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Narrador que não embarcou em voo da Chapecoense descarta alívio: "Só dor"

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

30/11/2016 06h00

Não passa nem perto de alívio o sentimento do radialista Ivan Carlos Agnoletto. No domingo (27), menos de 24 horas antes de a equipe da rádio Super Condá viajar a Medellín (Colômbia) para acompanhar in loco o primeiro jogo da decisão da Copa Sul-Americana, ele estava escalado para narrar o duelo entre Atlético Nacional e Chapecoense. Por isso, chegou a constar da lista original de passageiros do avião que sofreu um acidente quando se aproximava do aeroporto José María Córdova – autoridades confirmaram 71 mortes entre os 77 tripulantes do voo.

“Não sinto alívio, cara. Não consegui sentir. O que dá é culpa; é dor. Só dor, cara. Só dor! Tristeza, angústia e uma forte dor no peito”, relatou Agnoletto, com a voz extremamente embargada, em entrevista ao UOL Esporte.

Agnoletto desistiu de viajar quando colegas de outras rádios avisaram que transmitir o jogo da Colômbia era um sonho de Gelson Galiotto, 36, também narrador da Super Condá. Abdicou da ida a Medellín pensando que fazia uma boa ação com um companheiro.

“São quatro rádios de Chapecó que viajam por todo o Brasil para transmitir as partidas da Chapecoense: Rádio Chapecó, Oeste Capital, Vanguarda e nós. Costumamos dividir uma van, e quando estávamos no trajeto para São Paulo eles mencionaram a história do Gelson. Comecei a articular para mudar a escala e mandei uma mensagem para ele. Ele respondeu que ficaria muito feliz com essa chance de viajar, e eu perguntei se ele tinha como pegar o avião no dia seguinte. Decidi que ele viajaria no meu lugar”, disse o narrador.

No domingo, Agnoletto narrou no estádio Allianz Parque a vitória do Palmeiras por 1 a 0 sobre a Chapecoense. Depois, retornou a Chapecó. Galiotto fez o último boletim às 16h (de Brasília) de segunda-feira (28).

“Nós fizemos a troca, mas o pessoal não tirou meu nome da lista de passageiros. Acordei 1h30 com o pessoal dando pêsames para a minha esposa. Ela respondia, ainda sem entender, que eu estava do lado dela”, contou Agnoletto.

“Foi aí que eu comecei a entender o que estava acontecendo. Meu Deus do céu, tinha ido o Gelson no meu lugar! Queria acreditar que não tinha acontecido nada de mais, mas acidente de avião é quase sempre fatal”, completou.

As primeiras informações oficiais oriundas da Colômbia estipularam 75 mortos entre os 81 tripulantes do voo. Depois, a lista foi atualizada com os nomes de quatro passageiros que não haviam embarcado: Luciano Buligon, Plínio Arlindo de Nes Filho, Gelson Merisio e o próprio Agnoletto.

Em poucas horas, o narrador teve de lidar com a dor do luto, a sensação de ter colocado alguém num lugar que seria originalmente dele e o trabalho de explicar ao mundo que não era uma das vítimas do acidente.

“Colocaram minha foto na TV em uma lista de pessoas que tinham morrido! O pessoal podia respeitar, também”, disse Agnoletto. “Não consigo explicar ainda o que é, mas o sentimento é complicado. Eu estava indo, estava credenciado, estava inscrito. Aí, de última hora, atendendo a um desejo dele, mudei”, adicionou o narrador.

Agnoletto também se preocupou com a família de Galiotto. O narrador morto deixou uma filha de três anos: “Estamos tentando dar todo o amparo, mas eles estão bastante desesperados. A consternação é total”.

“O pior agora é saber que temos de recomeçar. Vamos ter de reconstruir até as equipes de esporte das emissoras. Não temos mais comissão técnica, diretoria ou time. Vamos começar tudo de novo. Com muita dor, mas vamos”, encerrou o narrador.