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Saiba o que Richard estava pensando quando virou menino símbolo da tragédia

Chape menino - Nelson Almeida/AFP Photo - Nelson Almeida/AFP Photo
Richard na arquibancada da Arena Condá: imagem emblemática
Imagem: Nelson Almeida/AFP Photo

Bruno Freitas, Danilo Lavieri, Felipe Vita e Luiza Oliveira

Do UOL, em Chapecó (SC)

01/12/2016 06h00

O menino Richard Ferreira do Nascimento observa, admirado, os balões brancos e verdes que saem da Arena Condá rumo ao céu na noite de quarta-feira. A inocência no olhar do garoto de 7 anos é um oásis em meio à dor que assola Chapecó. Ele não entende bem por que sua mãe o levou para o estádio para prestar uma homenagem, nem por que não vai ter jogo. ‘Por que a Chape morreu!?’, indaga sem saber o real significado disso tudo.

Foi com a mesma inocência que ele se tornou, sem querer, o menino símbolo da tragédia e do amor por um clube. No dia do acidente, uma imagem de Richard cabisbaixo, feito pelo fotógrafo Nelson Almeida, da Agência AFP, sentado nas arquibancadas da arena e de braços cruzados viralizou nas redes sociais. Muito mais que isso. Ultrapassou fronteiras e comoveu o mundo.
 
Mas o que se passava na cabeça do garoto naquele instante, no segundo daquele click? Richard ficou triste porque estava sem seu brinquedo preferido: uma bola. E, na mais doce das superstições, sem ela os jogadores da Chape não poderiam entrar em campo.
 
Richard é fanático pelo time e vai à maioria dos jogos com tio. Sempre com sua bola a tiracolo. Mas naquele dia foi diferente. Sua mãe achou que um momento delicado não era hora para jogar futebol e deixou a bola no carro. O filho ficou bravo e se isolou em um canto da arquibancada. Foi quando o fotógrafo teve a sensibilidade de flagrar o momento.
 
A mãe Maristela dos Santos, de 37 anos, jamais imaginaria a repercussão. “Foi muito natural, ele expressou o mais puro sentimento de tristeza por não ter a bola, por não estar jogando como ele sempre fazia quando o meu irmão levava ele. Ele meio que me culpou porque eu não dei a bola. Na cabeça dele: ‘minha mãe não deixou jogar bola, por isso os jogadores não vão entrar em campo’. Ele até perguntou: ‘que horas vai começar o jogo?’. Para ele, a bola é um símbolo. E também foi um momento de silêncio e de reflexão sobre a vida”, conta a mãe.
 
 
Apenas horas mais tarde ela percebeu que a foto havia se espalhado em uma corrente de solidariedade e amor que a comoveu. “Vi o rapaz batendo a foto dele, normal, estava batendo de todo mundo. Quando eu ligo meu celular, um colega de trabalho tinha avisado que mandaram a foto do repórter. Daí que eu fui ver. No começo da noite, vi todo mundo compartilhando e mandando até de outros países. Fiquei até 4 h da manhã acompanhando pelo Face. Foi uma coisa positiva, teve tanta homenagem, tanta torcida, tantos comentários que dão força para a gente. Ainda mais para nós que somos humildes, pobres”.
 
Maristela fez questão de falar a verdade para o filho e explicar ainda nas primeiras horas da manhã o que tinha acontecido. Mas os sete aninhos de Richard o poupam de uma dor grande. Ele ainda não consegue ter a dimensão do que aconteceu, nem entende que seu ídolo Danilo não estará mais no gol. Chegou a perguntar se os sobreviventes estavam no vestiário se recuperando.
 
A mãe encara o luto e tenta preservá-lo ao mesmo tempo. Enquanto fala, chora várias vezes pelas pessoas que se foram e esconde do filho o próprio sentimento. O instinto de proteção toma conta da dela e vem desde antes de Richard nascer. Maristela teve uma gravidez complicada considerada de alto risco.
 
Durante a gestação, ela ficou internada por várias vezes, sofreu diversas ameaças de aborto e deu à luz com oito meses. Richard nasceu com algumas sequelas. Ele tem um quadro de epilepsia e faz tratamento com psicólogos e psiquiatras, além de tomar remédios controlados duas vezes ao dia para amenizar os sintomas. 
 
Os sinais são discretos, mas ele tem hiperatividade e uma dificuldade maior de aprendizagem. Hoje, o menino representa a vida de Maristela.
 
“Os doutores falavam que ele não ia nascer, que não era para comprar roupa. Ele poderia nascer com microcefalia ou paraplégico. Mas quem tem Deus tem esperança. No dia do parto, ele não morreu e Deus operou o milagre, ele estava praticamente morto. Nasceu epiléptico e muito doente. Não era para ele estar aqui, lutei muito por ele. Ele foi um milagre, não vou mais poder ter filho, meu único filho”.
 
Richard venceu os prognósticos e hoje nutre sonho de um dia se tornar um jogador de futebol no clube que ama. A Chape vai precisar no futuro. Ainda bem que pode contar com Richard.