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Meia do Inter abriu mão de bolsa nos EUA para jogar na Venezuela

Ricardo Duarte/Inter
Imagem: Ricardo Duarte/Inter

Jeremias Wernek

Do UOL, em Porto Alegre

26/08/2016 06h00

Luis Manuel Seijas poderia estar em um amplo escritório, despachando como CEO de uma multinacional ou até de um clube. Poderia ter o passaporte recheado de carimbos e recordações de uma carreira bem-sucedida de executivo. Mas aos 30 anos, ele está no Brasil. Vive os primeiros meses de um contrato de três anos com o Internacional e tem uma missão: abrir as portas do futebol brasileiro para os jogadores venezuelanos.

Ao UOL Esporte, Seijas remonta a trajetória que o fez se tornar jogador de seleção, um dos melhores do continente - na tradicional eleição do jornal El País, e o desembarque em Porto Alegre. Após longa negociação entre Inter e Santa Fe-COL.

“Quero fazer como fizeram Juan Arango (com passagem por México, Espanha e Alemanha) e Dudamel (de larga carreira na Colômbia). Mostrar que existem bons jogadores na Venezuela e tirar essa etiqueta que de lá só saem jogadores de beisebol”, explica.

A jornada no Brasil começou em maio e veio depois uma escolha que pouca gente entenderia. Aos 16 anos, Seijas recusou uma bolsa integral na Peen State, a Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

“Meu pai queria morrer”, conta. “Eu olhei para ele e disse que não queria aquilo, queria voltar para Caracas e jogar futebol. Era uma bolsa 100%, uma carreira toda pela frente”, lembra.

Para entender a chance de estudar na Peen State é preciso voltar mais um pouco na linha da vida de Seijas. Filho de um peruano com uma venezuelana, ele nasceu e cresceu na cidade de Valencia, na província de Carobobo. A tia paterna se casou com um americano e firmou residência nos Estados Unidos e o país virou o destino certo das férias da família.

Um dia, durante as férias, Seijas chamou atenção de olheiros da Universidade. Foi convidado a fazer um teste e passou. O histórico de formação no Caracas também ajudou. A oferta era tentadora: bolsa 100% e com total liberdade para escolha do curso a ser realizado.

Luisma, como é chamado pela família e amigos, pensou até perto da data limite. Na hora H, chamou o pai e comunicou a decisão: não iria para a Universidade. A formação em ‘Business e Administration’ ficou para trás. Aquele era o segundo ‘não’ dele para a família.

Dos 10 aos 13 anos, por influência da mãe, Seijas jogou tênis e golf. A separação dos pais deixou a iniciação no futebol para mais tarde. Depois de ganhar campeonatos com a raquete na mão, decidiu largar a vida nas quadras e entre os buracos. Por influência do pai, ele fugiu do lugar comum na vida da maioria das crianças venezuelanas também. Não pegou taco e luva para jogar baseball, mas sim meião e chuteira.

Fluente em inglês, Luis Manuel Seijas já surpreende a todos pela rápida adaptação ao português. Esposa e filha estudam o idioma com professora particular. O filho mais velho frequenta escola americana, em Porto Alegre. Em Bogotá, o jogador cursou dois anos de administração, mas trancou a faculdade pela rotina puxada entra família e clube.

Até hoje mantém contato com o presidente do Santa Fe-COL, Cesar Pastrana. Os dois brincam sobre a carreira para depois do futebol e uma volta como diretor executivo anima os diálogos. Além do dirigente, o técnico Gerardo Pelusso é outro amigo frequentemente buscado ao telefone. Pelusso comandou o time colombiano em sua recente ascensão como um dos mais fortes no país e entre os protagonistas na América do Sul.

O Chavismo e Seijas

Além de meia, ídolo no Independiente Santa Fe-COL e eleito melhor do continente em sua função pelo jornal El País, em 2015, Seijas também é um personagem como filho de um país que mudou muito nas últimas décadas. A transformação da Venezuela com a revolução bolivariana pegou toda a população pelo braço. Uns com mais força, outros com mais carinho.

Bem articulado, Seijas faz questão de ler o noticiário e se manter abastecido dos relatos familiares sobre a vida na terra natal. Depois da morte de Hugo Chávez, Nicolas Maduro assumiu o poder. As reservas naturais do país estão lá, mas a qualidade de vida despencou. Itens de necessidade básica simplesmente sumiram e a reação é de completa incredulidade.

“Não é mentira, é real, tem coisas que não se consegue no país. Não tem lógica, não faz sentido. Tem gente que apoia, mas tem gente que quer uma virada da coisa”, comenta. “Sei que muita gente optou por uma mudança por não ter oportunidades, e isso é compreensível também”, completa.

A mãe de Seijas viu o negócio fechar as portas ainda no começo dos anos 2000. Dona de uma fábrica de tintas, ela não aguentou a mudança no país. O pai, dentista, também sentiu a alteração na lista de prioridades da população.

“A política me interessa, claro. Muito. Ela toca a vida de todo mundo por vários lados. E minha família está lá, sou obrigado a acompanhar sempre”, resume.

Em Porto Alegre, Seijas se derrete ao futebol brasileiro. Seu nível técnico, intensidade de jogo e estrutura. “Falei para amigos de Bogotá que o Santa Fe ganhou a Sul-Americana (em 2015, diante do Huracán-ARG) só com pulmão e coração. A estrutura aqui é incomparável”, destaca.

No Internacional, Luis Manuel Seijas ganhou espaço não só como titular do time. Já é tratado como um dos líderes do vestiário. E se um líder precisa estar pronto para dizer não, quando for a hora, e ter história para contar, o camisa 23 está mais do que pronto para ocupar o posto no Beira-Rio.