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Crise argentina mistura fama de Lavezzi com drogas e radialista polêmico

Ao lado de Lavezzi (esq.), Messi anunciou rompimento com a imprensa na última terça - Natacha Pisarenko/AP Photo
Ao lado de Lavezzi (esq.), Messi anunciou rompimento com a imprensa na última terça Imagem: Natacha Pisarenko/AP Photo

Bruno Freitas e Fábio Aleixo

Do UOL, em São Paulo

17/11/2016 06h00

Quando se imaginava que a seleção argentina deixaria a tensão dos últimos meses para trás, a relação mal resolvida do grupo com os jornalistas esquentou o ambiente de maneira inesperada. O time de Messi derrotou a Colômbia por 3 a 0 na última terça-feira e melhorou a situação nas eliminatórias sul-americanas. Mesmo assim, a grande atuação do craque do Barcelona ficou em segundo plano. As manchetes do dia seguinte ficaram para o novo capítulo de uma recorrente animosidade entre a equipe nacional e a imprensa do país.

Desta vez, a figura central da polêmica é o narrador Gabriel Anello, uma das vozes mais conhecidas do rádio esportivo argentino. Através do microfone da Mitre, ele é dono de uma grande audiência, de alcance nacional. Na véspera da partida contra os colombianos, o jornalista informou em seu veículo que Ezequiel Lavezzi foi excluído do banco de reservas para evitar o risco de cair no antidoping. O comunicador assegurou que o atacante foi descartado do jogo por ter sido flagrado fumando maconha na concentração da seleção. 

Posteriormente, depois da vitória sobre a Colômbia em San Juan, Lionel Messi liderou o elenco da Argentina em um manifesto presencial diante da imprensa do país. Com microfone em mãos e uma eloquência oral pouco comum de sua imagem pública, o capitão da seleção pediu respeito, rebateu as informações que envolveram a exclusão de Lavezzi da partida e anunciou que os jogadores não falam mais com a imprensa – sem precisar qual a duração da greve de silêncio.   

Horas depois, já na última quarta-feira, Lavezzi usou a internet para anunciar que pretende processar o narrador. Por sua vez, entrevistado pela Fox Sports argentina, o jornalista da Rádio Mitre rebateu o atacante e disse estar preparado para um eventual enfrentamento judicial. 

"Foi uma decisão do plantel e temos que respeitar. Pode ser injusto com o resto da imprensa. Talvez seja excessivo que todos os jornalistas paguem por isso. Mas são as regras do jogo, eles têm o direito de não falar. Às vezes é necessário ter um inimigo, para se fortalecer, para unir mais o grupo", comentou o argentino Tomaz Rudich, editor de esportes na Agência DPA e na Rádio Dotcom. 

Mesma fonte passou "fuga" de Lavezzi em 2014

Narrador Gabriel Anello deflagrou crise na seleção argentina após notícia sobre Lavezzi - Reprodução - Reprodução
Gabriel Anello deflagrou crise na seleção argentina após notícia sobre Lavezzi
Imagem: Reprodução

O narrador da Mitre diz que a fonte que lhe passou a história de Lavezzi foi a mesma que lhe informara que o atacante fora dispensado de um teste antidoping surpresa da Fifa nas vésperas da Copa de 2014. Na oportunidade, a versão oficial da AFA (Associação de Futebol Argentino) foi que o jogador acabou dispensado para resolver assuntos pessoais. Segundo Gabriel Anello e outros jornalistas locais, na verdade o jogador foi preservado (e retirado pelos fundos da concentração) porque se temia um exame positivo.  

Nesta semana, com a polêmica da maconha tomando conta do clima prévio ao jogo contra a Colômbia, Anello foi acuado publicamente por outros jornalistas e por muitos torcedores, através das mídias sociais. A despeito da popularidade, o narrador da Mitre carrega a reputação de ser sensacionalista e divide opiniões mesmo entre colegas de profissão. Assim, com esse cenário, o comunicador resolveu disponibilizar em seu perfil no Twitter uma imagem de reprodução da conversa de Whatsapp com seu informante da seleção – mas sem identificá-lo.   

Radialista do caso é premiado, mas coleciona polêmicas

Gabriel Anello é um narrador de perfil mais crítico, quase radical. Na transmissão da derrota da Argentina para o Brasil, em partida da última semana, o jornalista da Rádio Mitre adotou um tom bastante severo com a seleção, especialmente focado na figura de Edgardo Bauza, chamando o comandante de "técnico de improviso".  

O narrador da Mitre é dono de dois prêmios Martín Fierro, um dos mais renomados do jornalismo argentino, ganhador na categoria melhor programa da rádio. No entanto, Anello coleciona controvérsias em sua trajetória na comunicação. E uma delas, polemizou ao fazer apologia antissemita na internet, exaltando Adolf Hitler e "sua obra". Em outro escândalo público, foi acusado de violência doméstica pela ex-mulher – a mesma que o denunciou por supostamente pagar por suas premiações.    

Discurso de Messi repete cena de Simeone em 1998

A atitude de Messi à frente do elenco da seleção na noite de terça-feira remete a outro episódio que confrontou jogadores do time e a imprensa do país. Em 1998, pouco antes da Copa da França, Diego Simeone liderou um manifesto público diante de jornalistas compatriotas, rebatendo os rumores a respeito de brigas internas.

Simeone lê nota de protesto contra a imprensa em 1998 - Reprodução - Reprodução
Capitão Diego Simeone lê nota de protesto contra a imprensa antes da Copa de 1998
Imagem: Reprodução

Ao lado dos companheiros e do técnico Daniel Passarella, o então capitão leu um comunicado e anunciou que os atletas não atenderiam mais os repórteres. Durante aquele Mundial não houve concessão de entrevistas exclusivas. Os argentinos se pronunciaram apenas em coletivas oficiais da Fifa.

Eleger a imprensa como um antagonista faz parte da cultura recente dentro da seleção argentina. Um dos técnicos que mais habilmente soube usar esse recurso para motivar seus jogadores foi Carlos Billardo, campeão do mundo em 1986. Esta animosidade, inclusive, esteve em pauta durante a vitoriosa campanha na Copa do México.

Mais adiante, Marcelo Bielsa foi outro treinador que desafiou a capacidade da imprensa de cobrir a rotina da seleção, mas desta vez em razão de sua personalidade considerada excêntrica. Técnico argentino na Copa de 2002, "El Loco" se recusava a atender jornalistas individualmente, como forma de evitar privilégios a algum veículo de comunicação. Em coletivas, no entanto, mantinha uma postura quase lacônica e evitava o contato visual.  

Bauza: gota d'água de insatisfação com a imprensa

A revolta com a informação veiculada por Anello no rádio foi a gota d’água de uma relação entre jogadores e imprensa, que já andava desgastada nas últimas semanas, por causa do desempenho decepcionante nas eliminatórias sul-americanas. Essa foi a leitura que o técnico Edgardo Bauza ofereceu em sua entrevista após o jogo contra a Colômbia na terça.

"Acredito que isso vem de algumas semanas, por alguns jornalistas que, com certas declarações, fizeram o copo transbordar. Por isso compreendo a determinação dos jogadores. Eu havia falado com o capitão Messi e os jogadores, e determinamos que apenas eu falaria", declarou o atual treinador da seleção argentina.

A anunciada greve de silêncio foi criticada por Gabriel Anello na última quarta-feira. O narrador da Rádio Mitre classificou o ato contra a imprensa como "covardia" e disse que entenderia se a recusa de entrevistas fosse imposta exclusivamente ao seu veículo de comunicação. Por sua vez, a visão atual na Argentina sobre o trabalho de Bauza é a que o ex-treinador do São Paulo não tem pulso suficiente para controlar o poder excessivo da "turma de Messi". 

"Messi está se 'Maradonizando', com atitudes mais impulsivas, apelando para o sentimento do público. Afinal de contas, está com quase 30 anos também. Estamos vendo um novo Messi", afirmou o jornalista argentino Tomaz Rudich.

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