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Odebrecht moldou edital para ganhar licitação da reforma do Maracanã

Maracanã deteriorado e sem condições de receber partidas - REUTERS/Nacho Doce
Maracanã deteriorado e sem condições de receber partidas Imagem: REUTERS/Nacho Doce

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

15/04/2017 04h00

Amparada por um total de R$ 120 milhões em propinas ao ex-governador Sérgio Cabral e a campanha de Luiz Fernando Pezão, a Odebrecht se considerou autorizada a exigir mudanças no edital de licitação da reforma do Maracanã. A empreiteira tinha razão em se sentir tão poderosa e o governo do Rio de Janeiro atendeu o pedido publicando um edital sob medida para a empresa.

A revelação das exigências foi feita pelo delator Marcos Vidigal do Amaral, executivo da Odebrecht. Ele comunicou a Hudson Braga, que já foi secretário de Obras do Rio de Janeiro, como o texto deveria ficar para favorecer a empreiteira.

“O edital foi publicado e antes de ser publicado eu apresentei algumas exigências no papel para Hudson Braga, que essas exigências fizessem parte do edital. E ele se comprometeu a dar segmento e, de fato, isto ocorreu”.

O artigo 9.3 do edital foi redigido sob encomenda da Odebrecht. Este item estipulava que a empreiteira vencedora deveria ter construído um complexo esportivo com pelo menos 30 mil lugares, instalado 20 mil assentos e ter experiência em obras de acesso a estádios. Como era antes da Copa do Mundo, nenhum concorrente atendia os requisitos, somente a Odebrecht.

“Eram restrições próprias para quem tinha executado um estádio e nós tínhamos no acervo recente a conclusão do Engenhão e estávamos garantidos”.

O executivo da empreiteira falou que o valor da propina era um percentual sobre o total dos contratos. No começo a empresa não concordava com este sistema, mas aceitou com receio de comprometer a relação com o governo do Rio de Janeiro. O ex-governador Sérgio Cabral recebeu R$ 5 milhões em repasses ilícitos referente a reforma do Maracanã, conforme o Blog do Rodrigo Mattos.

Marcos Vidigal disse o comum era dividir os pagamentos em quatro parcelas, mas no caso do Maracanã foi numa tacada só. O delator também contou que não houve propina referente ao aumento de preço nas obras do Maracanã. A estimativa era custar R$ 700 milhões, mas saiu R$ 1,05 bilhão. Ele justificou o acréscimo afirmando que foi preciso refazer a cobertura do estádio.

TCE cobrou sua parte

No momento de escolher qual empresa iria administrar o Maracanã depois da reforma, a Odebrecht precisou desembolsar mais dinheiro ilícito. João Borba Filho, executivo da empreiteira, recebeu um recado no primeiro semestre de 2013 dizendo que “precisava entrar em contato com o Tribunal de Contas do Estado para acertar”.

A tarefa coube a Leandro Andrade Azevedo, diretor da empresa que também se tornou delator. Ele contou que ficou combinado o pagamento de R$ 4 milhões aos conselheiros, divididos em quatro parcelas. A propina foi combinada com Jonas Lopes, então presidente do tribunal.

O primeiro pagamento foi realizado em 17 de março de 2014, revelou Leandro. O apelido dado ao TCE foi Casa de Doido e a senha para a entrega do dinheiro foi morango. Toda semana o departamento de propina da Odebrecht gerava uma planilha com codinomes de quem receberia recursos e as senhas que usariam. Naquela ocasião, foram usados vários nomes de frutas e comidas como senha.

Durante a delação, o funcionário da Odebrecht disse que o presidente do TCE demandava muito e era chamado todas as semanas ao escritório dele. As visitas incluíram os dias que precederam o Natal de 2014. Leandro afirmou que o tribunal estava em recesso e o Jonas Lopes sentado em sua mesa assinado cartões de Natal.

Ele reclamou com o funcionário da Odebrecht que a segunda parcela da propina deveria ser paga naquele mês. Leandro argumentou que a Operação Lava Jato estava em curso e apontou a capa do jornal O Globo, que tinha manchetes sobre a prisão de executivos da OAS.

O delator contou que o presidente do TCE do Rio de Janeiro ficou sem graça e justificou que os outros conselheiros estavam reclamando. Leandro declarou que as outras parcelas não foram quitadas. Em março, cinco dos sete conselheiros do tribunal foram presos pela Polícia Federal.