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Ex-narrador lutou na guerra Israel x Palestina e viu "caminhão de corpos"

Divulgação
Imagem: Divulgação

Adriano Wilkson e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

21/02/2017 04h00

Famoso por bordões que marcaram época (“Taí o que você queria, bola rolando”, “Tá lá um corpo estendido no chão”), o ex-narrador de futebol Januário de Oliveira guarda vivas na memória as cenas da guerra entre Israel e Palestina, que ele viveu de perto quando tinha 18 anos. Hoje, aos 77, ele vive sua aposentadoria em Natal, no Rio Grande Norte.

Januário conversou por telefone com o UOL Esporte e contou também que a diabetes lhe tirou a visão completa do olho esquerdo, além de uma parte da do direito.

“O rosto de uma pessoa a dois metros eu não vejo”, disse ele, que trabalhou por seis anos na TV Bandeirantes, além de ter tido uma carreira profícua no rádio. “Hoje eu acompanho a televisão. Vou ouvindo e reconhecendo as pessoas. Eu sei quem são, quem está falando, mas lamentavelmente eu não tenho mais nada pra fazer.”

Ligado principalmente ao futebol carioca, Januário fez sua última transmissão na Copa de 1998, em um jogo entre França e Paraguai.

Ainda adolescente, ele estava no Exército quando resolveu ser voluntário de um batalhão das Nações Unidas para atuar no conflito no Oriente Médio. No final da década de 50, o estado de Israel já havia ocupado parte do território antes habitado por árabes palestinos, criando uma quantidade grande de refugiados que foram à área anos depois conhecida como Faixa de Gaza.

Leia o relato de Januário de Oliveira sobre sua participação na guerra:

“Eu sempre gostei de aventura. Quando estava no Exército aos 18 anos surgiu um batalhão da ONU para ir à Faixa de Gaza. Imagina! O idiota aqui se apresentou como voluntário. Eles queriam completar o número de 800 e poucos soldados e pouca gente se apresentou como voluntário. Só um inteligente como eu. O resultado foi que eu estava no Egito onde o bondinho da nossa chegada no deserto e foi uma chuva de balas que você não pode fazer ideia.

Os egípcios eram contrários às forças da ONU. Não era só brasileiro que tinha lá, tinha brasileiros, canadenses, colombianos, norueguês, dinamarquês, sueco, indiano e iugoslavo, e nós brasileiros éramos nove. Esse exército ia ficar lá em princípio um ano, mas acabei ficando um ano e cinco meses.”

Viu pessoas morrendo a sua frente?

“Não uma só. Vi uma quantidade... na primeira noite que estávamos lá, foi chamada uma patrulha de emergência para socorrer um desastre de trem na entrada do deserto. Pra se ter uma ideia encheu dois caminhões de corpos. Foi um cartão de visita que era de chorar. Na hora eu me arrependi de ter ido, mas depois de uns dez dias eu comecei a gostar. Lá na fronteira entre Israel e Egito ganhava-se oito dias livres de descanso que você poderia escolher entre o Cairo, Líbano ou Alexandria também no Egito.”

Chegou a matar alguém?

“Jurei à minha mãe quando ela era viva que jamais tinha matado alguém. Eu prendi muitos caras, cheguei a dar tiros na perna pra não partir pra cima da gente. Muitas vezes éramos em dois soldados contra vários. Não era fácil, era uma coisa que você fazia por necessidade, o negócio foi bastante brabo. Naquela época não se falava em Faixa de Gaza, nem se tocava nesse assunto. Dizia-se apenas que a ONU estava criando uma força de paz que tinha como objetivo principal a paz no Oriente Médio.

Foi uma viagem e experiência importante na minha vida. Estive num lugar que eu não visitaria jamais, não que eu não quisesse, pelo contrário. Sonhava em poder visitar um dia, mas não imaginei que fosse tão cedo. Com 19 anos eu estava fazendo a festa de aniversário em Jerusalém, o que eu jamais imaginei. Sou católico, imagina então a representatividade que tinha pra mim a cidade de Jerusalém! Passei dez dias lá e saí renovado.

Depois de um ano que saímos de lá, Israel tomou conta de tudo. Israel era um país e Egito outro, e Gaza fazia parte do Egito. Hoje Gaza é o quintal de Israel, levaram seis dias pra tomar tudo, na chamada Guerra dos Seis Dias [em 1967].”

Em 1960 a seleção brasileira de futebol foi jogar no Cairo, no Egito, e aí deu como prêmio a 200 soldados a ida ao Cairo para assistir ao jogo. Eu estava no meio dos premiados. Fui lá e conheci Dino Sani, Pelé, Zito, Gilmar, a seleção campeã do mundo de 1958. Foi uma coisa fantástica.”