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"Covarde?" James está sob pressão para votar sobre guerra na Colômbia

James Rodriguez em ação pela Colômbia, meia sofre pressão para apoiar plebiscito  - Xinhua/Juan Páez/COLPRENSA
James Rodriguez em ação pela Colômbia, meia sofre pressão para apoiar plebiscito Imagem: Xinhua/Juan Páez/COLPRENSA

Do UOL, em São Paulo

28/09/2016 06h00

No próximo fim de semana, a Colômbia vai às urnas para votar se aceita, ou não, o acordo entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) que promete pôr fim a 52 anos de conflito no país. Os termos já foram acertados e uma cerimônia realizada na última segunda deu o penúltimo passo para encerrar o conflito. O último é o plebiscito que pergunta à população se ela aceita os termos entre governantes e guerrilheiros. E é aí que entra James Rodriguez.

O meia do Real Madrid é hoje uma das figuras mais populares da Colômbia. Só que, ao contrário da maioria das outras celebridades do país, ele ainda não se posicionou a respeito do plebiscito. “James tem ainda uma semana para fazer um gesto de maior coragem por seu país do que qualquer outro troféu que possa conquistar, inclusive a Copa do Mundo; ele tem uma semana para mostrar se o seu interesse pelo dinheiro é maior do que o bem comum dos colombianos, se é um covarde ou um valente”, escreveu John Carlin, autor de “Conquistando o inimigo”, livro que retrata o papel do rúgbi na África do Sul de Nelson Mandela pós-apartheid e inspirou o filme “Invictus”.

O artigo, publicado no jornal El Pais, é um apelo do autor para que James diga “sim”. Mais que um simples plebiscito, o voto do próximo domingo pode sacramentar um dos momentos políticos mais importantes da América do Sul no século XXI. Na visão do jornalista, o apoio do jogador é fundamental para que as tratativas de paz sejam colocadas em prática. 

James poderia mudar o cenário

Para selar o fim da guerra nos termos do acordo, o governo colombiano precisa que o “sim” vença o “não” no próximo domingo – e que pelo 13% do povo vá às urnas, o que não tem sido comum em um país em que o voto não é obrigatório. As últimas pesquisas apontam que a negociação deve ser aprovada nas urnas, mas a última semana é considerada essencial em uma corrida apertada. Na visão de John Carlin, a presença de James poderia ser decisiva a favor do fim do conflito. Ele ainda acrescenta que o jogador foi contatado pela campanha, mas até agora não se pronunciou.

Ao contrário do meia do Real, já se disseram a favor do acordo o atacante Falcao Garcia, o ciclista Nairo Quintana (atual campeão da Volta da Espanha e líder do ranking mundial da modalidade), o cantor Juanes e a atriz Sofia Vergara. Na última terça, Shakira anunciou que se juntou à campanha com uma mensagem em seu Twitter.

“’Se faz o caminho ao andar...’ Colômbia minha, falta pela frente. Cuidar e cimentar os nossos filhos é cimentar um caminho de paz”, disse a cantora.

Além dos famosos locais, a comunidade internacional parece dar razão ao acordo. A cerimônia da última segunda, realizada na cidade de Cartagena, contou com a presença de lideranças como John Kerry, secretário de Estado norte-americano, e Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU, além de lideranças regionais como Mauricio Macri, presidente da Argentina, Michelle Bachelet, presidente do Chile, e Enrique Peña Nieto, presidente do México.

Neste cenário, se abster não é tarefa das mais fáceis. Mariana Pajón, bicampeã olímpica no BMX e outra expoente do esporte colombiano, foi vítima de uma montagem que a apontava como apoiadora do “não”. Seu irmão usou as redes sociais para tentar esclarecer a questão. “Mariana não participa em campanhas pelo plebiscito. Não apoia o ‘sim’ ou o ‘não’. Sua mensagem é que a paz não se dá em Havana [capital de Cuba, onde foi negociado o acordo], e sim em cada um de nós”, disse Miguel Pajon, segundo o El Pais, no que foi entendido como um sinal de que a ciclista é contra a negociação.

O que representa o plebiscito?

As Farc são um grupo guerrilheiro que se abriga nas florestas colombianas e vive há mais de cinco décadas em conflito com o poder vigente do país. Tratados como terrorista pelas principais potências mundiais, operou ao longo dos anos por meio de assassinatos, sequestros, estupros e desalojamentos. Segundo a entidade ONG Unidad para las Victimas, foram oito milhões de pessoas diretamente afetadas pela guerra no período.

Há quatro anos, o atual presidente Juan Manuel Santos iniciou um processo de negociação pela paz com as Farc. O acordo envolve punição mais branda que o normal aos crimes cometidos, fim da relação com o narcotráfico, reintegração dos guerrilheiros na sociedade e conversão da Frente em um partido político apto a participar do jogo democrático.

Em junho deste ano, governo e Farc entraram em acordo e iniciaram um cessar-fogo. Atendendo a uma promessa da campanha do atual presidente, os termos da negociação só serão colocados em prática se a população aprová-los em plebiscito. O problema é que nem todos estão satisfeitos com o que se promete. Liderados pelo ex-presidente Alvaro Uribe, conservadores fazem campanha para que se diga “não” ao acordo, o que colocaria por terra todas as tratativas dos últimos quatro anos.

A importância do futebol no universo das Farc

O distanciamento que James escolheu tomar é curioso, dada a importância da figura dele no contexto em que se dá a negociação. Em primeiro lugar, ele é importante pelo futebol. Observadores que se colocaram em contato com guerrilheiros das Farc historicamente relatam o esporte como um elo entre as pessoas que vivem como nômades no meio da selva e o mundo como nós conhecemos.

Em julho deste ano, pouco depois do anúncio do cessar-fogo, um jornalista do El Pais visitou um acampamento das Farc e notou que uma das principais mudanças das tratativas pela paz está na vestimenta dos guerrilheiros. Antes acostumados a cores neutras que dificultavam os trabalhos dos helicópteros do exército, hoje eles se sentem aptos a usar camisetas mais chamativas. As escolhas mais naturais são camisas de futebol. A 10 de James, no Real Madrid, é “onipresente”, segundo o relato do repórter.

A agência EFE escreve que o futebol foi, nos piores tempos de conflito, uma forma dos guerrilheiros terem contato com lugares inatingíveis como Madri ou Barcelona. Em um grupo que se define como marxista-leninista, colombianos envolvidos por décadas na guerra esquecem as convicções comunistas para apoiar jogadores como James ou Falcao.

A relação com estes ídolos explica, para alguns, como foi possível chegar ao acordo que está prestes a entrar em vigor. Um artigo do jornal inglês Guardian, no começo do mês, mostrou que o momento econômico favorável, com abertura ao turismo internacional, mudou a imagem da Colômbia no exterior.

O país deixou de ser a casa do narcotráfico, da violência e de Pablo Escobar como era nos anos 1990. Hoje, a melhora de indicativos sociais e o sucesso mundial de estrelas como Sofia Vergara, Shakira e James Rodriguez fazem um conflito armado parecer uma opção bem pior do que era há 30 anos, no auge do conflito.