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Paciência e dirigente mandão. Por que ídolos desistiram de ser técnicos

Zetti, Evair e Chulapa já se arriscaram na carreira de treinador - Montagem/UOL
Zetti, Evair e Chulapa já se arriscaram na carreira de treinador Imagem: Montagem/UOL

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

26/12/2016 06h00

Uma das coisas naturais do jogador que pendura as chuteiras é, depois disso, tentar continuar trabalhando no mundo do futebol. A carreira de técnico, por exemplo, é uma das opções de alguns atletas aposentados para continuar presente no ambiente com o qual se acostumou por tanto tempo. Porém, nem sempre o "tiro é certo". Em alguns casos, a "nova profissão" dura pouco, como aconteceu com ídolos do futebol brasileiro como Zetti, Evair e Serginho Chulapa.

Dentre as justificativas para largar (ou pelo menos dar um tempo) a carreira de técnico estão ordens abusivas de dirigentes e até a mesmo a falta de paciência, no caso de Chulapa. Em entrevista ao UOL Esporte, eles contam com detalhes o porquê de não terem dado sequência à atividade.

Serginho Chulapa: sem paciência para ser treinador

Maior artilheiro da história do São Paulo, Serginho Chulapa iniciou a carreira de treinador no Santos, onde também foi ídolo, em 1994. Treinou ainda equipes como Remo, Sãocarlense e Portuguesa Santista, onde fez seu último trabalho como técnico, em 1998. Mas a falta de paciência o fez desistir da carreira e retomar o posto de auxiliar, como ele mesmo conta.

Dorival Jr, técnico do Santos, conversa com Serginho Chulapa - Ivan Storti/Santos FC - Ivan Storti/Santos FC
Imagem: Ivan Storti/Santos FC
“Hoje eu sou auxiliar da comissão técnica do Santos, e eu não segui a carreira de treinador porque eu estava sem paciência, essa que é a verdade. É complicado para você comandar, uns não gostam, outros não sei o quê, então eu perdi a paciência e fiquei de auxiliar só. É complicado você ser treinador, então eu preferi ser auxiliar, sou funcionário do clube hoje, então para mim está melhor assim, porque tem 11 caras que jogam que estão tranquilos, os que ficam no banco mais ou menos tranquilos e os que não concentram que torcem contra, então você tem que dar bom dia para o cara que é titular e o que não é. Hoje, se eu fosse treinador, teria que tratar todo mundo por igualdade, às vezes eu não queria machucar ninguém, às vezes levava pra viajar até mais da conta porque, por mim, levava todo mundo. Então eu preferi abandonar essa carreira aí, e eu não pretendo voltar nunca mais na minha vida, está bom demais do jeito que está [risos]”, brincou Chupala, que hoje é auxiliar de Dorival Júnior no Santos.

Zetti: falta de empresário e dirigente escalando time

Ex-goleiro de São Paulo, Palmeiras, Santos e seleção brasileira, Zetti assumiu sua primeira equipe profissional (Paulista de Jundiaí) em 2003, após ter treinado os juniores do São Paulo. Em 2004, teve um ano quase perfeito para um técnico que tinha acabado de começar a carreira: foi vice estadual com o time de Jundiaí e depois subiu o Fortaleza para a Série A, terminando a Série B na segunda colocação. Ainda acumulou um título estadual e um vice pelo Paraná e um vice gaúcho pelo Juventude, além de passagens por Bahia, São Caetano e Atlético-MG, entre outros. Mas a falta de empresário e, consequentemente, de espaço para fazer um trabalho mais sólido na Série A, além do abuso de alguns dirigentes fizeram com que Zetti desistisse da carreira e fizesse seu último trabalho como treinador em 2010, no Paraná.

“Estava bacana [a carreira de técnico], eu fiquei durante oito anos como técnico e os quatro primeiros anos foram muito bacanas, eu fui vice campeão paulista, considerado o melhor treinador do campeonato, subimos o Fortaleza na sequência, fui campeão paranaense, depois fui vice paranaense e vice gaúcho, estava caminhando tudo bem, era um projeto para trabalhar na Série A, só que eu não consegui espaço, nunca tive empresário, então eu não conseguia o espaço para fazer este trabalho na Série A, e eu não queria ficar rotulado treinador de Série B, eu queria dar sequência num trabalho sério, um trabalho de longo prazo, e a Série B era tudo trabalho de três meses. Eu comecei a virar um cigano, eu lembro que em dois anos que eu fiquei trabalhando eu passei em sete clubes, e se você dividir isso são três meses em cada clube, então foi uma coisa que já estava me chateando”, diz Zetti, que revelou ainda outros motivos que o fizeram começar a desistir da carreira de técnico.

'Fábrica' de goleiros de Zetti faz sucesso e inspira jovens - UOL Esporte - UOL Esporte
Imagem: UOL Esporte
“Um deles foi os dirigentes dos clubes, os salários também sempre atrasando, sempre com problema, com dificuldades com os jogadores, e isso foi acumulando. Eu  cheguei a emprestar dinheiro para jogador para poder treinar, para poder pegar ônibus e ir para o treino, então este desgaste foi minando a minha paciência”, acrescenta Zetti, que teve ainda o agravo de um problema de saúde. O ex-goleiro foi diagnosticado com câncer de pele e viu seu trabalho ficar mais complicado, especialmente pela exposição ao sol a que ele precisava ser submetido.

“Eu tive também o problema do sol, eu não podia tomar sol. Eu fui fazer exames com médicos e eu tive problema de câncer de pele na época, tive que evitar tomar sol, então isso também já foi contribuindo. Um pouco longe da família, o tempo estava passando e eu ficando mais velho, então foi um pouquinho de tudo, mas a gota d’agua de um problema sério foi no Paraná Clube: eu tive um problema de o diretor querer escalar o time. Naquele período eu tinha 44 anos, comecei com 14 anos, e o cara querendo ganhar dinheiro com o futebol, investindo há um ano e achando que sabia mais do que eu, então eu peguei o apito e dei para ele e falei: ‘Então amanhã você vai dar treino, escalar o time, ver jogos’. Eu já estava desgastado com tudo e eu achei que eu tinha que dar um tempo, parar, fazer outras coisas aí eu voltei para São Paulo eu já estava com o projeto da academia de goleiros que é uma coisa que eu já estou há 8 anos que é exatamente o período que eu parei, e falei: ‘deixa eu dar sequência nas outras coisas, não só depender do futebol’. Hoje sou comentarista da ESPN é um projeto de goleiros que eu comento mais a parte de goleiros, mas a ideia era justamente isso, voltar pra São Paulo e começar outras coisas, curtir São Paulo, eu adoro esta cidade”.

Zetti não descarta voltar a trabalhar como técnico, mas, a princípio, não pensa em retomar a atividade: “Eu acho que a palavra nunca mais vou fazer isso é muito forte. A princípio não, hoje eu tenho outros projetos, estou focado, estudando outras coisas, mas hoje eu não quero voltar a ser técnico. Mas, no futuro, a gente nunca sabe, eu não gosto de dar a palavra nunca mais”.

Evair: novo projeto, mas sonho continua

Ao contrário de Zetti e Chulapa, Evair ainda sonha com a carreira de treinador. E espera que este sonho se torne realidade o quanto antes. Ídolo do Palmeiras, o ex-atacante acumula passagens por Vila Nova, Anápolis-GO, Crac-GO, IItumbiara-GO, Uberlândia-MG e River-PI, clube onde realizou seu último trabalho como técnico, em novembro de 2013.

“Pode me definir como uma pessoa que não desistiu [da carreira de técnico], não, tanto é que a gente está montando um CT em Taubaté justamente pra gente estar trabalhando nessa área, que é uma área em que eu estive a vida toda. Depois vamos tentar usar a camisa do Taubaté, mas a princípio a gente começa desse jeito, para formar jogadores, e depois vamos dar sequência para trabalhar como treinador, que é o que mais eu gosto, ou como administrador, porque é o que a gente fez a vida toda”, diz Evair, que conta detalhes do projeto do Taubaté.

Evair na função de auxiliar técnico do Americana - Anizelli/Folhapress - Anizelli/Folhapress
Imagem: Anizelli/Folhapress
“O CT a gente começa o ano que vem, temos um ano para construir a primeira parte. Serão três campos e alojamento para a base dos brasileiros, e depois a segunda parte vai ficar para o outro ano [2018], onde a gente pretende trazer o pessoal pra fazer intercâmbio para poder também passar aquilo que a gente tenha aprendido. Eu serei um pouco de tudo: os treinadores vão ficar embaixo da minha tutela, eu vou administrar a parte esportiva e, logicamente, buscar jogadores. Vamos ter que fazer peneiras, acompanhar treinos, acompanhar jogos, isso tudo é uma questão de tempo, tem que acompanhar tudo”, disse.

Apesar de também aprovar a carreira de dirigente, Evair não esconde que sua maior paixão – e seu maior objetivo – é trabalhar como treinador.

“É o que mais me motiva ser treinador, porque são situações que eu vivi a vida toda e que a gente sabe que pode ter algum bom resultado. Eu faço um curso aqui, outro ali, a gente já trabalhou 20 anos no futebol e alguma coisa a gente aprendeu, alguma coisa a gente trouxe”, acrescenta Evair, que coloca ‘treinar o Palmeiras’ como um de seus principais objetivos.

“Já sonhei mais com isso, já tive uma ilusão, talvez, não sei se era sonho ou se era ilusão, mas já tive este sonho mais nítido. Agora estou mais com os pés no chão, mas jamais deixo de sonhar, deixar de acreditar jamais”, completa o ‘Matador’.