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O que pensa e quem é o presidente mais jovem de time da Série A?

Aiuri Rebello/UOL
Imagem: Aiuri Rebello/UOL

Aiuri Rebello

Do UOL, em Salvador

22/04/2017 04h00

O jornalista Marcelo Sant'Anna é, aos 35 anos, o presidente de clube mais jovem dentre todos os 20 times da elite do futebol no Brasil. Com uma vida profissional dedicada ao jornalismo até ser eleito para o cargo de presidente do Bahia, pouco mais de dois anos atrás, ele mesmo se surpreende por ter virado dirigente do clube do coração tão cedo. Ele tinha como sonho assumir o cargo, mas só depois dos 50 anos.

Sob sua gestão, o antigo campeão brasileiro volta à Série A neste ano depois de duas temporadas seguidas na segunda divisão. Apontado como um dos responsáveis pelo recente sucesso do time ao modernizar a gestão do clube, Sant'Anna chama a atenção por suas ideias muitas vezes pouco convencionais dentre dirigentes do futebol nacional. Contra a violência entre torcidas, por exemplo, ele defende a adoção de torcidas mistas (sem divisão por times na arquibancada) ao invés de torcidas únicas nos clássicos - como acontece em São Paulo.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o cartola desabafa sobre a organização do futebol no Brasil e não poupa (quase) ninguém: cartolas, arbitragem, calendário, torcedores e até a mentalidade do futebol brasileiro no geral são "cornetados". Confira abaixo os principais pontos desde bate-papo:

Torcida única não é solução, mista sim

"Acho que essa história de torcida única é um erro de concepção. Não existe briga entre torcidas, o que existe são criminosos cometendo crimes. É um problema de educação, segurança pública e desemprego. vivemos hoje em um país de poucos valores morais e éticos e extremamente violento. Não é o esporte que gera essa violência, muito pelo contrário. O esporte ajuda a ensinar a lidar com as adversidades, com a vitória e a derrota. Você aprende a trabalhar em equipe, então o esporte é isso. 

Torcida Bahia - Fernando Amorim/ Ag. A Tarde/ AGIF - Fernando Amorim/ Ag. A Tarde/ AGIF
Imagem: Fernando Amorim/ Ag. A Tarde/ AGIF

A criminalidade é outra coisa, é ela que tem de ser combatida. Temos que buscar o caminho inverso. Da aproximação, da tolerância, do respeito às diferenças, para diminuir este extremismo que vemos com tudo hoje. Esse ódio entre classes, entre partidos, entre pessoas que tem mais semelhanças do que diferenças. Isso que está errado, e o futebol é só um aspecto deste contexto. 

Junto com o Vitória, estamos trazendo de volta a torcida mista em Salvador, sem divisão nas arquibancadas. No último clássico, na Fonte Nova, fizemos isso e foi um sucesso. Não teve nenhuma ocorrência de violência nos setores mistos do estádio e nem nas áreas de acesso. Esse é o caminho. Existe a rivalidade, mas temos de saber respeitar o outro. É essa a mensagem que que o Bahia defende e vai continuar defendendo. Enquanto eu for presidente não aceito torcida única. Se houver decisão judicial neste sentido vamos recorrer. Temos que trabalhar a inclusão, o respeito, não a segregação".

"O problema dos cartolas é mentalidade, não idade"

"Os dirigentes não gostam de se reunir e discutir os problemas em comum. Cada um cuida da própria vida. Isso é péssimo. Temos muitos assuntos em comum: calendário, janela de transferência, questões salariais, patrocínios, pré temporada, divisão de base, data Fifa, questões de gestão, legislativas, tributárias, trabalhistas... enfim. São coisas que deveríamos discutir mais, para ter mais força no momento de debater com o poder público, com a CBF, federações, emissoras de TV... mas acredito que a minoria dos dirigentes encare isso como prioridade.

Acho que melhorou essa comunicação, mas está muito abaixo do mínimo necessário. Sobre ser mais jovem ou não, acho que o mais importante é a mentalidade que cada um tenha. Você pode ser um jovem com mentalidade de velho e vice-versa. Não gosto de me apegar a questões de idade. Acho que vale mais a mentalidade e personalidade de cada um. O problema da maioria dos cartolas é a mentalidade, não a idade.

A responsabilidade disso é toda dos clubes. A CBF tem a agenda dela, suas reuniões, preocupações e questões. Acho que os clubes também tinham que ter estas agendas. Aqui no Bahia temos reuniões de diretoria no mínimo uma vez por semana. Conversamos quase diariamente. Temos temas em comum a debater para que o clube tenha um bom desempenho. Acho que no conjunto, os clubes também tinham que ter essa agenda, mas estou numa minoria de opinião. Não acredito que a CBF atrapalhe as agendas e acho que esse discurso de transferir responsabilidade é muito confortável e não compactuo com ele".

Liga x CBF: Se times organizarem campeonatos, falência era certa

"Se nós criarmos uma liga de times, ela vai à falência antes do fim do ano. Os clubes não conseguem nem reunir-se, como que vamos criar uma liga? Faço até uma provocação: se a CBF deixasse os times tomarem conta do Campeonato Brasileiro hoje, não haveria capacidade de organização. Por quê? Os clubes não possuem uma agenda comum, não debatem entre si.

Em 2002, antes do atual formato do Brasileirão, existiam as ligas regionais que não tiveram sequência por culpa dos clubes. Com exceção da Liga do Nordeste que retornou faz alguns anos e mesmo assim faz campeonatos em parceria com a CBF. Existe também a liga Rio-Sul-Minas [Primeira Liga], que na minha opinião está em um trilho errado.

Time Bahia - EC Bahia/Facebook/Divulgação - EC Bahia/Facebook/Divulgação
O Bahia está na semifinal da Copa do Nordeste
Imagem: EC Bahia/Facebook/Divulgação

Os próprios times que inventaram o campeonato jogando com equipe reserva, time misto… Desprestigiando um campeonato que eles mesmos criaram e gerenciam. Então existe mesmo essa dificuldade de união. Acho que a tentativa da liga é ótima mas as decisões estão sendo tomadas de uma forma errada.

Na Liga do Nordeste temos uma organização melhor, e a médio e longo prazo acho que vai ser bem sucedida. Não por causa do Bahia, mas por que os debates tem sido bem feitos e está funcionando. Existem grandes dificuldades internas também. Faltam muitos ajustes para a competição ter futuro, precisamos resolver algumas divergências que estão agravando-se entre os clubes. Tomara que a gente consiga manter a unidade que tem feito a competição crescer a cada ano, com mais público, cotas de TV maiores. Até agora está sendo um sucesso comercial, vamos ver a sequência".

Paixão prejudica o futebol no Brasil

"No Brasil ainda existe a questão do resultado imediato. O trabalho dos técnicos é avaliado semanalmente, toda quarta e todo final de semana. E são avaliações sempre definitivas. É sempre juízo final. Isso é negativo para todo o futebol.

Mas dizem, praticam e acreditam os dirigentes, que esta é a mentalidade brasileira, este é o jeito brasileiro. Eu acho que é errado. Não é por que a cultura foi formada assim que a gente não pode tentar modificar. Tem muita incoerência.

O torcedor diz que o clube tem que valorizar a divisão de base. Mas o torcedor também diz que o clube tem que contratar. Então toda vez que você contrata, diminuiu o espaço para aproveitar o talento da base. Mas o torcedor quer as duas coisas, a imprensa cobra as duas coisas.

As pessoas sabem que o profissional, na maioria das vezes, precisa de tempo para mostrar seu trabalho. Mas algumas vezes um jogador ou um técnico tem um primeiro mês muito ruim aí ele não serve, começam a falar que ele tem de ser trocado. Como vai ser trocado se com um mês não deu para avaliar direito? São incoerências que fazem parte do nosso dia-a-dia e temos que nos adaptar enquanto tentamos fazer um trabalho de formiguinha para mudar a mentalidade e fazer um trabalho mais sustentável, mais continuado.

O torcedor brasileiro só entende o triunfo e o título. A cultura brasileira é que quem não conquista um título é fracassado. E quando você coloca o rótulo de fracassado, o passo seguinte é a fazer do time terra arrasada, ser irresponsável na administração do clube: dispensar sem critério, contratar sem critério... aí você vai gerando o que? O que todos os clubes no Brasil têm hoje, que é um passivo muito grande. Passivo trabalhista, tributário, fiscal. E a gente não reflete sobre isso.

Na hora que o sentimento aflora, poucas pessoas conseguem ser responsáveis com os próprios comentários: da torcida, da imprensa, dos sócios, dos diretores... Existe uma carga emocional muito grande nas opiniões, e muitas vezes os clubes brasileiros ficam nessa situação".

Arbitragem brasileira: "de irregular a ruim"

"A arbitragem no país é de irregular para ruim. O árbitro deveria ser profissional, dedicar-se exclusivamente ao apito. Os principais árbitros do Brasil deveriam ser bem remunerados e profissionais, não mais amador com atividades paralelas.

Por que? Hoje a maioria não consegue concentrar-se exclusivamente em sua função. Ele apita hoje um clássico e amanhã tem que ir trabalhar. Dar aula em uma academia, trabalhar num banco, em um comércio... Então ele tem uma série de preocupações até maiores do que a atividade de árbitro. Ele não tem tempo para pensar sobre o jogo que fez, não se reúne com outros árbitros, não tem tempo de rever os lances... Muitas vezes não consegue fazer um trabalho de preparo físico para acompanhar os lances mais de perto.

Os árbitros então, pelo menos aqueles de ponta, deveriam apitar exclusivamente as principais competições e dedicaram-se apenas a isso, como uma profissão mesmo

Hoje não cabe mais também não usar a tecnologia. Tem situações que ela deve ser utilizada, temos que discutir isso. Tem situações que se fosse dado ao árbitro a possibilidade de ver o vídeo e voltar atrás, ele voltaria. Há alguns lances que mesmo com o vídeo haveria dúvidas e polêmicas, mas não existiria mais a polêmica no que é flagrante, no que é cristalino. No Brasil a gente parece não ter maturidade para tomar as decisões que são corretas."

Brasil podia ter torneio de nível mundial, mas não vai tão cedo

"Vejo uma evolução bem devagarinho. Acredito que se todos os envolvidos – times, torcedores, dirigentes, patrocinadores, televisão, todo mundo – conseguissem extrair todo o potencial do futebol brasileiro, teríamos em um prazo de cinco a dez anos o segundo campeonato do mundo, atrás apenas da Premier League da Inglaterra. Se trabalhássemos bem, nosso lugar seria esse.

Esse é o nosso potencial, mas não vejo a gente atingindo esse potencial enquanto eu estiver vivo, por exemplo. A gente não vai conseguir criar este cenário a médio prazo. Vamos caminhar ainda um bom tempo como oitava força do futebol mundial, décima... Não enxergo a gente na elite tão cedo, por todos os fatores que expus acima".

"Calendário está todo errado"

"Estamos com uma expectativa muito positivo para a Série A neste ano. Na verdade a estreia já devia ter ocorrido né, o Bahia subiu em novembro e vai estrear em maio, meio ano depois. É o calendário que temos no Brasil, na minha opinião um calendário equivocado e que está todo errado.

A Série A devia começar em março e se estender até dezembro, por que é o principal campeonato do país. As outras competições regionais, copas nacionais e copas internacionais ficariam com o meio de semana preenchendo este calendário em paralelo. Então vamos estrear em maio agora. Aquela euforia do acesso já passou, outras questões da agenda já permeiam a cabeça do torcedor. Mas a nossa expectativa é fazer um campeonato digno, competitivo".

Jogar Série A sem pensar em rebaixamento

"Queremos voltar a ocupar o lugar que acreditamos ter capacidade de ocupar, que é sempre na primeira página da tabela. Neste momento temos que ter calma e esperar o campeonato começar, para conseguir avaliar melhor o nosso nível. Queremos fazer um campeonato digno, sem em momento algum falar em rebaixamento. Para avaliar melhor acredito que só dentro da competição. O Bahia não pode jogar uma Série A com medo de rebaixamento. Temos que fazer um campeonato seguro. E dentro do campeonato, aí sim, ver onde estamos e fazer as correções necessárias.

O elenco é mais forte do que tínhamos no passado recente. É um elenco capaz de dar respostas que a torcida deseja no Campeonato Baiano e na Copa do Nordeste, mas um elenco que ainda precisamos avaliar com mais critério para a Série A do Campeonato Brasileiro. Tem peças que já mostraram sua qualidade e que temos convicção que tem condições de fazer um bom campeonato, e outras peças que precisam ser melhor testadas. É um grupo no qual temos confiança. Neste ano, o Bahia trouxe dez novos atletas de várias posições. Vamos esperar o campeonato começar e ver se há necessidade de cobrir mais alguma coisa".