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Olimpíada e empoderamento inspiram mais mulheres a jogar futebol em SP

Grupo quase dobrou depois da visibilidade do futebol feminino na Olimpíada - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Adriano Wilkson e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

06/10/2016 12h00

A medalha olímpica pode não ter vindo, mas o desempenho da seleção brasileira de futebol feminino no Rio levou muitas mulheres a se aproximarem do esporte mais popular do país.

Em noites quentes ou frias, secas ou chuvosas, um grupo de profissionais e estudantes das mais variadas idades e tipos físicos se reúne na zona oeste de São Paulo para fazer algo que os homens já fazem há muito mais tempo: bater bola depois do expediente.

“Depois da Olimpíada a gente teve um boom”, relata Ana Guimarães, uma das fundadoras do Boleiras, uma iniciativa que quer incentivar as mulheres a jogar futebol. O time existe há um ano e meio, mas ganhou força depois da visibilidade que o futebol feminino experimentou nos Jogos do Rio.

“O número de meninas das nossas turmas praticamente dobrou”, calcula Ana. Antes, elas eram cerca de sessenta. Hoje, são mais de cem.

Todo dia, as Boleiras se encontram para um treino de fundamentos e posicionamento em uma quadra de futsal e depois para um coletivo. A iniciativa é motivo de comemoração para mulheres que, apesar de sempre terem gostado do esporte, nunca conseguiam formar uma equipe que treinasse com regularidade, o que é comum entre homens.

“Eu sempre quis jogar, mas depois que saí da faculdade nunca encontrarei um grupo que se reunisse com frequência”, diz a publicitária Marina Terabay, de 28 anos. “A discussão de gênero e empoderamento que temos feito ultimamente mudou a forma como as mulheres veem o esporte e deu mais incentivo para que a gente ocupe espaços como esse.”

Na Playball, uma famosa rede de locação de quadras de futebol society em São Paulo, já existem horários e turmas específicas para as mulheres há cerca de cinco anos. Recentemente, a empresa organizou um campeonato feminino. “Para a nossa surpresa tivemos 16 equipes e mais de 300 atletas inscritas”, diz Roberto Rondino, administrador do local.

“Nas Olimpíadas a gente pode ver como o futebol feminino cresceu”, afirmou a empresária Mariê, de 27 anos, que costumava jogar bola na época do colégio. “Hoje em dia não tem tanto preconceito quanto há 15 anos. O pessoal está incentivando a mulherada.”

Mesmo assim, muitas delas relatam episódios de assédio no esporte, principalmente quando tentam disputar espaços com homens. Enquanto alguns fazem piadas que questionam a sexualidade e as identidades de gênero delas, outros sugerem que elas jamais conseguirão jogar tão bem quanto homens.

Uma das grandes dificuldades que as mulheres boleiras apontam é a falta de locais públicos que elas possam usar. E “jogar junto com caras é difícil porque eles não nos levam a sério e acabam te tratando como café com leite”, conta Paula Turra, 18, estudante de fonoaudiologia.

“Os espaços públicos, como praças e parques, são todos ocupados por homens”, diz a engenheira civil Nayara Nunes, 25, que joga bola duas vezes por semana, em uma quadra alugada. “A gente ainda não se vê colocando a bola em baixo do braço e pedindo para um time masculino sair da quadra porque é nossa vez de jogar.”

Um dia elas tentaram e tiveram que ouvir piadinhas. “Um cara passou e disse: ‘Agora façam um time com camisa e outro sem camisa’. Essas gracinhas nos ofendem”, conta Ana Guimarães.

Não há política pública para popularizar o futebol entre as mulheres

Nas aulas de educação física ainda é comum que as meninas sejam relegadas a outros esportes enquanto apenas os meninos se dedicam ao futebol (ou ao futsal). Pela falta de intimidade com a bola nos pés, muitas mulheres que querem de aproximar do esporte precisam aprender o básico.

“Em países mais avançados, como os Estados Unidos, Alemanha, França, Canadá, Japão, Austrália”, lista o técnico da seleção feminina de futebol do Brasil, o Vadão, “desde os seis anos as meninas têm onde jogar graças a planos de governo, de prefeituras, das escolas, das universidades... Nós não temos algo assim, e por isso não se consegue desenvolver a modalidade aqui no Brasil.”

A questão de gênero se traduz até em exemplos singelos, como a dificuldade que elas encontram para comprar equipamento básico. Durante a Olimpíada, causou indignação a notícia de que era impossível encontrar nas lojas uma camisa da seleção brasileira com o nome de Marta nas costas, mesmo o time feminino empolgando mais que o masculino.

Também é mais difícil comprar chuteiras do tamanho adequado para o pé delas. E muitas vezes, quando há chuteiras, elas ainda precisam lidar com o estranhamento dos vendedores. “Mas é para você mesmo?, eles perguntam. Eu digo que sim, e eles voltam com vários modelos cor-de-rosa”, conta Ana Guimarães.

Mas elas acreditam que essa realidade possa estar mudando. “As Olimpíadas mostraram que as mulheres podem jogar futebol com mais raça e vontade que os homens”, conta a coordenadora de vendas Patrícia Botelho, 31 anos. “Aos poucos, o pensamento das pessoas vai mudando.”

(Esta reportagem faz parte do Especial #QueroTreinarEmPaz. Quando decide praticar esporte quase toda mulher enfrenta uma série de dificuldades que não deveriam existir. Dificuldades que homens não enfrentam. Se você, só porque é menina, já teve problema para praticar esporte, conte sua história nas redes sociais usando a hashtag #QueroTreinarEmPaz)