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Relatos do resgate: jornalista entregou aliança e Neto chegou lúcido

Felipe Pereira

Do UOL, em Medellín (Colômbia)

01/12/2016 08h38

A homenagem às vítimas do acidente aéreo com a delegação da Chapecoense, na última quarta-feira (30), em Medellín, contou com a participação de pessoas que trabalharam ou presenciaram a busca por sobreviventes. Duas pessoas que acompanharam o atendimento aos feridos conversaram com o UOL Esporte e relataram os detalhes da fatídica madrugada da última terça.

Os relatos são de Antonio Valencia, da empresa de logística que aguardava a Chapecoense no aeroporto, e de Luiz Afonso, socorrista da Cruz Vermelha que chegou ao local da queda cerca de meia hora depois do acidente. Eles descreveram a noite de segunda para terça-feira da seguinte maneira:

Antonio Valencia
 
"O último contato foi para falar que chegariam às 15h de segunda. Ligaram avisando que não puderam sair de São Paulo Guarulhos, e viriam da Bolívia. Estávamos programados para que chegassem entre 8h30 e 9h da noite (23h30 e meia-noite no horário brasileiro). Quando atrasou, contatamos a torre e falamos que o voo estava programado para 20h45 (23h45).
 
Vimos que havia algo estranho e uma pessoa da torre disse ‘Antonio, não quero te assustar, mas o voo vem com falhas pelo que reportou o piloto. Possivelmente não vai aterrissar aqui'. Em 10 ou 15 minutos nos chamaram e disseram 'Antonio, o avião caiu.’ Não acreditamos, não acreditamos!
 
Começamos a escrever para o gerente [de futebol] pelo WhatsApp. Até aquele momento nenhuma resposta [ele estava no voo] e um policial nos falou que precisávamos ir à zona de Cerro (cidade onde caiu o avião), que havia um carro. Não sabíamos o que fazer. O primeiro que fizemos foi tentar esconder da imprensa. Tiramos os ônibus [do aeroporto].
 
Chegamos, nos identificamos e falamos que éramos o único contato dos jogadores na Colômbia. Nos dividimos entre os hospital que chegariam os feridos. Tive contato com Rafael [Henzel], o jornalista. O último que falei foi Neto. Chegou num estado lamentável, mas chegou lúcido e dizia que queria morrer. Estava com mil fraturas, com hipotermia.
 
Entre os feridos, o que falavam eram Rafael e Neto, os outros estavam inconscientes. O único que nossa equipe falou foi Rafael, que entregou a aliança e pediu que entregasse a esposa (Antonio chora). Já entregamos para a delegação que veio do Brasil. No nosso grupo há um brasileiro encarregado de falar com as famílias. À noite fizemos a última visita com os médicos que chegaram do Brasil, do clube e da federação. Nossa ideia é entregar os corpos e terminar o melhor possível".
 
Luiz Afonso, socorrista Cruz Vermelha
 
"Chegamos meia hora, 40 minutos depois de reportado o acidente. Encontramos uma situação muito crítica. Montamos um plano de trabalho para encontrar pessoas com vida. Resgatá-las e levar para o socorro. O avião estava muito destroçado, mas podia trabalhar. O primeiro sobrevivente era Alan Ruschel.
 
Encontramos o primeiro sobrevivente cerca de uma hora depois. Não é fácil porque o avião estava muito destroçado. Do local onde podíamos chegar com um veículo até onde estava o avião precisava caminhar 40 minutos.
 
A maioria dos corpos estava reconhecível. Não falamos do estado por respeito. Quando veio a hora para parar as buscas temos que obedecer. Chovia muito, com a neblina não se via 2 metros. Tivemos que parar porque primeiro vem a segurança, e ia acontecer outro desastre com o pessoal que estavam trabalhando.
 
Mas, antes, agimos com tranquilidade para tirar [os feridos] com cuidado e transportar até a ambulância. Fazia uma avaliação inicial, se precisava imobilizar para levar o paciente com calma e pressa. Cada pessoa era carregada por quatro ou seis socorristas.
 
Quando terminou a operação, tem que fazer um trabalho de desativação. A pessoa carrega muito a emoção. Consultamos com psicólogos. E estar aqui [na homenagem], fazemos com todo coração. Sentimos muito (chora)".