que jogava no Rio de Janeiro, numa grande equipe daqui, e no Sul – e não é qualquer um que joga nos dois, Grêmio e Internacional – e no Celta de Vigo, da Espanha... Eu tinha bagagem, então achei que eu poderia ter ido muito bem na seleção. A gente pensa só um dia em chegar na seleção brasileira principal e eu tive uma passagem pré olímpica em 1987, com o Carlos Alberto Silva, uma passagem na seleção principal com o Paulo Roberto Falcão, um dos meus ídolos do futebol, então foram emoções fantásticas, eu já mais vou esquecer desse momento da minha vida”, recorda.

Trabalho social e ‘caça talentos’

O futebol continua acompanhando Maurício, que hoje, além de ser dono de uma corretora de imóveis, faz um trabalho social e busca novos talentos dentro de campo. A ideia é coloca-los, inicialmente, em clubes brasileiros. Caso isso não aconteça, a tentativa acontece fora do Brasil.

“Hoje eu tenho uma corretora de imóveis, e estou trabalhando com futebol. Arrumei agora um sócio, o Zé Carlos, um p... de um empreendedor. O trabalho é empresariar jogadores. Eu tenho um trabalho social nas comunidades e pego os garotos, pinço, coloco nos torneios, fazemos os vídeos dos garotos e enviamos para fora, este é o nosso objetivo. A prioridade é colocar os garotos nos clubes daqui; não tendo abertura aqui, a gente excursiona, então esse é o nosso objetivo. É um trabalho social voltado para o profissional. A comunidade chama Instituto Craque do Futuro. Hoje eu estou com 53 anos, novinho em folha [risos]”, completa.