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Kardec sofre na China com treino confuso e até suspense com a comida

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Imagem: Divulgação

Marina Galeano

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/09/2016 06h00

À beira do campo, o técnico coreano passa a instrução para o tradutor chinês. Outros três profissionais são responsáveis por traduzir essa mesma informação ao português, ao inglês e ao espanhol. Assim é a rotina de treinos do Chongqing Lifan, time da primeira divisão da China e o novo clube de Alan Kardec desde o final de julho. “Às vezes tem oito caras dentro do gramado. Uma confusão só”, conta o ex-atacante do São Paulo, que concedeu entrevista ao UOL Esporte.

Além da bagunça, surge outro problema. Até chegar ao brasileiro, a longa explicação do treinador Chang Woe-Ryong vira uma fala de apenas dez segundos. “Praticamente um telefone sem fio”. Como esperado, a comunicação é o principal obstáculo de Kardec na cidade interiorana de Chongqing, inclusive fora do futebol. Em menos de dois meses no país asiático, ele já tem muita história para contar.

Por precaução, o jogador não sai de casa sem seu kit de sobrevivência: uma lista no celular escrita em mandarim com os endereços que costuma frequentar e dinheiro para o táxi (estrangeiros precisam passar por um longo processo para tirar carteira de motorista, fora a dificuldade de entender as placas de trânsito). Mesmo assim, os perrengues são inevitáveis.

Kardec na china - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
Certo dia, entrou no táxi e apontou o destino na tela do seu telefone, uma churrascaria. Ao checar o endereço, o motorista começou a falar e a fazer gestos, mas não saía do lugar. “A gente não entendia nada. Só dizia ‘vai, vai’. Aí, ele acelerou o carro, deu uma pequena volta e parou do outro lado da rua. A churrascaria ficava logo ali”, relembra o atacante, aos risos.

Embora tenha o tradutor do clube à disposição, Kardec decidiu providenciar uma tradutora particular para acompanhar sua mulher, Celeste, nas tarefas básicas do dia a dia. Ir ao mercado sozinho? Missão quase impossível --as letras impressas nos produtos e nas prateleiras são enigmas indecifráveis. “Não dá para saber o que é sal ou açúcar. Comprei linguiça para fazer churrasco e, quando experimentei em casa, vi que era linguiça doce. Joguei tudo fora.”

Comida, aliás, também foi uma pedra na chuteira do camisa 27 do Chongqing Lifan. O excesso de pimenta e tempero tirou seu apetite em muitas ocasiões. “Só de sentir o cheiro, não conseguia comer”. Quando ia a um restaurante, procurava nem saber que tipo de carne chegava no prato, para não ser surpreendido. “A estratégia é não perguntar”, ensina, já escolado no assunto.

Agora, as coisas estão bem mais fáceis nesse sentido. Junto com Celeste e Maria, sua filha de um ano e meio, o jogador trouxe uma funcionária do Brasil que trabalha há tempos para o casal. Ela faz comida brasileira e repassa as instruções de preparo a uma empregada chinesa, contratada recentemente.

Alan Kardec tem vínculo com o Lifan até o fim de 2018, porém, se diz tão satisfeito em relação às condições financeiras oferecidas pelo futebol chinês, que planeja estender sua permanência no país. Só com as premiações recebidas em caso de vitória, consegue se manter sem mexer no salário. As drásticas diferenças culturais não o assustam mais.

Passado o choque inicial, ele se adaptou bem à nova vida e vem fazendo progressos consideráveis --aumentou o vocabulário no mandarim para cinco palavras: obrigado, onde, bom dia e, “o principal de tudo, direita e esquerda”. Sim, andar pelas ruas de Chongqing ainda é um desafio enorme. “Nunca me perdi, porque nunca sei onde estou.”