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Irmão de Biteco diz que foge da Chape na TV: "Parei de acompanhar futebol"

Biteco se emocionou ao marcar o 1º gol no ano; foi inevitável não lembrar do irmão - Reprodução/Sportv
Biteco se emocionou ao marcar o 1º gol no ano; foi inevitável não lembrar do irmão Imagem: Reprodução/Sportv

José Edgar de Matos

Do UOL, em São Paulo (SP)

16/04/2017 07h26

“Olha, passou um filme na cabeça naqueles poucos segundos, um filme de tudo o que passei com o meu irmão”. A vida seguiu para Guilherme Biteco, desde 29 de novembro do ano passado sem o irmão, Matheus, uma das 71 vítimas da tragédia da Chapecoense. Também jogador de futebol, Guilherme viveu na última quinta-feira o ápice para o atleta em um campo: balançar as redes. Só que a lembrança da tragédia mudou a emoção do momento.

O irmão, no ápice da carreira, e a tragédia com a Chapecoense invadiram a memória de Guilherme dentro de campo, em um raro momento de desconcentração no trabalho. O futebol, responsável por promover a família Biteco, se tornou algo estritamente profissional. O prazer fora das quatro linhas do gramado passou a inexistir em virtude do trauma. A Chape virou tabu para o agora meio-campista do Paraná, que diz evitar o tema em seu dia-a-dia.

Ao garantir o importante resultado positivo por 2 a 0 sobre o Vitória, em Salvador, pela quarta fase da Copa do Brasil, Guilherme ignorou o êxtase comum a quem faz um gol, seja no Barradão, Maracanã ou na pelada jogada na rua de casa. A camisa com fotos do irmão falecido na tragédia, os olhos lacrimejando e os dedos para o céu... Impossível não se lembrar de Matheus.

“Não passou uma coisa específica; foram milhares de coisas, de lembranças, de não ter ele comigo. Veio no momento”, comentou Guilherme Biteco em entrevista exclusiva concedida ao UOL Esporte. Até o cartão amarelo recebido pelo árbitro na sequência – ação criticada nas redes sociais e opinião pública – foi relevado. “Ele fez o certo, porque está na regra.”

A homenagem ao irmão, obviamente, era planejada com antecedência. Presença constante nos jogos do Paraná – quase sempre como opção para o segundo tempo -, o meio-campista enviou fotos para um amigo em Fortaleza, que ficou encarregado em transformar as imagens digitalizadas em uma camiseta a ser vestida por Guilherme sob o uniforme paranista.

O esperado momento ocorreu três semanas após o pedido ao colega cearense, e justamente o Nordeste foi palco da homenagem a Matheus, o Biteco boleiro mais novo da família. Guilherme, 23 anos – um mais velho que o irmão -, vê o gol como um recomeço.

Guilherme Biteco Alan Ruschel Chapecoense  - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
"O abraço que queria dar no meu irmão dei em ti", escreveu após encontro com Ruschel
Imagem: Reprodução/Facebook

Após a tragédia com a Chapecoense, Guilherme Biteco se ‘desligou’, termo usado pelo próprio atleta à reportagem. Foram quase dois meses em luto, remoendo o ocorrido com o avião da equipe catarinense. Só com o ano de 2017 iniciado o meio-campista tratou de seguir com a vida.

Interessado em contar com o jogador desde o fim do ano passado, o Paraná respeitou o afastamento total de Guilherme, que tomou a iniciativa de procurar os dirigentes paranistas para continuar com a carreira de jogador. Fora o lado profissional, o clube precisava recuperar a pessoa.

“Só de me abrir as portas, o Paraná já me ajudou bastante. Estava precisando deste voto de confiança e me deixaram muito tranquilo. Os jogadores também têm sido importantes, me acolheram muito bem”, declarou Guilherme Biteco, agora sem o irmão para acompanhar (ao lado, como no Grêmio, ou longe, como na passagem de Matheus pela Chapecoense).

Irmão e, agora, amuleto

Guilherme emocionou torcedores de vários clubes ao lembrar dentro do irmão dentro de campo. À reportagem, o jogador revelou que a ligação com Matheus tornou-se uma rotina desde o início da temporada 2017. No momento de concentração individual dentro dos vestiários, os melhores lances de Matheus com a camisa da Chape surgem na tela do celular do meio-campista do Paraná.

“Antes de cada jogo, pego um vídeo dele que tenho baixado no meu celular. Sempre olho e procuro me espelhar, pois são os melhores momentos dele na Chapecoense, que foi o melhor momento da carreira dele. É sempre o mesmo vídeo, o que mais gosto”, contou ao UOL Esporte.

Embora sirva como inspiração antes dos jogos, a lembrança do irmão machuca. Guilherme conta que as fotos de Matheus remetem a toda a tragédia responsável por separar os dois irmãos que começaram a jogar futebol juntos, no Grêmio.

“As lembranças são duras, como quando me marcam em fotos no Instagram e no Facebook. É bem difícil. Gosto de ver as fotos, mas ao mesmo tempo não gosto, porque vem uma lembrança e tudo o que passou [acidente com o avião]”, desabafou Guilherme Biteco, ciente de que este sentimento o carregará para sempre.

“Datas especiais são difíceis. No mês passado foi o meu aniversário, e daqui a uns dois meses é aniversário dele. Isso é bem difícil”, lamentou Guilherme, que agora carrega o irmão para dentro de campo, na tela do celular ou na camiseta com a qual comemorou o primeiro gol pelo Paraná.

‘Ouço falar da Chape, mudo de canal’

Foi a reportagem do UOL que informou Guilherme Biteco sobre o título da Chapecoense do último sábado – a Taça Sandro Pallaoro, o segundo turno do Estadual. Desde o falecimento de Matheus, o meio-campista evita ao máximo qualquer notícia sobre o clube catarinense. A lembrança da tragédia supera qualquer curiosidade ou carinho.

Robinho Grêmio Biteco Matheus Guilherme - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Nem Robinho convence Biteco a ver futebol
Imagem: Reprodução/Facebook

“Quando toca no nome da Chapecoense, eu mudo de canal”, disse Guilherme, agora apenas ‘profissional’ do futebol, não mais torcedor e admirador da modalidade mais popular do mundo.

“Sempre fui muito fã de futebol, procurava acompanhar o Zé Roberto, o Ronaldinho, o Robinho e o Grêmio. Desde o acidente parei, não assisti a nenhum jogo da Chapecoense. Às vezes vejo vídeos na internet ou acabo lendo alguma coisa, mas não vejo mais futebol, é muito difícil”, admitiu.

“Não perdia um jogo da Chapecoense, sempre procurando saber do clube. Depois que meu irmão faleceu, não consigo nem mais ouvir falar em Chapecoense, por tudo o que aconteceu. Cada um tem uma forma de lidar com a dor, e essa é a minha forma”, explicou Guilherme, agora com uma relação muito mais fria com a modalidade responsável por impulsionar os irmãos Biteco.

“Só me concentro na minha carreira. É muito difícil falar que parei para ver um jogo, não me lembro. Depois do acidente não assisto mais”, encerrou.