Topo

Polêmicas e ameaças. Corinthians x Palmeiras afetou a vida de árbitro em 86

Palmeiras 1986 - Arquivo/Folha Imagem - Arquivo/Folha Imagem
Palmeiras foi à final, mas acabou derrotado pela Inter de Limeira
Imagem: Arquivo/Folha Imagem

Diego Salgado

Do UOL, em São Paulo

03/03/2017 12h00

Ulisses Tavares da Silva Filho relutou em relembrar o passado, embora tenha vivido a rotina do futebol intimamente por 23 anos. O ex-árbitro paulista, no entanto, curvou-se pouco a pouco. De volta à tona após o erro de Thiago Duarte Peixoto no clássico Corinthians e Palmeiras da última semana, ele quebrou o silêncio e falou sobre o que aconteceu no Estádio do Morumbi na tarde de 24 de agosto de 1986.

"Apitar Corinthians e Palmeiras realmente é terrível. É muita pressão, é muito delicado". Em entrevista ao UOL Esporte, Ulisses ainda mostra, por meio de uma voz aflita, como o clássico da semifinal do Campeonato Paulista de 1986 afetou, mesmo que por alguns dias, a vida de um dos árbitros mais atuantes no futebol de São Paulo durante as décadas de 1980 e 1990.

Mais de três décadas depois, Ulisses garante que não mudaria nada nas marcações feitas ao longo dos 90 minutos do clássico vencido pelo Corinthians por 1 a 0 (o Palmeiras fez 3 a 0 na segunda partida e garantiu vaga na final estadual). O árbitro, naquela ocasião, foi duramente criticado pelos palmeirenses.

A explicação: Ulisses anulou um gol do zagueiro Vágner, não assinalou pênalti após o corintiano Edevaldo supostamente desviar a bola com o braço em cima da linha e, por fim, validou um gol do Corinthians após o lateral Edson ser lançado em posição duvidosa. De quebra, o juiz ainda expulsou o meia palmeirense Edu Manga no começo do segundo tempo.

"Eu manteria as decisões. Tenho a convicção que não errei no jogo e minha consciência está tranquila com isso", disse Ulisses, relembrando o lance em que o time do Palmeiras pediu pênalti após chute do atacante Mirandinha. "Eu estava com a visão encoberta. Para mim, a bola bateu no peito."

Segundo Ulisses, se não bastasse a pressão natural do clássico, foi preciso ainda conviver com as declarações do diretor de futebol Nicola Racciopi. "Ele fez muita confusão durante a semana", relembrou o árbitro, que à época disse que recebeu ofensas do palmeirense já intervalo - na ocasião, somente um lance polêmico tinha ocorrido (o gol anulado).

Árbitro - Reprodução - Reprodução
Ulisses causou polêmica no clássico de 86
Imagem: Reprodução

As consequências

Ulisses deixou o Morumbi sob protestos após mais três lances polêmicos na etapa final. Ele lembra que não teve muitos problemas para deixar o estádio, embora os relatos mostrem o contrário. As piores consequências, entretanto, ainda estavam por vir.

"Meus filhos foram ameaçados. Recebi ameaças por telefonemas. Durou uns 15, 20 dias e acabou por aí", destacou Ulisses, que tentou manter a rotina. "Saía para trabalhar (Ulisses, hoje aposentado aos 71 anos, trabalhava com vendas), levava meus filhos no colégio."

Apesar das polêmicas, Ulisses não foi punido pela Federação Paulista de Futebol (FPF), tampouco pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). "Voltei a apitar normalmente depois de 15 dias. Não houve problemas. Continuei apitando. Se fosse um árbitro desonesto, ficaria fora da arbitragem", disse.

Ulisses também se defendeu das acusações de que teria recebido dinheiro para favorecer o Corinthians. "Fui acusado que fui comprado. Isso não existe. Apitei futebol durante 23 anos. Se tivesse sido um cara desonesto, tinha saído nesse episódio. Tive de correr atrás, provar minha inocência. Tenho minha consciência tranquila de ter agido de acordo com o que o jogo me reservou", afirmou o ex-árbitro.

Reencontros

Ulisses ainda relembrou como voltou a falar com os jogadores envolvidos no clássico. O fato deu-se em março de 1987, durante um torneio amistoso em Campo Grande. "Após o episódio, apitei um torneio no Mato Grosso do Sul e conversei com todos eles. Foi normal. O grande problema foi o dirigente. O Nicola tumultuou a arbitragem", ressaltou.

O ex-árbitro comandou o empate sem gols entre Corinthians e Operário naquela oportunidade. Em julho, voltou a apitar um clássico envolvendo o Palmeiras - o time alviverde bateu o Santos por 2 a 1.

Em agosto de 1992, exatos seis anos depois, Corinthians e Palmeiras teve Ulisses no comando da arbitragem. O clássico novamente terminou com polêmica. O juiz expulsou o goleiro Ronaldo e marcou pênalti no lance. Antes, anulou corretamente um gol de Tupãzinho. No fim do jogo, viu falta do palmeirense Tonhão em jogada que acabou com a bola na rede. O duelo terminou empatado por 2 a 2.

Futebol está distante

Ulisses conta que está afastado do futebol há anos. Depois de deixar os campos, ele tornou-se dirigente de alguns clubes, como Catanduvense, União Barbarense, Inter de Limeira e Sertãozinho. Em seguida, chegou a ser presidente do sindicato dos árbitros em São Paulo.

Mesmo desconectado do futebol, o ex-árbitro assistiu ao clássico na semana passada e fez comentários sobre a atuação de Thiago Duarte Peixoto. De acordo com Ulisses, o juiz de 38 anos errou ao não escutar seus companheiros de arbitragem.

"O Thiago é um bom árbitro, tem futuro, mas no momento do lance ele foi prepotente. Ele assumiu uma responsabilidade que ele não poderia ter assumido. Antigamente a gente apitava com dois assistentes, sem comunicação nenhuma. Hoje há mais coisas para ajudar o árbitro", disse.

"Ele jamais poderia ter agido da maneira que agiu. As reclamações foram tantas e imediatas que era claro que alguma coisa tinha acontecido de errado. Ele poderia de ter sido um pouco mais humilde e reconhecido o erro. Erro todo mundo comete", continuou.