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Desembargador discorda de soltura e diz que deve julgar Bruno este ano

Gustavo Franceschini

Do UOL, em Varginha (MG)

15/03/2017 00h10

Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou Bruno da prisão, argumentou que não havia “justa causa” para que ele permanecesse preso até o julgamento de seu recurso em segunda instância. A “culpa” recaiu sobre o TJ-MG, que deveria, em tese, ter sido mais rápido ao apreciar a apelação de defesa do goleiro, condenado por um júri popular em 2013 a mais de 22 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e cárcere privado no caso Eliza Samudio. Desembargador do caso, Doorgal Andrada, discorda. Na interpretação do jurista, o goleiro não deveria estar solto, pois o atraso no processo é culpa da lei brasileira e o ex-flamenguista deve ser julgado novamente ainda em 2017.

“A lei quer que ninguém fique preso sem estar julgado. Quase metade dos presos no Brasil não foi julgada. Responder um processo preso não pode ser comum, mas o caso do Bruno não se encaixa nisso. Ele teve ampla defesa, passou por um júri popular, fez sustentação oral. Ele já foi julgado, é diferente daquele preso que não passou por julgamento”, disse Andrada, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, por telefone, nessa terça-feira.

Antes de começar a conversa, Andrada explicou que não poderia falar sobre o mérito do caso. Integrante da 4ª Câmara Criminal do TJ-MG, é ele quem recebe a maior parte das movimentações relacionadas ao caso de Eliza Samudio, ex-amante e mão do filho de Bruno que desapareceu em 2010. O goleiro foi apontado como mandante do crime e considerado culpado em um julgamento três anos depois. 

Desde então, advogados ligados aos diversos réus do processo têm feito seguidos pedidos de recurso ao TJ-MG. Até hoje, são 18 movimentações processuais, enquanto em um processo comum o normal seriam até três, segundo Andrada. Há pouco mais de 15 dias, o STF liberou Bruno do que ele considera uma prisão preventiva, pelo fato do goleiro não ter sido condenado em segunda instância. Na última terça, ele assinou contrato com o Boa Esporte, da Série B, indignando quem entende que ele ainda tem uma pena a cumprir pelo crime que cometeu. 

Veja, na entrevista abaixo, o que o desembargador tem a dizer sobre a morosidade do processo, a decisão do STF pela soltura de Bruno e quando ele deve ser julgado no TJ-MG:

Excesso de recursos faz o processo atrasar além da conta

O processo tem várias mãos. O tribunal, o juiz, os cartórios, as defesas, o MP... É um processo atípico, e não são defesas com o mesmo entendimento. Umas querem celeridade e outras não, dentro do que a lei permite. É uma perturbação processual que a lei permite.

Como se dão os atrasos?

Para te dar um exemplo, tem um advogado que não se apresentou após meses de solicitações. Em outro caso, um réu trocou de advogado e o que se apresentou pediu vistas ao processo, o que pode demorar muito tempo para ler. Na minha mesa, o processo está dentro do previsto pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Eu não julgo sozinho, somos em três, mas a vontade óbvia é de resolver todos os processos. Só que não depende só de mim. A morosidade é no Brasil inteiro.

Bruno não poderá ser absolvido em novo julgamento

Outro dado que o pessoal não está comentando. O caso vai chegar ao TJ vindo de um júri popular. A Constituição é clara, o júri é soberano. Quando se trata de um homicídio, sete pessoas do povo são chamadas para julgar. Em um processo assim, se ele vier condenado, o tribunal não tem o poder de absolver. Ele pode mudar a pena, mas não absolver. Ele pode anular o júri, se julgarmos que houve falha, mas aí teria um novo júri que pode julgá-lo culpado novamente.

Processo normal tem até três recursos. Caso Eliza teve 18

Olha, a maioria dos processos vem com um, dois ou três recursos, mas é uma técnica de defesa. Eu sou juiz há 24 anos e isso não muda nada para mim, mas atrasa. Muitas vezes são embargos declaratórios, que é uma medida usada para se ganhar tempo para entrar com um recurso. É um número excessivo? É, mas isso não muda. É um recurso de um bom advogado.

Na interpretação de Andrada, Bruno não deveria ter sido solto

A lei quer que ninguém fique preso sem estar julgado, que é o que chamamos de prisão provisória ou preventiva. Quase metade dos presos no Brasil estão sem julgamento. Responder um processo preso não pode ser algo comum, mas o caso do Bruno não se encaixa nisso. Ele teve ampla defesa, passou por um júri popular, fez sustentação oral. Ele não está na preventiva. Ele já foi julgado, é diferente daquele preso que não passou por julgamento. Só que Direito não é uma ciência exata.

STF não está errado, só tem uma interpretação diferente

Casos como dele são milhares. Ele não é um preso preventivo sem julgamento. Ele estava preso porque foi condenado. Agora, o STF tem uma interpretação. Tem ministro que diverge. Majoritariamente, prevalece a prisão dele. Ele [Marco Aurélio Mello, ministro do STF que decidiu libertar Bruno] interpretou daquela maneira. Eu estou errado: Não, é que eu interpreto de outra maneira.

Decisão não tem a ver com determinação do STF sobre segunda instância

O que acontece é que um juiz condena e, como o réu respondeu solto, ele vai recorrer a Brasília. Via de regra, os tribunais mantêm ele solto aguardando o recurso. Aí o STF disse que, se julgado em duas instâncias, ele pode aguardar o recurso preso. É o contrário do caso Bruno. Ele respondeu tudo preso, depois de condenado vai ser solto? Não estou entendendo isso.

Bruno deve ser julgado pelo TJ ainda neste ano

Tranquilamente será neste ano. Eu estou com o processo, pela minha experiência posso dizer que ele está afunilando. O advogado tem um limite. A não ser que um tribunal superior mude alguma coisa, mas aí não sou eu. Eu entendo que já está no ponto.