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Ele ajudou o Flu a se salvar em 2009 e aprendeu a falar russo em três meses

Epsilon/Getty Images
Imagem: Epsilon/Getty Images

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

01/11/2016 06h00

Sabe aquela história de que jogador de futebol inteligente não existe? Não é verdade. O volante Maurício, do Zenit, de São Petersburgos, é prova disso. Sucesso no futebol do Leste Europeu desde que chegou, há seis anos, ele fez em apenas três meses algo que muita gente demora anos para conseguir fazer: falar russo.

“Eu fui contratado pelo Terek Grozny em 2010. Quando cheguei, não tinha tradutor e eu tive de me virar. Peguei livros e comecei a estudar sozinho. Em três meses, eu já conseguia me comunicar com as pessoas”, conta o jogador.

Salvou o Flu em 2009 e saiu em 2010
Maurício em ação no treinamento do Fluminense - Photocamera - Photocamera
Imagem: Photocamera

Não foi a única “Missão Impossível” que o jogador já enfrentou. Lembra daquele time do Fluminense que tinha 99,9% de chances de rebaixamento em 2009 e se salvou? Maurício fez parte daquele time. “Fui titular das últimas nove partidas daquela campanha”. Lembra.

O irônico foi que o jogador, após virar titular justamente na reviravolta do time naquela temporada, se viu, poucos meses depois, sem vaga no time. “As sondagens do Terek começaram no meio de 2009. Como eu tinha ido bem no final do Brasileiro, achei que teria vaga. Mas quando virou a temporada, a diretoria contratou quatro, cinco novos jogadores para o meio-campo. E eu percebi que o meu ciclo no Fluminense tinha acabado”.

Maurício tinha apenas 21 anos, histórico de convocações para as categorias de base e tinha sido um dos jogadores que ajudou a salvar o time. Mesmo assim, foi liberado quando a proposta oficial chegou. O time russo, da região da Chechênia, pagou apenas 218 mil euros pelo jogador, menos de R$ 400 mil na época.

Chegada à Rússia: "Onde eu fui parar?"
Mauricio no Terek Grozny - Dmitry Korotayev/Epsilon/Getty Images - Dmitry Korotayev/Epsilon/Getty Images
Em ação pelo Terek Grozny: liberdade para atuar no meio-campo, 28 gols e 16 assistências
Imagem: Dmitry Korotayev/Epsilon/Getty Images

“Eu nem sabia direito para onde iria. Quando a proposta veio, eu aceitei porque, ao lado da minha família, tinha decidido que meu ciclo no Fluminense tinha acabado. Eu sabia que o CSKA tinha o Vagner Love, o Dudu Cearense, o Daniel Carvalho, mas não sabia mais nada”, recorda.

Ao chegar à Rússia, se surpreendeu. Vivia em uma cidade de 80 mil habitantes, longe da capital, com poucas opções de turismo e sem ninguém que pudesse servir de tradutor. “Quando cheguei, vi aquela cidade cheia de construções antigas e pensei: ‘Onde eu fui parar?’. Mas eu tinha decidido que iria ter sucesso. Que não seria mais um caso de jogador que aceitava uma proposta para o exterior e voltava em seguida. Por isso, fiz de tudo para me adaptar”.

Não foi fácil. A comida tinha pouca variedade. Era macarrão sem molho e um hambúrguer caseiro todo dia – “era raro ter algo diferente”. Os técnicos evitavam uma relação mais direta. Um deles chegou a dizer para o brasileiro que “não poderia ser seu amigo”. “Ele explicou que quando tiver de me tirar do time, se for meu amigo, o relacionamento vai ser afetado”. Tudo isso só acelerou a adaptação ao idioma local.

“Quando um estrangeiro chega a um time, ele está lá para assumir a posição de um jogador local. E essa situação nunca é simples. Por isso, quando os russos começaram a perceber como eu estava respeitando o país e a cultura deles, que estava me esforçando para aprender o idioma e conversar com eles em russo, as coisas foram ficando mais fáceis”.

Zenit e o sonho da seleção brasileira
Mauricio, do Zenit - Epsilon/Getty Images - Epsilon/Getty Images
Imagem: Epsilon/Getty Images

Em seis temporadas pelo Terek, foram 28 gols e 16 assistências, mesmo jogando em uma função mais recuada no meio-campo. Foram esses números que convenceram um dos gigantes do futebol russo a olhar para o brasileiro. Quando seu contrato com o clube da Chechênia terminou, ele recebeu uma proposta do Zenit, de São Petersburgo. Aceitou e virou companheiro de Hulk por lá. Em oito meses, conquistou seu primeiro título como profissional, a Copa da Rússia desse ano, viu o atacante deixar o time e ir para a China e lidou com uma mudança de técnico, saindo português André Villas Boas, chegando o romeno Mircea Lucescu.

Tudo isso o fez relembrar de um sonho: a seleção brasileira. “Eu passei por todas as seleções de categorias de base, mas ainda não fui lembrado pela principal. Eu sei que, no Terek, era quase impossível pensar em convocação. Os meus números no futebol russo até poderiam justificar uma lembrança, mas em um time pequeno da Rússia, dificilmente isso aconteceria. Agora, no Zenit, um clube grande, disputando os principais torneios europeus, pode acontecer”.

A esperança é que a presença de Giuliano, um dos xodós de Tite, ajude. “Com o Hulk e, agora, com o Giuliano sempre sendo convocado, alguém da seleção vai sempre estar acompanhando o time, olhando as partidas. Eu posso chamar a atenção”. Para isso, porém, ele precisa reconquistar a posição de titular: “Eu comecei a temporada como titular, mas o novo técnico começou a fazer mudanças e, em uma delas, o time se acertou. Agora é seguir trabalhando para encontrar um lugar no time”.

Para quem desafiou a matemática com o time do Fluminense em 2009 e aprendeu em três meses um dos idiomas mais difíceis do mundo, não parece uma tarefa tão difícil.