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Luto em Chapecó preocupa futebol, educação e indústria, diz prefeito

Luciano Buligon, prefeito de Chapecó, cumprimenta o presidente Michel Temer no velório  - Xinhua/Beto Barata/Presidencia de Brasil
Luciano Buligon, prefeito de Chapecó, cumprimenta o presidente Michel Temer no velório Imagem: Xinhua/Beto Barata/Presidencia de Brasil

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

14/12/2016 06h00

O acidente envolvendo a Chapecoense matou 71 pessoas, acabou com os sonhos de um time e abalou toda uma cidade. O luto oficial vai até o fim do mês, mas promete durar bem mais que isso. Depois de todas as dores, cerimônias e reverências, Chapecó se planeja para crescer e se preocupa com a retomada da autoestima da população. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o prefeito Luciano Buligon diz temer que a tragédia passe do futebol e atinja a indústria e a educação da região.

“Estamos projetando uma campanha para o ano que vem, conversando sobre atividades possíveis com setores empresariais. Ainda não temos dados de desempenho escolar, mas dizem que cidades que passaram por traumas têm queda em desempenho nas escolas e nas indústrias. Todos nós estamos atentos a isso. Confesso que nunca vi a autoestima tão baixa”, disse Buligon, em um papo de quase uma hora com a reportagem.

O prefeito do PSB não viajou com o time por um acaso – estava na lista de passageiros, mas teve um compromisso político e desistiu do voo. Na esteira dos acontecimentos, teve contato com outras cidades que viveram dramas coletivos como o de Chapecó. Procurou auxílio em Blumenau-SC, devastada por enchentes na última década, e Turim, que viu o avião com o time do Torino chocar-se contra um monumento da cidade em 1949.

“Queremos uma mobilização comunitária. Temos aqui atividades nas comunidades durante fins de semana. Vamos levar jogadores lá. Trazer atividades lúdicas como canto. A gente pretende fazer isso todo fim de semana em determinados pontos centrais, fechar as ruas e convidar a comunidade. Basquete de rua, futebol. Levar som, banda, levar nossa cultura e secretaria. E que possamos acompanhar as famílias. Esse fio de vida que a gente está tendo com Rafael e os três jogadores. A gente pretende que eles venham para cá, que possam ser protagonistas desse novo momento”, disse Buligon.

Reeleito para o próximo quadriênio, o prefeito quer reformar a Arena Condá e oferecer suporte para que a Chapecoense siga brilhando, agora inspirada em um certo clube espanhol. Na entrevista abaixo, ele fala como pretende fazer isso, diz o que achou da escolha da companhia Lamia e reitera a opinião polêmica sobre a direção do Inter.

Veja, abaixo, os principais trechos:

Vítimas vão ganhar memorial e Medellín terá praça

Nós queremos fazer um memorial, aproveitando o ano do centenário da cidade. Fazer um memorial às vítimas para preservar esse momento. Pretendemos fazer na Arena Condá com uma nova estrutura onde hoje tem as cabines de imprensa. É uma ala antiga. Já fiz um ofício ao presidente, ao deputado João Rodrigues (PSD-SC), que é ex-prefeito daqui, para conseguir emendas para fazer um museu e uma arquibancada nova na Ala Leste. Colocar no chão e fazer memorial, museu... Algo que possa guardar a memória do momento. Isso demanda muitos recursos públicos, mas temos a sinalização de que poderiam atender. E também uma praça Cidade Medellín, onde vamos guardar uma carta de agradecimento a Medellín. Para que se lembrem sempre como uma cidade-irmã.

Colômbia foi mais que solidária. Foi competente

O que eles demonstraram para o mundo foi um espírito solidário, amoroso e de fraternidade. E foram muito competentes em todos os processos. A Colômbia realmente nos impactou por atender todos os processos. O atendimento médico, o do resgate no primeiro momento, dos operadores dos carros. Tiveram de abrir estrada para chegar ao local. O médico que recebeu, o prefeito que foi importante... Eles foram muito eficientes, muito competentes em todos esses processos.

Estádio em Medellín foi o que mais impressionou

O que mais me impactou foi dia 30, na hora do jogo. Aquela manifestação espontânea, entoando os cantos da Chapecoense. Os cantos estavam na garganta só para te deixar menos triste, para compartilhar tua dor. Não tem como você treinar com 45 mil pessoas. Tu sabes que não existes. Botar um canto de uma torcida na garganta de outra é inimaginável. Desde as autoridades até a pessoa que estava lá fora. Era como se dissessem ‘estamos juntos’ cantando. Aquele momento em que eles jogam as flores que eles tinham nas mãos...

"Inter não merece ter dirigentes tão infelizes"

Acho que a reação não foi do Inter, foi do diretor e do presidente. O Inter é um gigante, não podia estar onde está. É a equipe que tem o maior número de sócios da América Latina, um time bem construído que já deu orgulho ao Brasil. O Inter em si demonstrou solidariedade. Os torcedores apresentaram bandeiras de luto, entraram em confronto com a própria direção. Os sócios deram um recado muito direto, eles tiveram eleição e 95% votaram conta a própria direção. [Os dirigentes] foram infelizes, infelizes também na condução do time. A gente torce que volte, o Inter não merece estar na segunda divisão, não merece ter dirigentes tão infelizes.

Nota da redação: A revolta de Buligon tem a ver com a fala de Fernando Carvalho, diretor de futebol do Inter, que reclamou do adiamento da última rodada do Brasileiro por entender que o Inter vivia uma “tragédia particular”, que era a luta contra o rebaixamento. Bulligon chegou a chamar Carvalho de “dirigente de várzea”.

Reconstrução precisa de pés no chão e Villarreal é exemplo

Eu acompanho como um torcedor. O prefeito aqui tem de trabalhar as questões deles. Vamos buscar melhores estruturas na arena, construir junto com emendas parlamentares. No futebol eu não dou opinião. Acho que a Chapecoense está acertando. Temos um legado, uma herança de fazer futebol com transparência. Eram jogadores que tinham consciência de que estão vindo para uma equipe menor. A gente ficou com a sementinha. Temos um exemplo na Europa, o Villarreal, que é de cidade pequena e tem se mantido sempre importunando os grandes. Tem esse molde que temos de buscar. Esse pessoal que está envolvido tem esse "know how". Confio muito nas atitudes deles.

"Ficar três anos sem rebaixamento não é legal"

Acho que a busca desse momento é de catalisar boas energias, bons apoios. A gente não pode perder a nossa essência. Nós aprendemos a fazer futebol com limite, daquele jeito lúdico. A Chapecoense tem de se manter. Esse negócio dos três anos de perdão não é legal, na minha opinião. Precisamos nos reinventar e temos os exemplos. Eu não vejo isso com bons olhos. Nós temos de ser dignos. Vamos fazer um time com todos os apoios, carinhos, isso nunca é demais, mas dentro das nossas características. A Chapecoense está aberta para receber recursos e apoios, mas dentro da nossa realidade, com os pés no chão.

"Absolvo a decisão pela Lamia"

Eu havia feito dois voos com eles. Nesse detalhe contratual eu não entrava. A companhia voou com Bolívia, Argentina, Venezuela... Eu absolvo totalmente a direção. Eles estavam contratando uma empresa que estava tentando ser case em transporte de atletas. O que ninguém fala é que a Chapecoense teve muito pouco tempo de decidir. Ela soube na sexta que teria de estar em Medellín na quarta. A direção foi atrás de quem apresentou um contrato e se valia de ser a empresa que estava transportando atletas. Tinha "know how" de ter feito fretamento da AFA [Associação de Futebol Argentina}, Colômbia e Venezuela. Eu voei nele. Era um avião normal, não tinha nenhum sobressalto. Isso aí [investigação] vamos deixar para as autoridades.

Conmebol não teve participação na escolha da Lamia, diz Buligon

Foi tudo decidido pelas pessoas que faleceram. Esses contratos estão aí no clube. A Chape tem de ajuizar uma ação contra a Lamia para minimizar os danos que teve. Eu, nessa peculiaridade, não participei, assim como não dei palpite na contratação.